MIA> Biblioteca> Daniel Bensaïd > Novidades
Primeira Edição: Rouge n° 173 - Le site Daniel Bensaïd - http://danielbensaid.org/Terrorisme-et-lutte-de-classe?lang=fr
Fonte: LavraPalavra
Tradução: Daniel Alves Teixeira
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Para a burguesia, o terrorismo está na ordem do dia. Willian Brandt apresenta o problema a seu parlamento. Os governantes europeus estão preocupados em Roma. A ONU discutirá, quando da próxima sessão, as medidas a serem tomadas. A agitação diplomática vai em bom caminho, misturando ingenuidade política e frenesi policial.
Pompidou e seu ministro Schurmann jogam o papel de progressistas lúcidos e corajosos declarando que é preciso se ater às causas do terrorismo palestino.
Mas quais são essas causas? A assembleia internacional dos preocupados gestores do capital abordará a exploração e a opressão que são as mais seguras fontes do terrorismo, na Palestina como em outros lugares. Esses “humanistas” consternados renunciarão por sua própria iniciativa, para dar o exemplo, a seu próprio terror legal, exercido pelos militares, torturadores, os policiais que são bem os terroristas legais?
Eles encontraram os acentos de luto e sofrimento sem precedentes, aqueles mesmos que se calaram durante os massacres de setembro de 1970 em Amã e Irbid, que vendem suas armas ao regime grego, espanhol, português, que conversam em seus ministérios e chancelarias com os Duvalier, os Suharto, açougueiro do povo indonésio, e outros torturadores brasileiros.
Pensarão eles, em sua deliberação na ONU, em convocar o terrorista Lanusse, chefe do Estado argentino, e seus capangas que, dez dias antes de Munique, puderam executar 17 militantes revolucionários na prisão de Trelew!
A exploração do homem pelo homem é a primeira violência. A violência policial, militar, estatal exercida para manter essa exploração não é mais do que seu prolongamento. Quanto mais a ordem capitalista se sentir ameaçada, mais ela se defenderá pela violência, com garras e dentes, tortura e napalm. E quanto mais o terror capitalista crescer, mais ele irá gerar as reações de legítima defesa, a violência revolucionária, minoritária ou de massa.
Eles pretendem a exclusividade, o monopólio da violência! Ele irão rapidamente fazer a meia-volta. Eles reforçarão o controle das fronteiras, as revistas, os dispositivos automáticos. Mas eles têm ao mesmo tempo necessidade de uma circulação rápida dos homens e dos capitais. Eles querem no centro do Mercado comum atenuar o papel aduaneiro das fronteiras, mas reforçar seu controle policial. E as dificuldades começam, as ordens e contra-ordens burocráticas…. Uma companhia aérea diz após os sequestros de aviões que os dispositivos de vigilância existem, que eles são colocados em serviço depois de um acidente, mas que muito pesados, muito lentos (existem milhares de portas a serem atravessadas por milhares de passageiros), eles são pouco a pouco desligados.
Eles pretendem criar uma super-polícia internacional. Mas nós já falamos de dissensos no seio da Interpol acerca de saber se o terrorismo está na sua competência ou se sua constituição o proíbe de se ocupar das questões políticas.
A criação de uma polícia política internacional unificada irá certamente se deparar com dificuldades. As verdades, nesta matéria, são fluídas. Tal polícia prenderá Oufkir indo assassinar Ben Barka? Ela se ocupará também das viagens de estudo anti-guerrilha de Dayan? E quem decidirá? Nós não podemos de um lado nos entregar em uma batalha econômica feroz no mercado mundial e pretender cimentar uma polícia homogênea através da competição cujas rivalidades são apenas as fontes reflexas.
