História do Socialismo e das Lutas Sociais
Quarta Parte: As Lutas Sociais na Época Contemporânea

Max Beer


Capítulo V - Os socialistas-conservadores na Alemanha


1. Caráter romântico deste movimento

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Paralelamente ao socialismo democrático e ao comunismo marxista, verifica-se um movimento socialista-conservador que, indiscutivelmente, adota uma atitude crítica em face do liberalismo e das fórmulas de produção capitalistas baseadas unicamente em interesses individuais, mas que tem como ideal, não comunismo, e sim sociedade medieval modernizada ou uma monarquia social. Os teólogos, nobres, mestres das corporações, pensadores e escritores românticos, que defendiam as instituições baseadas na autoridade e na tradição, não podiam aceitar as ideias, as reivindicações, as formas de produção que, desprezando os interesses da Igreja, do Estado ou da coletividade, conferiam aos indivíduos a mais ampla liberdade de pensamento e de ação e substituíam os interesses da coletividade pelo interesse pessoal. A sociedade moderna parecia-lhes edificada sobre a areia, completamente anárquica, devorada intimamente pelo desencadeamento altamente imoral das forças econômicas e intelectuais e, por isso mesmo, fadada a engendrar violentos conflitos sociais, lutas entre a riqueza e a pobreza e, finalmente, a bancarrota geral.

Eis porque a Idade Media, com a sua sólida organização baseada na Igreja, com a sua vida econômica e social e suas guildas e corporações, lhe parecia um edifício admiravelmente bem construído, um organismo robusto, no qual cada cristão ocupava um lugar bem determinado e, como membro de uma corporação, re tirava do solo social sua própria subsistência. Para eles, o Estado, a monarquia, era um polo imutável, um eixo fixo em torno do qual giravam todas as coisas mutáveis. Eles ouviam com a maior atenção os protestos do proletariado, as violentas críticas socialistas e comunistas, o surdo ribombar do movimento revolucionário. Tudo isso, para eles, era o resultado da ação dissolvente do liberalismo, no domínio econômico e político. Por isso, julgavam que o dever de todo cristão, de todos os economistas éticos e escritores monarquistas era opor uma sólida resistência ao mundo liberal capitalista e indicar ao proletariado os meios através dos quais ele poderia sair de sua situação de miséria e transplantar a sociedade sobre uma base cristã, moral e autoritária.

Esta tendência social-conservadora grupava grande número de escritores e poetas de nomeada, mas bem poucos economistas influentes. Ela não conseguiu elaborar uma doutrina única. Alguns de seus partidários combatiam as ideias de liberdade econômica de Adam Smith. Outros insurgiam-se contra o Estado centralizador que impedia qualquer associação autônoma. Outros ainda, idealizavam a Idade Media, o direito germânico, a Igreja católica, e manifestavam invencível repugnância pelos liberais judeus.

Dois homens tentaram fundar uma doutrina econômico-social-conservadora: Carlos Winkelblech (Marlo) e Carlos Rodbertus.

