MIA > Biblioteca > Maurice Brinton > Novidades
LEVANTAMENTOS SOCIAIS, COMO ESTE QUE A França acabou de atravessar, deixam atrás deles uma trilha de reputações destruídas. A imagem do gaullismo como um estilo de vida significativo, “aceita” pelo povo francês, sofreu um tremendo golpe. Da mesma forma a imagem do Partido Comunista como uma possível oposição à ordem estabelecida francesa.
No que toca aos estudantes, as recentes atitudes do PCF (Partido Comunista Francês) foram tais que o Partido provavelmente selou seu destino no meio estudantil por uma geração. Entre os trabalhadores os efeitos são mais difíceis de serem avaliados, e seria prematuro se aventurar nessa avaliação. Tudo que pode ser dito é que são certamente profundos, embora eles provavelmente levem algum tempo para aparecer. A própria condição de proletário foi por um momento questionada. E prisioneiros que têm um vislumbre da liberdade não retornam facilmente à prisão perpétua.
Todas as implicações do papel do PCF e da CGT ainda precisam ser estimadas pelos revolucionários britânicos, que precisam acima de tudo estar informados. Nesta seção documentaremos o papel do PCF o melhor que pudermos. É importante notar que para cada quilo de merda atirada nos estudantes pela sua publicação oficial, foram despejadas toneladas durante as reuniões e em conversas privadas. Pela sua natureza, é mais difícil documentar este último tipo de injúria.
Um comício foi convocado no jardim da Sorbonne pela UNEF, JCR (Juventude Comunista Revolucionária), MAU (Mouvement d’Action Universitaire, Movimento de Ação Universitário) e FER para protestar contra o fechamento da faculdade de Nanterre. Participaram dela militantes do Movimento 22 de Março. A polícia foi chamada pelo reitor Roche, e ativistas de todos esses grupos foram presos. A UEC (Union des Étudiants Communistes, União dos Estudantes Comunistas) não participou nesta campanha. Porém distribuiu um panfleto na Sorbonne denunciando a atividade de grupuscules.
“Os líderes de grupos de esquerda estão tirando proveito das fraquezas do governo. Estão explorando o descontentamento estudantil e tentando parar o funcionamento das faculdades. Estão buscando impedir que os estudantes estudem e passem nas provas. Esses falsos revolucionários estão agindo objetivamente como aliados do governo gaullista. Estão agindo como partidários das suas políticas, as quais são prejudiciais à maioria dos estudantes e em especial aos de origem modesta.”
No mesmo dia l'Humanité tinha escrito “Alguns pequenos grupos (anarquistas, trotskistas, maoístas), formados principalmente pelo filhos da grande burguesia e liderados pelo anarquista alemão Cohn-Bendit, estão se aproveitando das fraquezas do governo...” etc... (veja acima). A mesma edição de l'Humanité publicou um artigo de Marchais, um membro do Comitê Central do Partido. Esse artigo foi amplamente difundido na forma de panfleto, em fábricas e escritórios:
“Não satisfeitos com a agitação que estão conduzindo no meio estudantil — agitação que vai contra os interesses da grande parte dos estudantes e que favorece os provocadores fascistas — esses pseudo-revolucionários agora têm a coragem de querer dar lições ao movimento operário. São encontrados em cada vez maior número nos portões das fábricas e nas áreas onde moram trabalhadores imigrantes, distribuindo panfletos e outras propagandas. Esses falsos revolucionários devem ser desmascarados, porque objetivamente eles estão servindo aos interesses do governo gaullista e dos grandes monopólios capitalistas”.
A polícia ocupou o Quartier Latin durante a semana. Aconteceram grandes manifestações estudantis de rua. Sob a convocação da UNEF e SNESup, 20 mil estudantes marcharam da Denfert Rochereau à St. Germain des Pres pedindo a libertação dos trabalhadores e estudantes presos. A polícia atacou repetidas vezes os manifestantes: 422 presos, 800 feridos.
O l'Humanité declara:
“pode-se claramente ver hoje o resultado das ações aventureiras de grupos de esquerda, anarquistas, trotskistas e outros. Objetivamente, eles estão jogando o jogo do governo... O descrédito a que eles estão levando o movimento estudantil está ajudando a alimentar as violentas campanhas da imprensa reacionária e da ORTF, que por identificarem as ações desses grupos com a dos estudantes em geral, tentam isolar os estudantes da maioria da população...”