Nesse grande alvoroço dos carcereiros internacionais, a burocracia stalinista não hesita um instante em tomar seu papel. Glomyko declara a ONU que a URSS opõe-se por princípio aos atos de terrorismo “que perturbam a atividade diplomática dos Estados assim como suas comunicações e o desenrolar normal dos contatos internacionais”. Pobres ministros, diplomatas, empresários “perturbados”. Gromyko fala como oficial incomodado na hora do chá, como um homem de Estado importunado pelos rumores da revolução. Ele é o retrato exato do regime que representa. Assim falando, Gromyko se inscreve em uma tradição já forte: em 1939, Stalin tentava concluir um acordo internacional com diversos governos, incluindo aqueles de Hitler e de Mussolini, para a extradição mútua de terroristas!
Recentemente, o jornal ABC na Espanha, o semanal Newsweek nos Estados Unidos e o Economista na Grã-Bretanha denunciaram a IV Internacional como o sistema melhor ramificado do terrorismo internacional.
Essa ofensiva coordenada contra a única organização revolucionária internacional já começou com a multiplicação das proibições de estadia com os principais dirigentes da IV Internacional. Nosso programa e nossos métodos são conhecidos, mas que importa, a burguesia sabe que ela mente quando ele faz o amálgama entre a nossa organização e os grupos como o Setembro Negro. Mas ela tem razão de ver na IV Internacional seu adversário mais irredutível.
A burguesia toma o pretexto do terrorismo para reforçar seu arsenal repressivo. É sua tarefa: a nossa de não deixar suas mãos livres. Mas para isso, seria preciso que a questão do terrorismo seja esclarecida no próprio seio do movimento trabalhador e da vanguarda revolucionária. Excesso de “sim, mas…”, de respostas evasivas, diversos subterfúgios, as pretensões de distinguir as coisas permitindo dissimular as tarefas reais.
De início, a noção de terrorismo se aplica indistintamente a muitas coisas diferentes. Burgueses e reformistas especulam sobre essa ambiguidade.
O terrorismo pode ser uma orientação política. A orientação de pessoas que creem transformar a sociedade decapitando o governo ou o estado-maior. Nós sabemos, que a burguesia reencontrará novos defensores e porta-palavras, naturalmente de valor desigual, enquanto ela continuar a ser a mestre dos meios de produção. É daqui que ela tira sua força: explorando os trabalhadores, ela lhes embrutece e se esforça para quebrá-los, de ensiná-los a submissão: com o capital tirado de seu trabalho, ele pode comprar todos os generais e servos amarrados que necessita. É por isso que somente um movimento de massa expropriando a burguesia e quebrando seu Estado pode colocar fim à sua dominação.
Mas o terrorismo pode ser um fenômeno social: e isso é totalmente outra coisa. Assim, Lenin distingue os atos de terrorismo, que se multiplicaram depois de 1905, da orientação terrorista dos socialistas revolucionários ou dos anarquistas antes de 1905. Em seu caso, se tratava de uma política falsa a qual se sacrificaram numerosos intelectuais românticos ou desesperados. Depois de 1905, se tratava de um movimento mais profundo e mais amplo que prolonga a crise revolucionária; isso que continuamos a chamar de terrorismo abraça então as manifestações de resistência, as sabotagens, a insolência trabalhadora e camponesa. Ele participa da fermentação na consciência das massas que tiram à sua maneira as lições de 1905. E a este título, o partido deverá aproveitá-las e se enriquecer, lhe dá mesmo mais clareza através de um nome distinto: “O antigo terrorismo russo era ocupação dos intelectuais conspiradores; hoje a luta dos partidários é conduzida, em regra geral, pelos trabalhadores militantes, ou simplesmente desempregados” (Lenin em 1906). É talvez a mesma diferença que existe entre a fração a Baader na Alemanha ou a fração do exército vermelho no Japão (cujos vínculos com as lutas dos trabalhadores são menores) e a ação do PRT-ERP na Argentina que se inscreve nas lutas do movimento trabalhador.
Outra confusão está junto da noção de terrorismo individual. Diversos oportunistas argumentam de bom grado do fato de que Lenin condenou, diversas vezes, o terrorismo individual. A perfídia consiste em enfiar no grande saco do terrorismo individual todo ato de violência minoritária.