2. Marlo - Winkelblech

Marx considera todas as fases do desenvolvimento histórico da Humanidade justificáveis pela sua época e vê no capitalismo e na livre-concorrencia, não o caos, a anarquia absoluta, mas um progresso real em relação ao passado, um poderoso fator de transformação e de desenvolvimento histórico. Marx olha para a frente, para a instauração da futura sociedade socialista. Marlo, pelo contrario, queria adaptar o direito germânico medieval, ou a sociedade baseada na organização profissional, às condições modernas, apenas suprimindo todos os males que nela se encontram. Desejava substituir a liberdade profissional por um regime profissional rigorosamente fixo; a livre concorrência pela guilda, a corporação; o individualismo econômico pelo grupamento dos ofícios e industrias em comunidades econômicas. — Nem liberalismo, nem comunismo, nem burguesia — que quer apoderar-se de toda a riqueza nacional — nem proletariado que, desejando a igualdade, conduzirá a sociedade para a ruína. Em vez do Estado, que tudo quer centralizar, e da burocracia, que tudo quer nivelar e asfixia qualquer iniciativa, deseja estabelecer comunidades econômicas que gozem de completa autonomia. O ideal de Marlo era uma Idade Media melhorada, a organização de toda a vida econômica em guildas e corporações que colocassem mestres e companheiros no mesmo pé de igualdade, fixassem os preços e salários por meio de comitês mistos de mestres e companheiros e regulassem a venda e a divisão das matérias primas, e as encomendas, por meio das câmaras profissionais. Nessa sociedade, um Parlamento profissional, formado pelos presidentes das guildas e corporações, elaboraria a legislação econômica que, em seguida, seria submetida à aprovação de um Parlamento político. Haveria ainda um ministério do Trabalho incumbido de dar ocupação aos desempregados, porque o direito ao trabalho deve ser garantido a todos os trabalhadores. A propriedade privada dos meios de produção seria conservada, mas não de maneira absoluta, como estatuem os Códigos inspirados no direito romano. Ela ficaria sujeita a determinadas obrigações sociais, como no direito germano-cristão. Seriam, além disso, abolidos todos os privilégios medievais e instaurada a liberdade democrática. A produção do país deveria ser adaptada às necessidades da população. Marlo denominava seu sistema; “socialismo federativo”. Os diferentes organismos deveriam administrar-se a si mesmos e manter relações federativas, sem serem dirigidos de cima pelo Estado.

Marlo (Carlos Winkelblech) nasceu em Ensheim, no ducado de Baden, em 1810. Estudou química em Marburgo e em Giessen, exerceu em 1839 as funções de professor de química em Marburgo e foi nomeado, em 1839, professor da escola técnica superior de Cassel. Em 1843, fez viagens de estudos ao norte da Europa. Visitou a célebre fábrica de matérias corantes de Modum, na Noruega, Quando observava a instalação da fábrica, um operário alemão chamou-lhe a atenção para a miséria dos operários que nela trabalhavam. “Eu, como a maioria dos sábios — diz Marlo — só me havia preocupado até então com as máquinas. Não olhava os homens. Só pensava nos produtos da atividade humana, sem pensar nos produtores. Por isso, eu ignorava completamente toda a miséria em que se baseia a nossa civilização atual. As palavras daquele operário fizeram-me compreender como eram inúteis todos os meus esforços científicos. Desde aquele momento, resolvi estudar as causas dos sofrimentos humanos e combatê-las.” Marlo foi sempre fiel a essa resolução. Consagrou desde então toda a sua atividade à defesa dos interesses dos artesãos da Alemanha.

O valor de Marlo como economista está no fato de haver analisado os diferentes sistemas econômicos, desde a Antiguidade até 1850. Ele não conhecia o comunismo de Marx. Mas, mesmo se o tivesse conhecido, tê-lo-ia certamente rejeitado, porque o princípio básico de sua doutrina era a colaboração econômica, e não a luta de classes. Segundo ele, todos os operários deveriam dedicar-se unicamente ao estudo dos problemas sociais. A organização social que Marlo preconiza “rejeita todos os princípios pagãos e só se baseia em princípios cristãos. Nela estão contidos todos os princípios morais da Idade Media, porém elevados a nível mais alto. Ela encerra todas as suas qualidades, sem possuir nenhum dos seus defeitos. Conserva seu romantismo, mas suprime sua barbaria. Constitui, com suas corporações, suas famílias, uma grande cooperativa ramificada numa série de outras cooperativas menores. Nela, os interesses de cada um estão em harmonia com os interesses da comunidade”.

Teremos ocasião de falar novamente em Marlo, a propósito do papel por ele desempenhado como guia intelectual dos artesãos alemães, na Revolução de 1848-49.

3. Carlos João Rodbertus

Embora esteja separado de ambos por profundas divergências, Rodbertus aproxima-se ao mesmo tempo, de Marlo e de Marx.

