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Eu sou o poeta da mulher tanto quanto o do homem e digo que tanta grandeza existe no ser mulher quanto no ser homem, e digo que não há nada maior de que ser uma mãe de homens.
Walt Whitman (poeta norte-americano)
August Bebel (1840-1930), foi um destacado dirigente comunista alemão. Em 1867 elegeu-se representante do Partido no Parlamento da Alemanha do Norte. Durante toda a sua vida de revolucionário. Bebel sofreu inomináveis perseguições por parte dos governos reacionários. A par da atividade revolucionária prática e de agitador comunista. Bebel distinguiu-se como teórico, tendo escrito as seguintes obras: A Nossos Propósitos. A guerra dos camponeses na Alemanha. A ação parlamentar do fíeischtag alemão e das Câmaras dos Estados. Cristianismo e Socialismo. A Mulher e o Socialismo. A civilização muçulmano-árabe no Oriente e na Espanha. Dos autores marxistas tornou-se um clássico no que tange à problemática da mulher e da luta por sua emancipação. A esse respeito Lênin afirmou: "sobre a condição da mulher tudo já foi dito por Bebel".
No momento em que está em discussão a inclusão dos direitos da mulher na Constituição, é oportuno publicar este texto de Bebel sobre a luta da mulher pela igualdade de direitos civis e políticos. Embora tenham-se registrado muitas conquistas nesse campo, o texto continua válido por reforçar á convicção de que os avanços alcançados pelas massas femininas são fruto de anos e anos de batalha renhida. Por outro lado o texto deixa claro que as mulheres sozinhas jamais alcançarão a total emancipação, pois esta vincula-se estreitamente às transformações sociais a serem empreendidas tendo à frente a classe operária.
Quando uma categoria, uma classe de indivíduos, vive submetida a dependência sempre encontra sua fórmula nas leis do país. As leis constituem o estado social de um povo, reduzido por certas fórmulas e expresso através destas. As leis são, por assim dizer, a própria imagem do povo. A mulher como sexo dependente e oprimido, não foge à regra geral. As leis são de ordem negativa ou positiva: negativa, quando na atribuição dos direitos não levam em conta os seres oprimidos, como se estes não existissem, e positiva, quando estatuem sua situação de inferioridade e indicam, se for o caso, algumas exceções.
Nosso direito comum se baseia no direito romano, que não reconhecia personalidade ao homem, a não ser o título de possuidor de alguma coisa. Entretanto, manteve sua influência, o antigo direito germânico que considerava o homem mais livre e tinha uma ideias mais digna da mulher, pois no tempo de Tácito existiam tribos que acatavam mulheres como chefes, o que era uma monstruosidade aos olhos dos romanos. As ideias do direito romano estão presentes ainda hoje nas nações latinas, particularmente no que se refere ao sexo feminino. Não é, pois, efeito da castidade ou do capricho filológico o fato de que os idiomas neolatinos, ao falar do ser humano em geral ou do ser humano masculino, os designem com uma mesma palavra: '‘homem’'. O direito francês não conhece outro ser humano senão o varão, o que ocorria também em Roma, onde havia cidadãos romanos e somente mulheres de cidadãos romanos, não existindo a cidadã.
E supérfluo mencionar a variada lista dos muitos direitos comuns, particularmente da Alemanha. Bastam alguns exemplos.
Segundo o direito comum alemão, a mulher é em todas as partes menor em relação ao homem, e este, o senhor a quem deve obediência no matrimônio. Se a mulher falta a esta obediência, o Código prussiano autoriza o homem de "baixa condição" a infligir-lhe uma correção moral moderada. Como não há estatutos que limitem a violência, o homem goza nesse particular faculdades ilimitadas.
