MIA > Biblioteca > Max Beer > Novidades
Geograficamente, a Boêmia pode ser comparada a um punho eslavo e ameaçar as costas do colosso germânico. Era natural que, em virtude dessa posição, ela chamasse desde logo a atenção dos príncipes alemães. Reciprocamente, quando o seu país entrou numa nova fase de atividade econômica, os príncipes tchecos procuraram aproximar-se dos alemães, que se encontravam em etapa cultural mais adiantada.
A instabilidade reinante em toda a Europa central e oriental durante os séculos que imediatamente sei seguem à época das migrações, e as tentativas dos francos carlovíngios e saxões no sentido de fortificarem suas ; fronteiras orientais, tinham de fazer surgir, necessariamente, conflitos sangrentos entre os príncipes tchecos e os imperadores alemães. Essas circunstâncias criaram, na Boêmia, um estado de desconfiança e hostilidade em relação aos alemães. Mas as condições econômicas e geográficas, afinal, foram mais fortes que a desconfiança e a hostilidade. Em 895; os príncipes tchecos aderiram ao Império alemão e trouxeram para o seu país artesãos e mercadores alemães, afim de elevar o nível cultural das cidades. Depois da descoberta das minas de prata de Kuttenberg, em meados do século XIII, a Boêmia entrou numa fase de franco desenvolvimento econômico. Estas minas forneceram ao rei Ottocar II (1237-1278) os recursos para fundar um grande reino, que compreendia, além da Boêmia e da Morávia, a Áustria, a Stiria, a Caríntia e a Carníola. Ottocar II declarou guerra ao imperador Rodolfo de Habsburgo, guerra esta que só terminou em 1276, pela derrota da Boêmia, na batalha de Marchfeld, próximo a Viena. Ottocar II morreu durante o combate. O tratado de paz, então firmado, entregou a Wenzel, filho e sucessor de Ottocar, a Boêmia e a Morávia. Os filhos de Rodolfo receberam a Áustria, a Stiria e a Carníola e fundaram a dinastia dos Habsburgos. Quando a dinastia dos Przemislides se extinguiu, a Boêmia passou ao domínio dos condes de Luxemburgo, aos quais ficou submetida de 1310 a 1437. O mais notável conde de Luxemburgo foi o rei Carlos 1.° (1348-1378), que, mais tarde, apesar de Luís da Baviera lhe disputar o trono da Alemanha, se tornou imperador alemão com o nome de Carlos IV. Carlos 1.° era um príncipe culto. Havia cursado as Universidades de Paris e da Boêmia. Falava e escrevia correntemente o tcheco, o alemão, o latim, o francês e o italiano. Foi ele quem fundou, em 1348, a primeira Universidade alemã, a Universidade de Praga, que logo se tornou tão célebre quanto as de Oxford, Paris e Bolonha. A boa administração, a prosperidade e o elevado nível cultural do país, a par do incessante desenvolvimento do comércio e da indústria, tornaram a Boêmia, na segunda metade do século XIV, durante o reinado de Carlos IV, uma das mais prósperas nações da Europa. Essa transformação repercutiu imediatamente na estrutura social, na situação e na ideologia das diferentes classes. O desenvolvimento das cidades e o afluxo e negociantes, artesãos, funcionários, pedreiros, tecelões, etc., provocaram uma alta dos produtos agrícolas. Os camponeses proprietários de grandes extensões de terra enriqueceram e compraram a própria liberdade; muitos operários agrícolas afluíram para as cidades. A servidão entrou, assim, em decadência. A pequena nobreza foi o setor social mais prejudicado com o advento desse novo estado de coisas. Viu-se na contingência de, ou redobrar a exploração dos camponeses, ou pagar-lhes salários mais elevados. Ora, a pequena nobreza não podia fazer nem uma coisa nem outra, suas despesas aumentavam incessantemente. Só poderia resolver sua situação pela conquista ou a aquisição de terras. Foi justamente por isso que ela se manifestou, claramente, em favor da secularização dos bens do clero. Sempre que os nobres tentavam aumentar os tributos que lhes eram pagos pelos camponeses, o mal estar no campo aumentava, manifestando-se por desordens e revoltas. Semelhante situação da pequena nobreza, acrescida das condições cada vez piores dos elementos mais nobres da população rural, fomentaram a heresia. A partir do século XIII, a heresia, sobretudo valdense, invadiu a Boêmia e a Silésia. A ação dos hereges era dirigida principalmente contra os abusos do clero. Baseando-se no princípio de que os sucessores de Cristo deviam viver na pobreza evangélica, até certo ponto os hereges eram partidários da confiscação dos bens dos mosteiros e das igrejas, em proveito da nobreza. Pouco a pouco, esta tese foi sendo formulada mais abertamente.