Como Marlo, opõe-se ao direito romano, ao capitalismo e ao individualismo econômico. Rodbertus também considera a comunidade uma força viva da sociedade humana. Rodbertus separa nitidamente a questão social da questão política. Por outro lado, como Marx, é partidário da teoria do valor baseado no trabalho e na concentração do capital. Distingue-se de Marlo por se opor de maneira absoluta a qualquer “ressurreição artificial” das corporações, e pelo fato de respeitar o Estado e o centralismo e por considerar que o Estado podia já regulamentar a divisão dos produtos de acordo com os interesses dos operários.

Rodbertus nasceu em 1805 em Greifswald, onde seu pai era professor de direito romano. Ao sair do colégio de sua cidade natal, foi estudar direito em Goettingen e em Berlim. Entrou, depois, para a administração, fez várias viagens ao estrangeiro e, na sua propriedade de Fagetzov, na Pomerânia, consagrou-se ao estudo da economia política e da História. Em 1842, publicou o primeiro volume de uma vasta obra intitulada: Para a compreensão de nossas condições econômicas que não despertou interesse. Em 1843, foi nomeado ministro dos Cultos e da Instrução Pública, mas depois de algumas semanas se demitiu. Aliou-se, em seguida, a Bismarck, e publicou grande número de estudos econômicos e sociais, como, por exemplo, as suas Quatro cartas sociais Kirschmann. De 1862 a 1864, correspondeu-se com Fernando Lassalle e, dez anos mais tarde, com Hasenclever, o chefe dos lassalianos. A partir de 1872, começou a afastar-se de Bismarck, cuja política interna condenava, e predisse o fracasso completo de sua política social. Já no fim de sua vida, chegou a pensar em comparecer às eleições como candidato dos socialistas, mas morreu em Dezembro de 1875, antes de ter podido realizar este seu propósito.

Na opinião de Rodbertus, a principal força motriz da sociedade não está no espírito, nem na vontade dos indivíduos, mas na própria vida. Eis o que ele quer dizer com isso: a sociedade humana não é movida por forças conscientes, mas por forças materiais irracionais. A comunidade é a alma desta vida social. A língua e a ciência baseiam-se na comunidade do espírito; a moral e o direito na comunidade da vontade; o trabalho e a atividade econômica na comunidade das forças materiais.

A alma da sociedade não é constituída nem pelo indivíduo, nem pela propriedade privada, nem pela liberdade individual. Ela reside na propriedade coletiva dos bens materiais e intelectuais. A liberdade individual ou liberalismo só tem uma significação negativa. A liberdade destrói as primitivas formas comunistas e as substitui por novas formas comunistas mais completas. A sociedade humana marcha para a economia coletiva, do regime dos clãs para o regime do Estado, para chegar, afinal, a organização perfeita da sociedade humana: a sociedade do futuro. Em nossa época, a livre atividade dos indivíduos engendra contradições de todas as índoles, que se manifestam, de um lado, pelo enriquecimento crescente de uma minoria de ociosos e, de outro, pela crescente pauperização das classes laboriosas. Porque não é o trabalho que domina a vida econômica, mas a propriedade. O egoismo tornou-se uma virtude. A concorrência não leva os que mais merecem à felicidade. Ela dá a felicidade aos especuladores. O capital faz surgir um certo número de grandes sociedades, que acabam tornando-se verdadeiros Estados dentro do Estado, que se apoderam do poder público e atiram os artesãos e os operários na miséria. Ao pauperismo vêm ajuntar-se os males das crises econômicas periódicas, que são verdeiras catástrofes para os pobres, tanto mais quando, em virtude da impiedosa lei dos salários, a classe operária só recebe como salário o minimum necessário ao seu sustento, enquanto o capital se apodera de todo o lucro da crescente produtividade. Eis aí o vício fundamental da atual sociedade, vício este que constitui a verdadeira questão social de nossos dias: produção de quantidades crescentes de mercadorias ao lado da capacidade de consumo das massas sempre menor. Surge disto a necessidade de exportar para o estrangeiro o excedente das mercadorias e de criar no exterior novos mercados. A criação desses novos mercados permite adiar, por algum tempo, a solução da questão social, porque assim se transfere para algum tempo depois a paralisação da produção. É esse, aliás, o fim visado pela política colonial. Ela permite que a Europa por algum tempo respire. Mas essas transferências, esses adiamentos, têm um limite. Eis porque nos vemos em face de um dilema: ou solução da questão social, ou dissolução da sociedade.