Segundo o Código prussiano, o homem pode limitar a sua mulher o período de lactância do filho e resolver todas as questões referentes aos filhos por si e diante de si. Se morre o pai, a viúva é obrigada a aceitar um tutor, pois a mulher é considerada como menor e incapaz de criar sozinha, ainda quando só dispunha de sua fortuna ou do fruto de seu trabalho pessoal. Sua fortuna é administrada pelo esposo, e se este vai à falência, na maior parte dos Estados os bens da mulher são considerados propriedade do marido, dos quais este dispõe sem um contrato anterior ao matrimônio. Onde existe o direito de primogenitura para a propriedade territorial, ainda quando a mulher seja maior, não pode desfrutar de seus bens caso tenha irmãos ou outros parentes por linha varonil e não recebe a herança até a morte destes.
Os direitos políticos, que têm o mesmo fundamento, estão vedados à mulher, e ela só pode exercê-los em casos particulares, como na Saxônia, onde a lei municipal lhe concede, como proprietária, o direito eleitoral ativo, mas lhe nega o passivo: a elegibilidade. Se é casada, recaem sobre o marido todos os direitos. Em quase nenhum Estado a mulher tem o direito de firmar contratos sem o consentimento de seu marido, exceto quando possui uma casa de comércio, que ela pode fundar segundo a nova lei. A mulher está excluída de toda ação da lei prussiana sobre o direito de reunião proíbe os escolares, aprendizes menores de dezoito anos e às mulheres de participar de reuniões e assembleias políticas. Não faz muitos anos, vários códigos alemães de julgamento criminal proibiam às mulheres assistirem aos debates públicos dos Tribunais. Se uma mulher tem um filho natural perde o direito à pensão alimentícia caso tenha aceito qualquer presente de seu amante. Se pede a separação do marido, continua levando o sobrenome conjugal como recordação eterna.
Estes exemplos já são bastante lastimosos; contudo, na França a situação da mulher é ainda pior. Ali, no adultério considerado simples, por parte do marido a mulher não pode queixar-se tendo em vista a separação; é necessário que o adultério tenha sido cometido em circunstâncias graves. O homem, ao contrário, tem em todo caso de adultério cometido pela mulher o direito de pedir a separação de imediato. O mesmo sucede na Espanha, em Portugal e na Itália.
A situação jurídica da mulher na Inglaterra melhorou sensivelmente desde agosto de 1882, em decorrência da enérgica propaganda realizada pelas mulheres entre o povo e junto ao Parlamento. Antes dessa data, a mulher inglesa era, na realidade, escrava de seu marido, que com inteira liberdade podia dispor a seu talante de sua pessoa e de seus bens e a tal ponto a mulher era considerada menor que o marido era responsável pelo crime da mulher, caso esta o cometesse na sua presença. Se a mulher causava algum prejuízo a um estranho, o marido era condenado. da mesma maneira que o dano fosse cometido por um animal doméstico. A lei de agosto de 1882 veio a colocar a mulher em igualdade de condições quanto ao direito civil.
A evidente e tangível desigualdade da mulher diante do direito com relação ao homem fez surgir entre as mais avançadas a pretensão aos direitos políticos, ao objetivo de influir legislativamente para obter sua igualdade. A própria ideia impulsiona as classes trabalhadoras a dirigir por todas as partes seus esforços para a conquista do poder político. O que parece justo para as classes trabalhadoras não pode deixar de sê-lo para a mulher, que, oprimida, acorrentada, escarnecida, tratada injustamente em todas as partes, tem não só o direito mas o dever de defender-se e servir-se de todas as armas para conquistar a sagrada liberdade. Sua alma se engrandece nessa luta. Naturalmente, contra esses esforços protestam ainda os sinistros clamores da reação. Examinemos as objeções dos retrógrados.
A grande Revolução francesa de 1789, que deslocou o antigo organismo social e emancipou os espíritos de um modo nunca visto, fez as mulheres entrarem em cena. Vinte anos antes da explosão revolucionária várias mulheres tinham participado das lutas intelectuais que então apaixonavam a sociedade francesa, acudindo em grande número às discussões, mesclando-se nos círculos políticos e científicos e ajudando a preparar a revolução, que encarnou as teorias na prática. A maioria dos historiadores só registra e narra os excessos cometidos, e como sempre que se trata de atirar pedras no povo e excitar os espíritos sensíveis contra ele, desfiguram monstruosamente os fatos para poder condenar aquele sublime cataclisma ao mesmo tempo, atenuam ou deixam no silêncio o heroísmo e a grandeza de alma que muitas mulheres revelaram naqueles dias. Isto ocorrerá sempre que os vencedores se reservarem a tarefa de escrever a história dos vencidos; mas os tempos vão mudando.