A UNEF e a SNESup convocam seus partidários para começarem uma paralisação por tempo indefinido. Eles reivindicam inicialmente às autoridades que:
Numa declaração que mostra como relativamente eles desconheciam as principais razões da revolta estudantil, os “Representantes Comunistas Eleitos da Região de Paris” declararam (no l’Humanité):
“A falta de crédito, de espaço, de equipamento, de professores... impedem que três de cada quatro estudantes competem seus estudos, sem mencionar aqueles que nunca tiveram acesso ao nível superior... Essa situação causou um descontentamento profundo e legítimo tanto entre estudantes quanto entre professores. Ela também favoreceu a atividade de grupos irresponsáveis cujas concepções políticas não podem oferecer nenhuma solução aos problemas dos estudantes. É intolerável que o governo se aproveite do comportamento de uma minoria infinitesimal para interromper os estudos de dezenas de milhares de estudantes a poucos dias de seus exames...”
A mesma edição de l'Humanité trazia uma declaração da seção dos “Sorbonne-Lettres” (professores) do Partido Comunista:
“Os professores comunistas exigem a libertação dos estudantes presos e a reabertura da Sorbonne. Cientes de nossas responsabilidades, especificamos que esta solidariedade não significa que concordamos ou apoiamos os lemas de certas organizações estudantis. Nós desaprovamos os lemas fantasiosos, demagógicos e anticomunistas, e os métodos de ação irresponsáveis defendidos por vários grupos de esquerda”.
No mesmo dia, Georges Séguy, secretário-geral da CGT, falou à imprensa sobre a programação do Festival da Juventude Operária (marcado para 17-19 de maio, mas subsequentemente cancelado):
“A solidariedade entre estudantes, professores e a classe trabalhadora é uma ideia comum aos militantes da CGT... É exatamente essa tradição que nos obriga a não tolerar qualquer elemento suspeito ou provocador, elementos esses que criticam as organizações da classe trabalhadora...”
Uma grande manifestação estudantil chamada pela UNEF ocorreu nas ruas de Paris na noite anterior. A primeira página do l'Humanité traz uma declaração do secretariado do Partido:
“O descontentamento dos estudantes é legítimo. Mas a situação favorece atividades aventureiras, cujas concepções políticas não oferecem perspectiva aos estudantes e não possuem nada em comum com uma política verdadeiramente progressista e de longo prazo...”
Na mesma edição, J.M. Catala, secretário-geral da UEC escreve que:
“as ações de grupos irresponsáveis estão ajudando os poderes estabelecidos a alcançarem seus objetivos... O que devemos fazer é pedir um orçamento educacional maior, que assegure maiores subvenções aos estudantes, a nomeação de mais professores e com melhores qualificações, a construção de novas faculdades...”
A UJCF (Union des Jeunes Filies Françaises) distribui panfletos em vários liceus. O l’Humanité cita esse fato de forma aprovativa:
“Protestamos contra a violência policial desencadeada contra os estudantes. Exigimos a reabertura da Nanterre e da Sorbonne e a libertação dos que foram presos. Denunciamos o governo gaullista como o principal (!) responsável por esta situação. Denunciamos também o aventureirismo de certos grupos irresponsáveis e chamamos os secundaristas para lutarem lado a lado com a classe trabalhadora e seu Partido Comunista...”
Durante o fim de semana Pompidou recuou. Mas as organizações, a UNEF e a dos professores, decidiram manter sua convocação para a paralisação de um dia.
Na primeira página, l'Humanité publica, com enormes manchetes, uma chamada para a greve de 24 horas seguida por uma declaração do departamento político:
“A união da classe trabalhadora e dos estudantes ameaça o regime... Isto cria um enorme problema. É essencial que não seja permitida nenhuma provocação, nenhum desvio que distraia quaisquer das forças que lutam contra o regime ou que dêem ao governo o menor pretexto que seja para distorcer o significado dessa grande luta. O Partido Comunista se associa sem reservas ajusta luta dos estudantes...”
