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Será que o marxismo pode ser de ajuda aos ativistas negros na elaboração de um programa capaz de alcançar a libertação para o povo negro? A Socialist Workers Party diz sim, Harold Cruse diz não (Liberator, maio e junho). Essa é uma questão que cada pessoa pode verificar por si mesma ao investigar o que os marxistas fazem e dizem.
Em especial, o que eles dizem sobre a natureza da sociedade que vivemos (capitalismo), seus pontos fortes e fracos, e a relação que suas classes dominantes têm com outras forças, nacionais e no estrangeiro.
O Socialist Workers Party diz que o capitalismo norte-americano é um sistema doente e injusto, que já passou de seu auge e está destinado a ser substituído por um novo sistema socialista. Essa mudança não será imposta por alguma força de fora do país, embora as pressões do exterior poderão ajudar, mas será produzida pelas forças de dentro do país, pelas classes e grupos que estão aqui nos EUA, se rebelando contra a dominação e o desgoverno do capitalismo.
Uma das principais fraquezas que levará o capitalismo à destruição é o racismo. Os capitalistas não têm nenhuma intenção em abolir o racismo, que os beneficia politicamente ao manter os trabalhadores divididos, e economicamente ao diminuir o salário de todos os trabalhadores.
É questionável se os capitalistas poderiam abolir o racismo mesmo se quisessem, mas ninguém terá de perder o sono pensando nessa questão pois eles não querem. O máximo que eles darão são algumas concessões parciais e reformais graduais (como a lei de 1964 dos direitos civis) que poderão, eventualmente, fazer o Sul ser igual ao Norte, onde o racismo ainda é supremo, apesar de todas as leis, comissões e previsões constitucionais.
Reformas não acabarão com o racismo agora, nem daqui a cem anos. Para conseguir concessões, é necessário balançar o barco(1), mas isso não é o suficiente para alcançar igualdade. É preciso de um novo capitão; é preciso também de um novo barco. Há apenas duas maneiras para alcançar a igualdade racial. Uma é através de uma revolução socialista que acabe com a ordem capitalista. A outra é deixando esse país, separando dele e formando uma nova nação, ou migrando para um país livre de racismo. Nenhuma das duas maneiras é fácil.
Mas será uma revolução socialista possível? A resposta seria não, fosse o racismo o único mal criado pelo capitalismo. Mas ele não é. O capitalismo dissemina muitos outros males, que necessitariam de um livro para serem listados. Os mais importantes – e eles todos geram uma luta contra a ordem capitalista – são o desemprego, pobreza, insegurança, controle de pensamento, o crescimento da reação de ultra-direita, e o perigo de guerra que pode acabar com toda a humanidade.
Esses males, que são inerentes ao capitalismo, criam as condições para um movimento anti-capitalista que, com a direção apropriada, pode destituir os banqueiros e os executivos de corporações; os generais de alta patente e os supremacistas brancos que hoje detém o poder. Os membros desse movimento virão das classes e grupos que têm mais a ganhar e menos a perder pela profunda e vasta mudança: revolucionários trabalhadores, jovens –
“Pera aí! Espera um pouco”, interrompe Harold Cruse, que esteve ouvindo impacientemente até agora. E ele lança seu ataque contra a ideia de que os trabalhadores desse país podem desempenhar um papel revolucionário. Sua posição, substancialmente, é essa:
Houve um período de ascenso dos trabalhadores na década de 1930, mas ela já entrou em declínio e passou. Trabalhadores brancos se tornaram conservadores, pró-capitalistas e hostis ou indiferentes aos negros. Já houve um tempo em que parecia razoável esperar que eles fossem aceitar o socialismo, mas já é muito tarde agora. Os únicos capazes de ação revolucionária nesse país são os negros.
Então, se voltando ao tema de seu artigo no Libertador, ele enche os marxistas de críticas. Que eles são tão obcecados por esse “mito da classe trabalhadora”, essa “grande ilusão”, esse “misticismo branco sobre o trabalho”, que perderam o senso da realidade, e estão praticamente descolados da realidade. Ele diz:
“[...] a teoria e prática do marxismo revolucionário nos EUA é baseada na suposição de que os trabalhadores brancos, tanto os organizados e os não organizados, são uma força radical anti-capitalista nos EUA e que devem formar uma ‘aliança’ com os negros pela libertação de ambos o trabalho e o negro da exploração do capitalismo. Não importa que fatos da realidade demonstrem o contrário, não importa o que os marxistas dizem ou fazem em termos de ‘tática’ momentânea, isso é o que eles acreditam, e devem acreditar ou deixar de funcionar como uma tendência marxista”.