Desde outubro de 1789 as mulheres pediram à Assembleia Nacional que se restabelecesse a igualdade entre o homem e a mulher que se lhe concedesse a liberdade de trabalho e que ela fosse convocada às funções a que, por suas qualidades, era apta. A reivindicação do "restabelecimento" da igualdade entre o homem e a mulher induz a pensar que esta já tenha existido; mas é um erro próprio daquela época, que sonhava com a idade de ouro. Os revolucionários, enganados por um estudo superficial da História, sem noções das leis da evolução humana, acreditavam que os homens tinham vivido mais livres e felizes, ideia que ainda hoje professam alguns pensadores; então estava representada pelos escritores mais influentes, especialmente por Rousseau. Por isso as "reivindicações" jogaram grande papel em todos os discursos políticos e sociais; ainda hoje encontram-se com frequência nos escritores radicais franceses.
Quando a Convenção proclamou os Direitos do homem em 1793 as mulheres perspicazes compreenderam que só se tratava do direito do varão. Olímpia de Gouges, Luisa Lacombe e outras expuseram os "direitos da mulher" contidos em dezessete artigos fundamentando-os em 28 de Brumário — 20 de novembro de 1793 — diante do Ajuntamento de Paris, na seguinte declaração: "Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também o de subir à tribuna". E quando, diante da Europa reacionária, marchando sobre a França, a Convenção declarou que "a pátria estava em perigo" e convocou todos os homens aptos a empunharem armas e defenderem a pátria e a República, muitas parisienses entusiastas se ofereceram a fazer aquilo que vinte anos depois fizeram as mulheres prussianas contra o despotismo de Napoleão: defender o solo pátrio de fuzil nas mãos. Quando isto aconteceu, o radical Chaumette as recebeu dizendo:
"Desde quando é permitido às mulheres renegar seu sexo e transformar-se em homens? Desde quando se tornou hábito que se descuidem dos piedosos afazeres domésticos e dos berços de seus filhos para virem a estes locais pronunciar discursos na tribuna, incluir-se nas tropas e cumprir deveres que a Natureza só exige do varão? A Natureza disse ao varão: sê varão sempre. A competição, a caça, a agricultura, a política, os esforços de todo tipo, são teu privilégio; que fiquem para a mulher o cuidado com os filhos, o trabalho doméstico, as doces inquietações da maternidade. Mulheres imprudentes, por que quereis transformar-vos em homens? O gênero já não está bastante dividido? De que mais necessitais? Permanecei como sois em nome da Natureza e, ao invés de invejar os perigos de vida tão tempestuosa, contentai-vos com fazer-nos olvidá-los no seio das nossas famílias, permitindo que nossa vista se deleite com o delicioso quadro de nossos filhos, ditosos graças a vossos ternos cuidados".
As mulheres se deixaram enganar por essa enfática arenga e se retiraram. Sem dúvida que o radical Chaumette expressou claramente o pensamento de muitos homens, atuais, que afora isto, o maldirão. Não é exato o que Chaumette afirma das fadigas agrícolas do homem, porque desde os tempos mais remotos até nossos dias a mulher trabalhou no campo com o suor de seu rosto e, quanto às fadigas da caça, das competições e da política, as duas primeiras são exclusivamente um prazer e a política não oferece perigos senão para os que querem lutar contra a corrente, e é um caminho para a ambição e um meio de afirmar a inteligência. No discurso do demagogo pulsava o egoísmo masculino; mas foi pronunciado em 1793, e isto desculpa o orador.