Ora, o que é preciso entender por terrorismo individual? O terror exercido pelos indivíduos? Isso não teria nenhum sentido: a expropriação dos fundos, as represálias contra os torturadores célebres estavam ligadas, quer nós queiramos ou não, aos indivíduos, às vezes isolados. Se trata então de uma violência exercida pelos grupos minoritários? Isso seria igualmente desprovido de significado: esse tipo de ação supõe uma preparação secreta e uma execução disciplinada que exclui a participação direta das massas.
Quando Lenin condena o terrorismo individual, ele condena a iniciativa individual da violência minoritária. Uma violência que não se subordina aos objetivos estratégicos, que não se inscreve em um projeto global de tomada do poder; e que não se preocupa em ser compreendida pelas massas para reforçar sua confiança e sua mobilização. Entretanto, a execução pelos Tupamaros do agente da CIA Mitrione, ou aquela levada pelos nossos camaradas argentinos do ERP do general torturador Sanchez, são ações explicadas e compreensivas pelas massas; e neste sentido partes integrantes de uma orientação revolucionária.
E hoje? A burguesia se preocupa do terrorismo ao nível mundial. É que, de fato, há uma dimensão planetária: da Irlanda do Norte a América Latina, da Espanha ao Quebec, da Palestina ao Japão. Para nos orientar, os clássicos do marxismo nos serão úteis, com a condição de não se esquivar a especificidade do fenômeno.
A crise aguda do imperialismo favorece o nascimento e o desenvolvimento, a um escala de massa, de novas vanguardas revolucionárias. Essas vanguardas, enquanto elas procuram criar raízes no movimento trabalhador, que elas conhecem ou sentem como a única força capaz de desfazer a crise, se chocam com a carapaça burocrática das sociais-democracias e dos stalinistas. Assim, existem todas as razões para pensar que a estratégia do Ira seria outra se ela tivesse encontrado de imediato o apoio internacionalista de um movimento operário revolucionário qualitativamente mais poderoso na Grã-Bretanha. Uma situação análoga se produziu no plano internacional: em Ceylan, o JVP foi abatido por sua burguesia com a benção da URSS, da China e da Grã-Bretanha: quanto à resistência palestina, ela é apunhalada nas costas pela burguesia árabe, para o alívio das potências diplomáticas.
É nesta situação, na distância que existe entre a maturação das condições revolucionárias e a fraqueza da vanguarda organizada, que reside o cerne do problema. Essa distância permite às novas gerações de militantes revolucionários oscilar entre a exaltação revolucionária e a revolta desesperada. É um dado durável que não se resolverá a não ser através da afirmação e o fortalecimento das direções revolucionárias capazes de fazer suas provas.
Disso vem o terrorismo, mas não é o suficiente para explicar a repercussão que ele conhece, e que leva em parte a sua eficácia imediata. A burguesia aperfeiçoou seu arsenal de repressão: ele lhe consagrou capitais e pesquisas consideráveis. Assim sendo, ela orquestra a indignação taxando de covardia a utilização de cartas-bombas pelos comandos palestinos.
A mesma burguesia e a mesma imprensa taxam de covardia o Pentágono quando ele desenvolve bombas a laser ou teleguiadas que acertam na mosca, uma vez entre duas, alvos muitas vezes civis, enquanto são necessárias vinte bombas convencionais para atingir o mesmo alvo a 75 metros? Eles taxam de covardia o lançamento pelos helicópteros de milhares e milhares de gravel bombs, espécie de pequenos sacos de chá que explodem quando os combatentes ou os simples aldeões vietnamitas marcham por cima? Taxam eles de covardia a fabricação de fragmentos de bomba em material especial, não detectável a rádio, para evitar que as feridas pudessem ser tratadas?