Assim como em todos os outros países, na Boêmia, no começo dos Tempos Modernos, o sentimento nacional se constituiu e se desenvolveu no mesmo ritmo que a economia burguesa. E o sentimento nacional tornou-se cada vez mais forte porque, além do antagonismo nacional existente entre tchecos e alemães, surgiram antagonismos econômicos. O elemento alemão, de fato predominava, não só nas minas de prata de Kuttenberger, como também nas cidades. E o seu prestígio crescia incessantemente. Os estudantes e professores alemães eram senhores da Universidade de Praga, cidade em que vivia um rico patriciado alemão. E era principalmente nesses elementos que a Igreja romana se apoiava para melhor lutar contra a heresia. Foi por tudo isto que o sentimento nacional se tornou o fator fundamental da História tcheca.
A Boêmia, pois, no século XIV, encontrava-se em verdadeira fermentação, simultaneamente nacional, social e religiosa, que, se não fosse atenuada por concessões e acordos, determinaria fatalmente, cedo ou tarde, uma formidável explosão. Ora, nem os alemães, nem a nobreza e o papa estavam dispostos a fazer a menor concessão. A explosão era, portanto, inevitável.
Os sintomas do movimento que se preparava já eram sensíveis no reinado de Carlos IV. Os padres ortodoxos, como Conrado von Waldhausen, Militch von Kremsier e Matias von Janov, atacavam o clero e as ordens mendicantes. A partir de 1830, os teólogos tchecos começaram a ocupar-se de questões referentes ao culto dos santos, ao valor das relíquias e das imagens de Cristo. O mais notável desses teólogos foi Militch von Kremsier, secretário particular de Carlos IV, arquidiácono e titular de várias instituições beneficentes importantes. Em 1362, Militch renunciou voluntariamente a todas as suas funções a fim de poder consagrar-se mais livremente à agitação. Nos seus discursos, condenava o comércio e a propriedade eclesiástica, afirmando que os padres deviam viver na pobreza evangélica. Não deviam possuir senão uma propriedade coletiva, para nela viverem em comum. É provável que von Kremsier conhecesse os escritos de Joaquim de Flora e fosse por eles influenciado. Não menos audaz, embora menos clara a sua crítica social, era o confessor de Carlos IV, Matias von Janov, que acusou o Papado de trair a própria missão, posto que não atendia aos que reclamavam uma reforma da Igreja. Todos esses homens foram porta-vozes do estado de espírito da sua época e prepararam o terreno para João Huss, que unificou as tendências nacionais e reformadoras dos tchecos, começando a defendê-las apoiado nos ensinamentos de Wiclef.
No fim do século XIV, eram bem íntimas as relações entre a Boêmia e a Inglaterra. O rei Ricardo II, neto de Eduardo III, casara-se com uma filha de Carlos IV. O filho mais velho de Carlos IV, Wenzel, (1378-1419), substituiu-o no trono, depois da sua morte. (Wenzel foi também imperador da Alemanha, mas acabou deposto, no ano de 1400). Ricardo II, em cujo reinado Wiclef difundiu os seus ensinamentos, e estalou a primeira insurreição camponesa, era, portanto, cunhado de Wenzel. Jerônimo de Praga, que viajou por muitos países e estudou em vários lugares, também visitou Oxford, de onde trouxe os escritos de Wiclef para a sua pátria, os quais se tornaram, depois, a base teórica do movimento reformista e foram lidos e discutidos na Universidade de Praga.