As enormes manifestações de segunda-feira em Paris e em outras cidades — que casualmente impediram que l'Humanité assim como outros jornais saíssem na terça-feira — foram um tremendo sucesso. Em certo sentido elas foram o estopim da “espontânea” onda de greves que se seguiu em um ou dois dias. 0 l'Humanité publica, na primeira página, uma declaração emitida no dia anterior pelo departamento político do Partido. Após se darem todos os créditos pelo 13 de maio, a declaração continua:
“A população de Paris marchou por horas nas ruas da capital, demonstrando um poder que tornara qualquer provocação impossível. As organizações do Partido trabalharam dia e noite para assegurar que esta grande manifestação de trabalhadores, professores e estudantes ocorresse com o máximo de unidade, força e disciplina... Agora é evidente que os poderes estabelecidos, que se defrontaram com a ação coletiva e os protestos dos principais setores da população, procurarão nos dividir na esperança de nos vencer. Eles recorrerão a todos os métodos, incluindo a provocação. O departamento político alerta os trabalhadores e estudantes contra qualquer empreendimento aventureiro que possa, nas circunstâncias atuais, desviar a frente ampla da luta que está em processo de desenvolvimento, e fornecer ao governo gaullista uma nova arma para consolidar sua instável ordem...”
Durante as últimas 48 horas, greves com ocupação de fábrica se espalharam como um rastro de pólvora de um canto ao outro do país. As ferrovias estão paralisadas, nos aeroportos civis a bandeira vermelha tremula. (Os provocadores estiveram obviamente em ação!)
O l’Humanité publica na primeira página uma declaração do Comitê Nacional da CGT:
“A toda hora greves e ocupações de fábrica estão se espalhando. Essas ações, que começaram por iniciativa da CGT e de outras organizações sindicais (sic!), criam um novo contexto de excepcional importância... O descontentamento popular acumulado durante muito tempo está nesse momento encontrando uma forma de expressão. As questões que estão sendo colocadas devem ser respondidas seriamente e a importância delas deve ser totalmente apreendida. A evolução desse contexto está dando uma nova dimensão à luta... Enquanto multiplica seus esforços para elevar a luta ao patamar necessário, o Comitê Nacional alerta todos os militantes da CGT e grupos locais contra qualquer tentativa por parte de grupos de fora de se intrometerem na condução da luta, e contra todos os atos de provocação que possam ajudar as forças de repressão nas suas tentativas de impedir o crescimento do movimento...”
A mesma edição do jornal dedicou uma página inteira para alertar os estudantes sobre a falácia de qualquer concepção de “poder estudantil” — en passant —, atribuindo ao Movimento 22 de Março uma série de posições políticas que eles nunca sustentaram.
O país inteiro está totalmente paralisado. O Partido Comunista ainda está alertando sobre as “provocações”. No canto direito superior do l'Humanité se vê um quadro com o título “ALERTA”.
“Panfletos têm sido distribuídos na região de Paris convocando uma greve geral insurrecional. Não precisa ser dito que tal apelo não foi emitido pelas nossas organizações sindicais democráticas. Eles são produto de provocadores que buscam dar ao governo um pretexto para uma intervenção... Os trabalhadores devem estar atentos para impedirem tais manobras...”
Na mesma edição, Etienne Fajon do Comitê Central continua os alertas:
“A principal preocupação atual dos poderes estabelecidos é dividir a classe trabalhadora e isolá-la da população... Nosso departamento político alertou os trabalhadores e estudantes, desde o início, contra os slogans aventureiros capazes de desviar a frente ampla da sua luta. Várias provocações foram deste modo impedidas. Nossa atenção deve certamente ser mantida...”
A mesma edição dedica suas páginas centrais a uma entrevista com o senhor George Séguy, secretário-geral da CGT, feita pela maior rede de rádio da Europa. Nessa entrevista ao vivo, vários ouvintes fizeram diretamente perguntas pelo telefone. Os diálogos que seguem merecem registro:
Pergunta: Senhor Séguy, os trabalhadores em greve estão dizendo em todos os lugares que eles vão resolver a questão. O que você quer dizer com isso? Quais são seus objetivos?
Resposta: A greve está tão forte que os trabalhadores obviamente pretendem obter o máximo de concessões ao fim desse movimento. Resolver a questão, para nós sindicalistas, significa conquistar as reivindicações pelas quais temos sempre lutado, mas que o governo e os patrões sempre se recusaram ouvir. Eles foram rudemente intransigentes às propostas de negociação que por várias vezes fizemos.