Hoje as coisas são diferentes. Desde aquela época variaram muito as circunstâncias, modificando a situação da mulher. Casada ou solteira, ela está mais interessada do que antes nas condições sociais e políticas existentes, e não lhe pode ser indiferente que o Estado retenha todos os anos, com os exércitos permanentes, centenas e milhares de homens sãos e vigorosos, que a política seja belicosa ou pacífica e que os impostos cresçam e os meios de exação se sofistiquem. A mulher tampouco pode ver com atonia o encarecimento dos víveres e dos artigos de primeira necessidade em decorrência dos impostos indiretos que agravam as famílias, principalmente as mais numerosas, numa época em que os meios de sobrevivência já estão reduzidos ao mínimo. Por último, a mulher está sumamente interessada no sistema de educação, pois não lhe pode ser indiferente a maneira como suas filhas serão educadas.
Além do mais, existem hoje, como já demonstramos, milhões de mulheres a quem interessam muito as leis relativas às profissões que exercem. As mulheres levam em conta, assim como os homens os pontos essenciais da lei como as questões referentes à duração da jornada, ao trabalho noturno ou dominical, aos filhos, aos salários, aos termos do despedimento, aos certificados, às medidas de segurança nas fábricas, à disposição das oficinas etc. Os operários conhecem muito pouco e ainda ignoram completamente as condições de trabalho em grande número de ramos da indústria nos quais a maioria ou a totalidade dos trabalhadores são mulheres. Os patrões têm o maior interesse em manter em segredo os vícios da organização pelos quais são culpados. A inspeção das fábricas, por outro lado, não se estende a grande número de ofícios exclusivamente exercidos por mulheres; é ainda de eficácia nula; e, no entanto, muitos desses ramos da indústria necessitam que se lhes apliquem medidas de segurança de todo o tipo. Basta recordar aqui as oficinas de nossas grandes cidades, onde trabalham em comum as costureiras, as cortadoras, as modistas etc. Dali não sai nenhuma queixa, a menos se são inspecionadas. O triste resultado da informação oficial feita em 1874 sobre as ocupações a que se entregam as mulheres mostra claramente quão deficiente é a organização e quanto há para fazer ainda nesse sentido. Enfim, a mulher, como produtora, está interessada na legislação comercial e aduaneira. Não existe, pois, nenhuma dúvida de que tem o direito de reclamar influência, por meio da lei, sobre a forma das condições sociais. Sua participação na vida pública não deixaria de dar a essa influência um impulso considerável e de iniciar grande quantidade de novos pontos de vista.
Como muralha de ferro, esta resposta se opõe às suas reclamações: as mulheres não entendem nada de política, e na sua maioria nem querem ouvir falar dela e tampouco saberiam usar o voto. Vamos por partes. Não nego que até o presente apenas um pequeno número de mulheres, pelo menos na Alemanha, se atreve a reclamar para seu sexo igualdade de direitos políticos. Só conheço uma, Edwigis Dhom, que com seus escritos interveio muito energicamente nesse sentido.
Alegar a indiferença que até hoje as mulheres mostram com relação ao movimento político não prova nada. Do fato de que as mulheres não se tenham preocupado até agora com a política, não se pode deduzir que não vão preocupar-se. No que se refere ao homem, como ocorreu outrora? As mesmas razões que se apresentam hoje contra o direito eleitoral das mulheres fora invocadas na Alemanha contra o sufrágio universal dos homens, durante a primeira metade da década de 1860-1870 e sua adoção em 1867 desvaneceu completamente todos os protestos. Eu mesmo, em 1863, era contra o sufrágio universal e quatro anos mais tarde devia a ele minha eleição para o Reichstag. O mesmo aconteceu com outros milhares que encontraram o caminho correto. Entretanto, são ainda muitos os homens que não se servem de seu direito político essencial, que não sabem utilizá-lo; mas, apesar disso, a ninguém ocorre a ideia de suprimir-lhes tal direito. Na Alemanha, nas eleições para o Reichstag. há ordinariamente uns 40% de cidadãos que não votam e esses "abstencionistas" existem em todas as classes, entre eles se encontram tanto sábios pomo operários manuais. E entre os 60% que participam do escrutínio, a maioria ainda vota, em minha opinião, como não deveriam fazê-lo, sem compreender seu verdadeiro interesse.