Ao tempo em que os ensinamentos de Wiclef eram difundidos em Praga. Huss principiava a sua carreira. Huss nascera em Husinetz, em 1339, de uma família muito pobre, e, apesar da sua origem humilde, conseguiu estudar. Mais tarde, frequentou a Universidade de Praga, e ali obteve, de 1390 a 1396, todos os títulos, inclusive o de magister. Passados dois anos, ocupava a cadeira de teologia da Universidade. Em 1400, foi ordenado padre, em 1401 nomeado deão da Faculdade de Filosofia. Reitor em 1402 e no mesmo ano nomeado pregador da capela de Betlem, Huss logo se notabilizou pelos raros dotes oratórios. Era de uma eloquência extraordinária. Decorrido um ano, iniciava sua carreira de agitador, pregando a reforma da Igreja. Numa assembleia eclesiástica, Huss atacou energicamente a adaptação do clero ao espírito do século e a sua escandalosa maneira de viver. Influenciado pelas ideias de Wiclef, manifestou-se favorável à pobreza evangélica e à igualdade de todos os crentes em face de todas as coisas da religião. Huss afirmava que era necessário abolir as diferenças entre leigos e eclesiásticos e somente julgar os cristãos pelas qualidades morais. Era, também, contra as indulgências e ó culto dos santos. Seu zelo evangélico acabou provocando o descontentamento de grande número de eclesiásticos que, em 1407, o acusaram perante o bispo, por fazer propaganda herética. Daí por diante, Huss teve contra si todos os teólogos e filósofos da Universidade de Praga. Esta inimizade pode ser explicada por motivos de ordem escolástica, religiosa e patriótica. Huss, que adotava as ideias de Wiclef, era “realista”, ao passo que os alemães eram “nominalistas”. Em 1408, estes últimos condenaram as ideias fundamentais de Wiclef. Huss conseguiu que o rei Wenzel reduzisse bastante o número de professores alemães da Universidade. Os professores e estudantes alemães responderam ao decreto real abandonando a Universidade de Praga e fundando, em Leipzig, uma outra Universidade concorrente. Estes acontecimentos fizeram Huss admirado, amado e respeitado pelos tchecos, que nele viam o guia intelectual da nação. Não julgamos útil descrever pormenorizadamente todos os conflitos religiosos em que Huss esteve envolvido.
Aqui, o que mais nos interessa é a sua atitude em relação ao comunismo. Embora nunca se tivesse pronunciado abertamente ser partidário, é provável que Huss não ignorasse os ensinamentos do mestre Wiclef a esse respeito. Huss consagrou todos os seus esforços à reforma da Igreja e à defesa dos interesses nacionais dos tchecos. Todos lhe conhecem o fim: em 1413 foi excomungado pelo papa João XXII. Ao termo do mesmo ano, Huss foi a Constância, afim de defender as suas ideias perante o concílio que ali se realizava. Condenado como herege, morreu na fogueira, no dia 6 de Julho de 1415. No ano seguinte, Jerônimo de Praga teve o mesmo destino. Depois desses acontecimentos, toda a Boêmia, com exceção de alguns alemães e de alguns magnatas tchecos, considerou Huss e Jerônimo como dois mártires nacionais. Aderiu às suas ideias e tornou-se abertamente antipapista, desprezando todas as ordens e bulas papais.
As centelhas que se ergueram, em 1415 e em 1416, das fogueiras de Constância, acenderam as guerras dos hussitas, que duraram de 1419 a 1438, alimentadas por paixões ao mesmo tempo patrióticas, religiosas e sociais.