Se isso significa o que diz, então certamente é uma argumentação pobre. Quando um homem insiste que algo “deve ser” de certa forma, e ela obviamente não é, então todos concluem que esse homem é algum tipo de louco. Mas se ele é obviamente um tipo de louco, então por que desprender de tanto tempo e espaço o refutando?
A verdade é que a Socialists Workers Party não acredita que os trabalhadores devem ser ativistas e anti-capitalistas. Estamos todos bem conscientes de que a enorme maioria dos trabalhadores brancos não são ativistas, graças à alienação capitalista, relativo sucesso econômico, péssima liderança trabalhista e imaturidade política. É por isso que o socialismo em geral, e nosso partido em particular, não são mais fortes e mais bem capazes de fornecer apoio à luta dos negros. O que nós acreditamos é que os trabalhadores devem se tornar ativistas se eles quiserem resolver seus problemas, e certamente eles se tornarão ativistas sob certas condições e em determinados momentos. “Devem se tornar” é algo completamente de “devem ser”.
Marxistas nunca acreditaram que os trabalhadores em países capitalistas devem ser ou sempre foram ativistas. Nós não idealizamos os trabalhadores, sabendo muito bem de nossa experiência dolorosa que eles podem muitas vezes serem infectados, corrompidos, desmoralizados, exauridos e desorientados, dependendo de suas condições, lideranças e nível de consciência (não é o mesmo para as massas negras?).
A classe trabalhadora nos EUA não foi ativa durante a maior parte de sua existência. Mesmo quando ela era mais mobilizada do que hoje, durante as décadas de 1930 e 1940, ela nunca chegou ao ponto de romper com as políticas dos capitalistas contra os quais ela estava lutando nos piquetes de greves, e a criar seu próprio partido político não-capitalista. O mais mobilizado setor da classe trabalhadora atualmente, os trabalhadores negros do gueto, não foram sempre tão ativos como o são nos dias de hoje.
Socialistas acreditam que a classe trabalhadora pode se tornar revolucionária – não sempre, mas em alguns momentos. E que, em tal ocasião, que não ocorre o tempo todo e nem dura para sempre, ela pode, com a ajuda de outras forças não-capitalistas, e sendo constantemente dirigida por uma liderança revolucionária, abolir o sistema que reproduz o racismo, pobreza, arregimentação e guerra. A questão da liderança é crucial precisamente porque tal oportunidade não acontece o tempo todo, nem por muito tempo.
Nessa suposição, portanto, ao contrário do que Cruse atribui a nós, não é que a classe trabalhadora possa se mobilizar ou se mobilizará o tempo todo, ou durante a maior parte do tempo, mas que as condições criadas pelo capitalismo devem fazê-la se mobilizar em alguns momentos, e que embora as situações revolucionárias ocorram raramente, elas podem ser transformadas em uma bem-sucedida tomada do poder. Como a experiência de Cuba demonstra, uma revolução vitoriosa pode, então, mudar rapidamente as condições, o suficiente para permitir que a consciência revolucionária e a vontade da classe trabalhadora permanecerão altas e se tornem permanentes.
Cruse não considera possível a ocorrência de tal revolução proletária, assim como a maioria dos norte-americanos, ou mesmo os professores da Nova-Esquerda como C. Wright Mills. Assim como outros oponentes sofisticados do marxismo, ele vive em um mundo que está mudando a uma velocidade imprescindível, mas acha que tudo mudará, com exceção dos trabalhadores. Fale sobre tamanha ilusão! Até mesmo o mais ignorante capitalista sabe que isso não é verdade. É por isso que os capitalistas distorcem os ensinamentos do marxismo e tentam isolar e abafar as ideias e movimentos socialistas.
O futuro desse país será determinado em grande parte pelas relações entre suas três maiores forças: os capitalistas, os trabalhadores brancos, e os negros (que também são trabalhadores, em sua maioria). No momento os capitalistas dominam e têm apoio da maior parte dos trabalhadores brancos. Cruse acha que isso será assim para sempre. Não será, por causa das contradições internas deste sistema.
A contradição central está na disposição das condições materiais para o socialismo, e o despreparo político e ideológico dos trabalhadores brancos para lutar por ele. Junto a isso, se conecta outra aguda contradição – a existente disposição dos negros para lutar por empregos e justiça, pelas maneiras mais militantes possíveis, e o despreparo dos trabalhadores organizados e dos trabalhadores brancos no geral para apoiar os negros.
A partir de nossa análise da estrutura social, nós concluímos que a contradição predominante entre trabalhadores brancos e negros não é absoluta, mas relativa; não é permanente, mas transitória. A alienação que os separa é tão duradoura quanto a parceria política e ideológica entre os trabalhadores brancos e seus chefes.