De modo que a educação política das massas não pode ser feita mantendo-as afastadas dos negócios públicos, e sim unicamente, concedendo-lhes o exercício de seus direitos. Sem exercício não há professor. Até agora as classes dominantes procuraram, em seu próprio interesse, manter a maioria do povo sob sua tutela política, o que conseguiram sempre completa e perfeitamente. Por isso, até agora só se reservou a uma minoria de homens privilegiados pelas circunstâncias a tarefa de pôr-se à frente do ataque e combater com energia e entusiasmo por todos, a fim de despertar paulatinamente a grande massa adormecida e arrastá-la atrás de si. Assim ocorreu até agora em todos os grandes movimentos de opinião; não há, portanto, por que admirar-se ou acovardar-se se não é de outra maneira nem no movimento do proletariado moderno nem na questão das mulheres. Os resultados já obtidos provam que penas, fadigas e sacrifícios encontram sua recompensa e que o porvir nos dará a vitória.
Desde o momento em que as mulheres obtenham igualdade de direitos políticos, brotará nelas a consciência de seus deveres; solicitadas a dar seus votos terão que perguntar-se por que e a quem, e nesse mesmo instante o homem e a mulher trocarão impressões que, longe de prejudicar suas relações recíprocas, as melhorarão bastante. Sendo menos instruída, a mulher recorrerá ao homem, mais instruído, nascendo daí uma troca de ideias, de conselhos, um estado de coisas, enfim, como jamais existiu entre ambos os sexos, senão em casos muito raros, dando novo encanto à vida. As malfadadas diferenças de educação e de ideias que originam tantas dissenções desaparecerão progressivamente.
Em lugar de um obstáculo, o homem encontrará apoio na pessoa de uma mulher que pense como ele e ela não se envergonhará, mesmo quando seus próprios deveres a impeçam de participar, quando o homem cumprir com suas obrigações. Considerará também razoável que uma pequena parte do salário seja gasta na compra de um jornal, em propaganda. porque o jornal servirá também para sua instrução e sua educação, porque compreenderá a necessidade de fazer sacrifícios para conquistar o que falta tanto a ela como a seu marido e seus filhos. Isto será uma nova existência, verdadeiramente humana, uma completa igualdade de direitos.
De modo que o ingresso de cada um dos membros da família na vida política terá uma ação infinitamente mais nobre, mais moralizadora sobre o bem comum, que está estreitamente ligado com o bom estar individual. Produzirá, pois, efeito contrário ao que pretendem as pessoas de curta visão ou os adversários de uma república que tenha por base a igualdade de direitos entre todos os seus membros. E essas relações entre ambos os sexos melhorarão ainda mais na medida que as instituições sociais emancipem o homem e a mulher das aflições materiais e do peso de um trabalho exagerado.
Nesse caso, como em muitos outros, o hábito e a educação farão milagres. Se não me atiro n'água, nunca aprenderei a nadar. Todo mundo acha isso natural e lógico; mas não consegue aplicá-lo nas condições do Estado e da sociedade.
Hoje em dia ainda se objeta que o direito de sufrágio para as mulheres é perigoso porque a mulher é facilmente acessível às sugestões religiosas e porque é conservadora. Mas ninguém se dá conta de que ela é uma outra coisa por ser ignorante. Empreenda-se, pois, sua educação e indique-se onde está seu verdadeiro interesse. Por outro lado. sou da opinião de que se exagera a influência religiosa nas eleições. Se a propaganda ultramontana na Alemanha foi tão fecunda em resultados. é única e exclusivamente porque mesclou o interesse social com o interesse religioso. Os sacristães do ultramontanismo lutaram contra os democratas socialistas, postos a descoberto pela podridão social, segundo aqueles. Daí a sua influência sobre as massas. Desde que reine a paz no kulturkampf, esses senhores se verão obrigados a se acalmar, mudar-se-á de opinião e então se verá quão débil é a verdadeira influência religiosa. Isto pode aplicar-se também à mulher. Desde que compreenda através dos homens, nas reuniões, através dos jornais; desde que conheça por experiência própria onde está seu verdadeiro interesse, ela se emancipará do clero tão rapidamente como o homem. Mas, ainda admitindo que não ocorra assim, poderá isto constituir uma razão para recusar-lhe o direito de votar?