E esta solução, em que consiste?

Pelo que vimos acima, tudo parece indicar que Rodbertus deveria concluir admitindo a necessidade do comunismo. Ele, entretanto, acha que somente será possível isso num futuro muito remoto.

Se — segundo ele — a questão social reside na desarmonia provocada pela produtividade crescente da economia, por um lado, e, por outro, pela paralisação ou redução relativa da capacidade de produção das classes laboriosas, a solução deveria consistir em participarem os operários dos lucros dessa crescente produtividade. Tal seria a finalidade do Estado, que deveria agir baseado num plano que, em suas linhas gerais, pode ser assim resumido:

As diferentes mercadorias deveriam ser medidas, levando-se em conta as horas de trabalho normal que representam. Essas horas de trabalho normal determinariam o valor dos produtos fabricados, porque o trabalho é a origem e a medida do valor. A distribuição dos produtos seria feita do seguinte modo: 30 % dos valores caberiam aos operários (salários), 30% aos capitalistas (lucro), 30% aos grandes proprietários de terras (renda) e 10% ao Estado (impostos). Assim o trabalho poderia compartilhar dos lucros da produtividade crescente, e toda a sociedade marcharia para a frente. Evitar-se-iam os antagonismos e os conflitos sociais seriam completamente abolidos. Suponhamos, por exemplo, que em 1870 o valor total dos produtos fabricados em certa região seja de 1000 milhões. A parte dos operários será de 300 milhões. Se, depois de 30 anos, a produtividade do trabalho aumentar de 100%, os mesmos operários receberão duas vezes mais, ou seja, 600 milhões. A moeda metálica será substituída por bônus de trabalho, que entre si poderão ser permutados em relação ao tempo de trabalho que representarem. E o Estado deve agir rigorosamente para que essas percentagens na divisão dos produtos entre o trabalho, o capital e os grandes proprietários rurais seja mantida.

Rodbertus, infelizmente, não compreendia que, enquanto os meios de produção forem propriedade privada, a apropriação terá também de ser privada. Ele também não compreendia que não é o Estado que governa a sociedade, mas a classe dos que possuem o poder econômico, isto é, a classe capitalista. Não é pois, de surpreender que Rodbertus não conseguisse ser ouvido pelo Estado, nem tão pouco pelos operários, pois ele aconselhava que os operários conservassem o capital e a grande propriedade agrária; que se mantivessem à margem dos sindicatos e das cooperativas e, em geral, evitassem qualquer atividade política. Em suma, Rodbertus opunha-se a toda política independente do proletariado. Só no fim de sua vida é que ele parece ter mudado de opinião e aprovado a política socialista.

Pode-se dizer que em Marx, Marlo e Rodbertus se inspiraram todos os escritores políticos e todas as doutrinas sociais que surgiram na Alemanha e na Áustria de 1860 a 1920: Lassalle, Kautski, Bebel (social-democratas), o bispo Ketteler, Monfang, Vogelsang, Schings, Hitze (católicos-sociais), Hermann Wagnener, Rodolfo Meyer (conservadores-sociais), os professores Wagner, Schoenberg, Schmoller (socialistas), o pastor Todt, Hofprediger. Stoecker (protestantes sociais). Excetuando os social-democratas, todos esses movimentos eram mais ou menos antissemitas. O nacionalismo atual não é senão um detrito desses movimentos.

É preciso, entretanto, dizer a bem da verdade que nem Marlo nem Rodbertus foram antissemitas.


Inclusão: 18/10/2021