Na realidade, essas duas relações estão interconectadas. Qualquer aprofundamento do antagonismo entre os trabalhadores brancos e as classes dominantes, qualquer ruptura entre seus laços, qualquer abertura ou ampliação das brechas que os separam, objetivamente prepara o estágio para a diminuição do antagonismo e estreitamento da distância que separa o movimento negro e os trabalhadores brancos.
O panorama dos trabalhadores brancos será alterado por duas razões distintas. A primeira é a luta independente dos negros, que tende a perturbar o status quo e a introduzir elementos de instabilidade nas relações de classe. A ruptura dos padrões políticos nas eleições deste ano mostram a forte capacidade da luta independente dos negros em desorganizar e alterar modos comuns de pensamento e ação. Existe alguma razão para acreditar que os trabalhadores também não estarão abalados e divididos, e alguns deles arrancados completamente de suas rotinas, conforme a luta dos negros continua a se desenvolver e crescer?
O outro e mais básico fator para mudança vêm diretamente da lógica do sistema capitalista. Na próxima década, a automatização criará um vasto exército de desempregados, e reduzirá a segurança e estabilidade de todos os trabalhadores, até aqueles com muita experiência, habilidade e privilégio. O tamanho do mercado dos EUA irá ser reduzido pela revolução colonial e competição com outros países capitalistas, e isso levará os capitalistas a atacarem os salários e padrões de vida dos trabalhadores.
Certamente, será que isso não provocará atitudes e sentimentos anti-capitalistas, não apenas entre os jovens e desempregados, mas também entre os sindicalizados que ainda têm emprego? Será que a crescente mobilização não tornará os trabalhadores brancos mais suscetíveis à ação conjunta com o movimento negro? Será que não surgirá a possibilidade para uma mudança na situação atual, para a ação conjunta dos dois maiores movimentos anti-capitalistas contra os senhores do sistema responsável pela sua comum miséria e instabilidade?
Esperamos que o que acabamos de escrever não seja distorcido. É uma perspectiva com a qual podemos trabalhar, e não uma realidade atual. Nós não acreditamos que será fácil ou rápido alcançar essa ação conjunta. Nós não estamos sugerindo que os negros devam esperar que os trabalhadores brancos estejam preparados para essa colaboração para poderem construir seu próprio movimento, com seus próprios líderes, ideologia e programa. Não estamos propondo, e não apoiamos, qualquer aliança em que os negros tenham que se submeter à vontade dos trabalhadores brancos.
Estamos falando de uma aliança entre iguais. Uma aliança com trabalhadores brancos, não conservadores e ativistas. Uma aliança contra todos os partidos capitalistas, e não uma aliança baseada no Partido Democrata. Portanto, nós estamos falando do futuro (menos distante do que pode parecer), e não do agora. Nós concordamos totalmente com a decisão do militante negro em se concentrar na construção de seu próprio movimento, e trabalhar nas táticas tendo em vista a situação conforme ela é hoje.
O que nós acrescentamos é que ele não continuará como é hoje. Uma estratégia geral correta tem que estar preparada para levar em conta isso também, estar preparada para as mudanças que virão, e impulsionar elas. Pois elas beneficiam os negros assim como beneficiam os trabalhadores brancos.
A resolução da convenção de 1963 da SWP (Freedom Now: The New Stage in the Struggle for Negro Emancipation) dizia que a primeira fase da aliança que nós prevemos será muito provavelmente a concretização de relações firmes entre a vanguarda negra e a vanguarda revolucionária socialista. Nós continuamos a procurar tal relação. Nós apoiamos os negros sempre que eles se enfrentam com trabalhadores brancos privilegiados e preconceituosos. Nós apoiamos e trabalhamos juntos com os ativistas negros, apesar de eles terem eliminado para sempre qualquer possibilidade de colaboração com trabalhadores brancos em sua luta.
Nós não achamos que há qualquer inconsistência de nossa parte ao fazer isso, pois estamos confiantes de que tanto eles quanto os trabalhadores brancos aprenderão, da experiência, que a colaboração entre ambos é, no final das contas, indispensável se desejarmos a derrubada da estrutura de poder, e não apenas sua chacoalhada e renovação. A experiência mostrará que os monopolistas não poderão ser tirados de seu poder, se não pela transformação das relações entre as três principais forças – uma transformação dialética da aliança entre o trabalhador branco e o capitalista em uma aliança entre os trabalhadores brancos e negros, contra o regime capitalista.
Notas de rodapé:
(1) N. T. – Do original “rocking the boat”, é uma expressão em inglês que significa complicar as coisas, fazer bagunça, etc. (retornar ao texto)
Inclusão | 15/11/2017 |