Os adversários mais encarniçados do direito de sufrágio das mulheres são os padres. E já sabemos por que. A causa disto é seu poder até os últimos domínios. Que diriam os trabalhadores se os liberais quisessem abolir o sufrágio universal, que tanto lhes desagrada porque serve cada vez mais aos socialistas? Um direito bom em si não se torna mau pelo simples fato de que quem o exerce não tenha aprendido ainda a utilizá-lo bem.
É lógico que o direito de voto ativo vai unido com o direito passivo; do contrário seria uma lâmina sem fio. Já estou ouvindo esta objeção: "Ah! Uma mulher na tribuna do Reichstag! Seria curioso!" Mas, meus senhores, não estamos fartos de ver as mulheres na tribuna em seus Congressos e reuniões, e, na América, na cátedra e no banco dos jurados? O firmamento se fundiria se elas subissem na tribuna das Câmaras? Pode-se assegurar que a primeira mulher que entrasse no Reichstag saberia impor-se aos homens. Quando ingressaram neles os primeiros representantes da classe operária acreditava-se que era lícito fazer troça deles e houve quem dissesse que os operários não tardariam a dar-se conta da loucura cometida. Mas de pronto a blusa soube fazer-se respeitar e agora só se teme que haja mais blusas em cada legislatura. Os delicados fazem outra objeção: "Imaginai uma mulher grávida na tribuna. Que coisa mais antiestética!" Em contrapartida, esses mesmos cavalheiros consideram perfeitamente correto que centenas de mulheres, com gravidez adiantada, se empreguem em ocupações menos "estéticas", de onde saem pisoteadas a dignidade feminina, a saúde e os costumes. É homem muito pouco sério e digno aquele que só sabe rir ao ver uma mulher grávida. Somente pelo fato de recordar-se que sua mãe tinha o mesmo aspecto antes de lhe dar a luz, deveria envergonhar-se, e a ideia de que, por lei natural, foi um homem o parceiro dessa situação e que ele mesmo, o petulante falador, espera de igual estado de sua mulher a realização dos seus mais caros desejos, deveria fazê-lo emudecer de vergonha se tivesse alma.
Na mulher a gravidez é sinal de saúde física, testemunho do cumprimento consciencioso de uma função natural. A mulher que gera filhos presta à coletividade um serviço no mínimo igual ao do homem que defende, com risco de própria vida, seu país e seu lar contra os exércitos invasores. Ademais, a vida da mulher corre perigo a cada nova maternidade: todas as nossas mães viram a morte de perto em nosso nascimento e muitas o pagaram com a vida. O número de mulheres que morrem de parto ou em consequência dele é, se se examina bem, maior que o dos homens mortos ou feridos no campo de batalha, e também por esta razão a mulher tem direito à igualdade, especialmente se o homem fizesse valer seu ofício de defensor da pátria como argumento decisivo contra os direitos da mulher.
As objeções superficiais contra a intervenção da mulher nos negócios públicos não poderiam ser formuladas se fosse natural a posição respectiva de ambos os sexos, se não constituísse um antagonismo devido à educação, com relações de senhor e escravo, e se desde a infância os dois sexos não caminhassem isolados. Este antagonismo, este isolamento é o que mantém constantemente separados o homem e a mulher, em hierarquia distinta e na obscuridade, paralisando sua marcha e movimentos, extinguindo sua confiança mútua e o completo desenvolvimento recíproco de suas qualidades características.