A nação tcheca, unida para fazer frente a Roma ou a qualquer outra intervenção estrangeira, estava, no entanto, dividida em classes. Não havia, pois, um ponto de vista unânime quanto às reformas a realizar. Pouco a pouco, percebeu-se que grande parte da população não se satisfaria com uma simples reforma da Igreja, pois exigia uma transformação social profunda. A nobreza
e o patriciado limitavam-se a reclamar a confiscação dos bens do clero e as duas espécies de comunhão: o vinho e o pão, representação simbólica da igualdade, cristã; entre o clero e os leigos. A reivindicação do cálice era, de certo modo, a palavra de ordem da igualdade democrática, um apelo incitando os fiéis à simplicidade das primitivas comunidades cristãs. Os partidários desta corrente chamavam-se “utraquistas” ou “calixtinos” e reclamavam unicamente a confiscação dos bens do clero. Formavam a ala moderada, não desejando modificar a ordem social existente. As camadas mais pobres da população — os pequenos camponeses e operários agrícolas, os artesãos e operários tchecos, os nobres arruinados, etc... — adotavam outro ponto de vista. Reclamavam a aplicação integral dos princípios de Wiclef. Desejavam, portanto, uma transformação social completa. Esta tendência era mais radical. Seus partidários denominavam-se “taboritas”, porque tinham instalado o seu quartel-general numa pequena cidade da colina a sudeste de Praga, por eles batizada com o nome bíblico de Tabor. Havia coesão entre os elementos moderados. A facção radical, pelo contrário, cindia-se em vários grupos. Embora estivessem todos de acordo quanto à reforma da Igreja, fazendo-a voltar à simplicidade primitiva, divergiam em seus modos de ver quando se tratava de saber quais as reformas a realizar. As opiniões dividiam-se porque uns eram reformadores moderados, outros comunistas integrais. Estas duas correntes defendiam energicamente as suas convicções e lutavam violentamente entre si. Mas uniam-se, quando chegava o momento de lutar contra o inimigo comum.
Os taboritas, que davam a comunhão sob as duas formas, conseguiram rapidamente maior número de adeptos. Tabor era o centro para onde convergiam em massa, nos dias de festas, os peregrinos. Além disso, os beguardos, valdenses e os membros de outras seitas hereges, perseguidos em outros países, refugiavam-se em Tabor, onde podiam livremente difundir as suas doutrinas. Tabor tornou-se, assim, o centro de todo o movimento herético e social da Europa. A combatividade e a audácia dos taboritas aumentava à medida que o movimento hussita se desenvolvia. Em dado momento, pensaram até em depor o rei Wenzel. Mas o padre Koranda, que gozava de grande prestígio entre eles, fê-los renunciar a esse projeto, mostrando-lhes que a substituição de um rei por outro em nada modificaria a situação. Além disso, acrescentava Koranda, como o rei Wenzel frequentemente se embriaga, poderemos fazer dele o que quisermos.
Infelizmente, como acontece na maioria dos casos, o rei sofria também a influência da alta nobreza e do clero, que haviam resolvido, afinal, lutar energicamente contra o movimento da reforma e proibir as procissões públicas que levavam a comunhão. Foi esta interdição que desencadeou o movimento subversivo. Em Neustadt — Praga, a 30 de Julho de 1419, as massas populares opuseram violenta resistência a todas as tentativas das autoridades que procuravam impedir as procissões. O taborita moderado João Ziska revelou-se, nesse momento, um chefe à altura do movimento. Sob a sua direção, o povo tomou de assalto a Câmara Municipal e atirou pelas janelas os conselheiros que se achavam reunidos. A multidão chacinou-os. Quando Wenzel teve notícia desses acontecimentos, ficou tão furioso que sofreu um ataque de apoplexia; foi-lhe isso a causa da morte, duas semanas depois.