Em face do desenvolvimento tecnológico do terror burguês, os militantes revolucionários encontram suas próprias respostas. Se eles conhecem o eco atual, é que o reforço dos aparelhos estatais e o fortalecimento da concentração capitalista multiplicam os alvos ao mesmo tempo que o desenvolvimento urbano oferece uma nova clandestinidade aos combatentes revolucionário. É que a mídia de massa leva imediatamente cada iniciativa ao conhecimento da opinião mundial, provocando mobilizações, tomada de posições, e propagando os exemplos. É enfim que os sistemas mecanizados que se multiplicam estão cada vez mais a mercê dos grãos de areia. E é também, de certa maneira, a imagem da sociedade capitalista em seu conjunto.
A burguesia brandiu o espectro do terrorismo para melhor recorrer aos amálgamas aos quais ela está habituada. Mas o fato é que existe uma nova geração revolucionária que procura sua via, que deve responder aos golpes que lhe são direcionados, e que pode se extraviar no terrorismo tomando-o por violência revolucionária. Os oportunistas delicados se viram e tampam o nariz.
Nós devemos ao contrário olhar as coisas de frente, e repetir aquilo que Trotsky dizia de Grynszpan, jovem terrorista judeu que havia abatido em 1936 um membro da embaixada nazista em Paris: “Nós podemos amassar com uma pá aqueles que são somente capazes de fulgurar contra a injustiça e a bestialidade. Mas aqueles que, como Grynszpan, são capazes de conceber e de agir com o preço da vida se preciso, são o fermento precioso da humanidade. Do ponto de vista moral, não pelo seu modo de ação, Grynszpan pode servir de exemplo a toda juventude revolucionária.” A dedicação e as energias dos militantes desse tipo poderiam ser utilizadas de modo mais eficaz. Nós podemos discutir, nós não vamos julgá-los. Pois sua capacidade de encontrar uma via revolucionária fechada e a se ligar com as massas de trabalhadores dependerá de uma parte de nossa capacidade, enquanto organização revolucionária, a resolver esses mesmos problemas.
Nesta condição, os atos de violência minoritária, hoje amalgamada na rubrica geral do do terrorismo, poderão encontrar seu lugar, como recurso tático entre outros, em uma estratégia de conquista do poder pelas massas. E, nesta condição, nós poderemos utilizar plenamente a experiência e as lições de grupos e militantes que se batem tateantes, mas sem poupar sua força. Ganhar esses militantes à revolução proletária é uma tarefa, pois as gerações não são pródigas em militantes desse calibre: mas para ganhá-los, será preciso compreender seu combate.
Os oportunistas delicados, mesmo na extrema esquerda, não deixam de destacar os perigos e armadilhas. Para eles Lenin já respondeu que os perigos estão por toda parte…. se o partido não está forte o suficiente! Existe o perigo de ver “todos os meios de luta deixados ao curso espontâneo das coisas se desgastarem, se desnaturarem, se prostituirem.” As greves abandonadas terminam em acordos de colaboração de classe; a luta eleitoral degenera em politicagem eleitoral. A imprensa revolucionária pode se transformar em cafetina que entorpece a consciência. Enfim, o crescimento mesmo do partido pode engendrar a burocracia e o conservadorismo que são a base do reformismo. A conclusão muito simples, é que nós não construímos um partido sem riscos, e que é preciso tomá-los.
Os burocratas endurecidos e os reformistas envergonhados fazem coro com a burguesia na denunciação do terrorismo. Os segundos creem que se fazendo de surdos e com bajulações poderiam furtar da burguesia uma revolução indolor. A denúncia indiferenciada do terrorismo lhes serve a todos de álibi para sua capitulações passadas, presentes, e futuras. Essas capitulações já custaram mais caro na Indonésia e na Grécia que as revoluções vitoriosas na Rússia ou em Cuba.
Elas estão longe da linguagem crua de Lenin: “O desprezo pela morte deve se espalhar entre as massas e garantir a vitória.” E contudo Lenin não era um terrorista desesperado, mas um revolucionário consciente e otimista.
Inclusão | 11/07/2019 |