Um dos primeiros e mais importantes deveres de uma sociedade racional será suprimir essa divergência entre ambos os sexos e dar à Natureza plena possessão de seus direitos. Desde a escola começa-se a conspirar contra a Natureza. Rigorosamente se afasta, os meninos das meninas; depois dá-se a estas uma instrução falsa, quase nula, sobre tudo o que concerne ao ser humano no conceito sexual. Sem embargo, já hoje se ensina a História Natural em qualquer escola medianamente organizada; os meninos aprendem que as aves põem ovos e os incubam; são informados também sobre a época do cio, e que machos e fêmeas concorrem para a reprodução, que se associam para construir o ninho, cobrir os ovos e cuidar dos pequenos. Aprendem também que os mamíferos parem seus pequenos completamente vivos; ficam sabendo dos combates a que se entregam os machos na época do cio e aprendem sobre o número de crias que trazem as fêmeas e também sobre a duração da gravidez. Em contrapartida, ficam na completa ignorância no que se refere à formação e ao desenvolvimento de seu próprio sexo, ocultando-o sob um véu cheio de mistério. Quando o menino procura inteirar-se e pergunta a seus pais, com natural desejo de saber, contam a ele absurdos que não podem satisfazer-lhe e produzem efeito muito prejudicial no dia em que aprende por si mesmo o segredo de seu próprio nascimento.
Junto a isto, em toda a população secundária, assim como no campo, os meninos têm à sua vista, o acoplamento das aves, o cio dos animais domésticos, e isto, ao seu lado, no pátio da sua casa, na rua, quando os animais são levados ao pastoreio etc. Ouvem como a excitação sexual, e sua satisfação nós diferentes animais domésticos, assim como seus partos são o objeto das mais profundas e menos veladas discussões por parte de seus pais, dos criados, seus irmãos e irmãs maiores, durante as horas de refeição. Tudo isso faz nascer no espírito do menino uma dúvida acerca da descrição que sua mãe lhe fez sobre seu próprio nasci1 mento. No dia em que fica sabendo de tudo, chega ao mesmo resultado; mas em condições muito diferentes das que teria chegado se houvesse um sistema educacional natural e racional. O segredo traz como consequência o afastamento da criança de seus pais, e sobretudo de sua mãe. Alcança-se, assim o resultado oposto ao que se pretendia por imprevidência ou falta de bom senso. Quem recorda a sua própria infância e a de seus companheiros sabe quais são frequentemente as consequências disso.
Qualquer que seja o ponto de partida para a crítica de nossa situação, chegamos à conclusão de que urge uma modificação essencial nas condições sociais e, por conseguinte, nas relações entre os sexos, dado que a mulher, contando apenas com as próprias forças não pode alcançar este objetivo, ela necessita de aliados e os encontra, naturalmente, na agitação e propaganda do proletariado, que é o fervor de uma classe oprimida. Há muito tempo os trabalhadores empreenderam um cerco a uma terrível fortaleza: o estado de classes, que representa a dominação de uma classe sobre outra, comparável à de um sexo sobre outro. Há que cercar esta fortaleza por todas as partes com trincheiras e caminhos cobertos e empregar todas as armas para obrigá-la a render-se. Nosso exército encontra por toda parte os comandantes e as munições necessárias. A economia social e as ciências naturais, unidas às investigações históricas, à pedagogia, à higiene, à estatística, vêm em nosso auxílio; a ciência da razão não quer manter-se atrasada e nos anuncia, com a Filosofia da Emancipação, de Mainland, a realização do "Estado ideal", cujo advento está próximo.
O que facilita a expugnação do estado de classes e seu desmantelamento é a divisão que reina entre seus defensores. Apesar da associação de interesses contra o inimigos comum, brigam entre si ao lutar pelo "botim". Quando combatem os interesses de duas frações, em seguida aumenta o pânico nas fileiras de nossos inimigos, cujas tropas, em sua maior parte saídas de nossas entranhas, não combateram até agora contra nós e contra si mesmas, senão quando enganadas pelo funesto erro, que vão percebendo mais claro a cada dia. Não esqueçamos as deserções de homens honrados, pertencentes às classes elevadas, cujos olhos se abrem, e a quem sua elevada ciência, seu conhecimento profundo das coisas, incitam a vencer os miseráveis interesses de classe e o egoísmo e que, obedecendo aos impulsos do ideal, aportam a humanidade, sedenta de liberdade o concurso de seus ensinamentos.
Inclusão | 01/10/2019 |