Substituiu-o no trono seu irmão Segismundo, que desde 1410 já era imperador da Alemanha e que, no concílio de Constância, desempenhara bem triste papel no processo instaurado contra João Huss. É evidente, pois que não podia ser recebido com alegria pelos hussitas. Demais, sua qualidade de imperador alemão tornava-o ainda mais suspeito aos olhos dos tchecos. Quando o novo rei chegou para tomar posse da herança, reinava no país, apesar de tudo, a maior tranquilidade. Os magnatas e os patrícios receberam-no com festas e homenagens. As massas, porém, conservaram-se em atitude de espectativa. Limitaram-se a fortificar a cidade de Tabor, transformando-a num reduto inexpugnável. Mas, quando o partido católico iniciou a repressão ao movimento hussita e o representante do papa, em Março de 1420, principiou as prédicas, aconselhando a organização de uma cruzada contra os hereges da Boêmia, desencadeou-se a tormenta. No dia três de Abril de 1420 os calixtinos uniram-se aos taboritas a fim de lutar em comum, união mais do que necessária, porque, atendendo ao apelo papal, os cruzados afluíam de todos os pontos da Europa. Cerca de 150.000 cavaleiros, mercenários, aventureiros e católicos, atraídos pela perspectiva das indulgências, convergiam para a Boêmia, interessados em afogar em sangue a heresia hussita. Mas, em cinco diferentes ataques, o exército dos cruzados foi repelido com numerosas perdas. A luta foi cruel, de parte a parte. Ziska morreu em 1424. Substituíram-no, na direção do movimento dois taboristas radicais; Procópio-o-Grande e Procópio-o-Pequeno, que em 1427 passaram da defensiva à ofensiva, devastando, em incursões, os países alemães limítrofes: Baviera, Francônia, Áustria, Saxônia, Silésia, Lusácia, e o margraviado de Bragdemburgo, destroçando os exércitos imperiais enviados para os combates. Nessa época, os hussitas eram o terror dos países alemães. Desempenharam o papel que dois séculos depois caberia aos suecos.
Quando a cruzada inglória terminou na batalha de Taus, em 1431, o imperador e o papa tentaram a reconciliação por meio de um tratado. Após longas negociações, a paz foi assinada no concílio de Basileia. O papa concedeu aos hussitas as duas formas de comunhão, o direito de pregar na língua nacional e procedeu à confiscação dos bens da Igreja, entregando-os à nobreza. Tais concessões podiam satisfazer os calixtinos e os taboristas moderados. Mas os taboristas radicais, que estavam na vanguarda do exército hussita e haviam feito sacrifícios imensos pela causa, não se podiam contentar com tão pouco. A paz de 1433 teve como consequência a cisão do movimento hussita. Enfraqueceu a sua ala esquerda, isolando-a do resto do movimento. A sorte da facção radical decidir-se-ia pouco depois.
De 1418 a 1431, e mesmo um pouco além Tabor tornou-se um verdadeiro centro do movimento herético e social de toda a Europa. No entusiasmo dos primeiros instantes, os crentes iam para Tabor como para a comunidade cristã de Jerusalém. Os taboristas estavam fortemente unidos pelo sentimento de fraternidade. Haviam abolido todas as diferenças de classe e todas as formas de desigualdade social. Os bens particulares foram postos à disposição da comunidade. A piedade, a alegria e o trabalho para todas as assembleias e as festas populares ao ar livre, caracterizavam a vida dos taboritas. Quando chegou o momento lutar, os taboritas dividiram-se em dois grupos, comunidades domésticas e comunidades militares. Enquanto estas combatiam, aquelas obtinham os meios de subsistência. A divisão do trabalho era, pois, semelhante à que César observara entre os suecos e os germanos.
No seu poema intitulado Ziska, o poeta austríaco Alfredo Meissner (1822-1885) cantou as lutas c as esperanças dos taboritas:
Moram em casas bem iguais,
prontos sempre a se ajudarem.
Unidos em tudo, suas roupas são as mesmas.
Juntos se assentam ao redor de uma só mesa.
Não há entre eles o meu e nem o teu, são comuns todos os bens...