Resolver a questão significa um aumento geral dos salários (com salário-mínimo de 600 francos por mês), garantia de emprego, uma idade de aposentadoria mas baixa, redução da jornada de trabalho sem diminuição de salário, e a proteção e expansão dos direitos sindicais dentro da fábrica. Essas reivindicações não possuem uma ordem hierárquica específica porque damos a mesma importância a todas elas.
Pergunta: Se eu não estou enganado, o estatuto da CGT declara o objetivo de derrubar o capitalismo e substituí-lo pelo socialismo. Na situação atual, que você mesmo se referiu como “excepcional” e “importante”, por que a CGT não aproveita essa chance única para invocar seus objetivos fundamentais?
Resposta: Essa é uma pergunta muito interessante. Eu gostei muito dela. É verdade que a CGT oferece aos trabalhadores uma concepção de sindicalismo que consideramos a mais revolucionária, na medida que seu objetivo último é o fim da classe exploradora e do trabalho assalariado. É verdade que este é o primeiro de nossos estatutos. Ele permanece sendo fundamentalmente o objetivo da CGT. Entretanto, o movimento atual pode alcançar esse objetivo? Caso se tornasse óbvio que pudesse, estaríamos prontos para assumir nossas responsabilidades. Resta saber se todos os socialistas envolvidos no atual movimento estão prontos para ir tão longe.
Pergunta: Desde os acontecimentos da última semana eu tenho ido a todos os lugares onde há discussões. Fui essa tarde ao Teatro Odéon. Muitas pessoas estavam discutindo lá. Eu posso assegurar a você que todas as classes que são oprimidas pelo atual regime estavam presentes lá. Quando eu perguntei se elas achavam que o movimento deveria ir além das limitadas reivindicações postas pelos sindicatos nos últimos dez ou vinte anos, a casa veio abaixo. Portanto, eu acho que seria um crime deixar escapar a atual oportunidade. Seria um crime porque mais cedo ou mas tarde isso terá que ser feito. As condições atuais poderiam nos permitir fazê-lo pacificamente e tranquilamente, e talvez elas nunca apareçam de novo. Eu acho que esta iniciativa deve ser feita por vocês e outras organizações políticas. Essas organizações políticas não são por certo empresas, mas a CGT é uma organização revolucionária. Vocês devem desenrolar sua bandeira revolucionária. Os trabalhadores estão perplexos diante da timidez de vocês.
Resposta: Enquanto você estava envolvido na febre do Odéon, eu estava nas fábricas. Entre os trabalhadores, eu lhe asseguro que a resposta que estou dando a você é a resposta de um dirigente de um grande sindicato, que afirma ter assumido todas as suas responsabilidades, mas que não confunde seus próprios desejos com a realidade.
Um ouvinte: Eu gostaria de falar com o senhor Séguy. Meu nome é Duvauchel. Eu sou diretor da fábrica Sud Aviation de Nantes.
Séguy: Bom dia, senhor.
Duvauchel: Bom dia, secretário-geral. Eu gostaria de saber o que você acha do fato de que nos últimos quatro das eu e mas outros vinte diretores temos estado presos dentro da fábrica da Sud Aviation em Nantes.
Séguy: Alguém chegou a lhe agredir?
Duvauchel: Não. Mas eu sou impedido de sair, apesar do fato do diretor-geral ter notificado que a empresa estava preparada para fazer concessões assim que o livre acesso às fábricas fosse restabelecido, principalmente para seu corpo administrativo.
Séguy: Você pediu para sair da fábrica?
Duvauchel: Pedi!
Séguy: A permissão foi recusada?
Duvauchel: Foi!
Séguy: Então eu tenho que me reportar à declaração que fiz ontem na conferência de imprensa da CGT. Eu declarei que desaprovava tais atitudes. Estamos tomando as medidas necessárias para que elas não se repitam.
Isso já é o suficiente. A própria Revolução será sem dúvida denunciada pelos stalinistas como provocação!
Como uma forma de epílogo, vale registrar que numa reunião de estudantes lotada, realizada no Mutualité na quinta-feira, dia 9 maio, um porta-voz da organização trotskista Communiste Internationaliste foi incapaz de pensar em algo melhor do que a convocação de uma reunião para passar uma resolução pedindo para Séguy convocar uma greve geral!!!
Notas de rodapé:
(1) “Cuidado com os Provocadores”. (N.T.) (retornar ao texto)