Fraternidade! Enquanto estes lavram a terra,
Vão aqueles contentes para a guerra a sonhar a conquista do mundo!...
Nesta atmosfera, impregnada de ideias redentoras e de visões apocalíticas, irrompeu, em fins de 1419, um movimento quiliástico, que conquistou as massas, fanatizando-as completamente e tornando-as accessíveis a ideias comunistas extremadas, idênticas àquelas surgidas na Idade Média, sob a influência de Joaquim Flora e Amalrico de Rene. Os beguardos que, nesta época, já haviam aderido ao movimento herético, anunciaram em Tabor a próxima ressurreição de Jesus, que viria instaurar o Reinado milenar, a sociedade comunista do futuro. Todos os mártires, tombados na luta pelo comunismo e pela heresia, inclusive João Huss e Jerônimo, iriam ressuscitar. Os habitantes do Estado do futuro viveriam na mais completa beatitude, sempre alegres. Voltariam à pureza de Adão e Eva, antes do pecado original. Seria, assim, instaurada uma nova ordem de coisas, baseada na mais absoluta igualdade e na mais completa liberdade; os reis e todos os elementos de opressão social, o Estado, a Igreja, a teologia e toda a ciência escolástica desapareceriam definitivamente.
O principal ideólogo desta doutrina entre os extremistas tchecos foi o padre Martinek Huska, cognominado o Eloquente.
Os elementos mais radicais formaram um grupo que praticava a poligamia. Eram chamados os “adamitas”, porque, desdenhosamente, aboliam todos os costumes da civilização e viviam completamente nus.
Os taboritas moderados, sob a direção de Ziska iniciaram, contra eles, no ano de 1421, uma campanha de extermínio, conseguindo, afinal, aniquilá-los, trucidando-os a ferro e a fogo.
O tratado de paz de 1433, que satisfez os calixtinos e os taboritas moderados, criou uma situação extremamente delicada para os taboritas radicais. Não queriam submeter-se. Para eles, o reconhecimento do tratado importava em renegar as próprias convicções. Por outro lado, manter-se em oposição seria romper com os antigos aliados, econômica e numericamente mais fortes, mormente agora que a seu lado se postavam a Igreja Católica e o Império. De fato, o tratado de paz de 1433 criou uma coalisão da nobreza e da burguesia contra os elementos comunistas do movimento taborita. Estes, no entanto, continuaram na oposição A guerra era, portanto, inevitável, e o seu fim bem fácil de prever. Apenas seis meses após a conclusão do tratado de paz, ela irrompeu. Os taboritas, em número de 18.000, tinham contra si um exército de 25.000 homens. No dia 30 de Maio de 1431, Domingo, travou-se o combate decisivo, em Lipar, nos arredores de Brod. A luta durou o dia inteiro e parte da noite, terminando às três horas da manhã de Segunda-feira. Os taboritas radicais foram vencidos. O chefe Procópio tombou no campo de batalha, ao lado de 13.000 correligionários. Apesar desta esmagadora derrota, os sobreviventes, no mês de Dezembro seguinte, iniciaram a luta, mas já não era uma força perigosa.
Os resultados desta traição dos taboritas moderados à causa do movimento hussita foi o seguinte: a Igreja anulou, uma por uma, todas as concessões que fizera. A paz de 1433 não conduziu a nenhuma reforma. Em 1483 os camponeses tchecos foram novamente submetidos à escravidão. Os taboritas sobreviventes fundaram, em 1457, as seitas dos Irmãos boêmios e dos Irmãos morávios, muito semelhantes à dos quakers, que haveria de surgir, muitos anos mais tarde. Eram, como estes, pacifistas, partidários de reformas sociais, trabalhadores e caridosos.
O único resultado das guerras hussitas foi difundir na Alemanha as doutrinas de Wiclef e de Huss, que exerceram notável influência na insurreição camponesa de 1525, e fizeram surgir, mais tarde, o movimento da Reforma.