Que socialismo almejamos?

Vania Bambirra

3 de julho de 1983


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. Belo Horizonte, 3 de julho de 1983

HTML: Fernando Araújo.


1. A proposta socialista e as críticas de direita e de esquerda

O PDT é o único dos partidos legalmente constituídos no Brasil que propõe claramente em seu programa o socialismo como objetivo estratégico, quer dizer, como a sua meta. Esta proposta não foi encontrada como uma mera opção doutrinária mas como o resultado de uma ampla análise das características fundamentais que adquiriu o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e da qual emergiu esta perspectiva como a única forma de superação dos graves problemas econômicos, sociais, políticos e culturais que este sistema gerou. Levando-se em consideração o quadro da situação internacional do mundo contemporâneo, foi possível chegar a conclusão de que no nosso país existem todas as condições objetivas para o início de um processo de transição socialista. Esta é a distinção principal do PDT em relação a todos os demais partidos políticos brasileiros e é também nisto onde reside a sua diferença em relação às outras agrupações de corte socialista que ainda não foram legalizadas. Estas se autodefinem como socialistas (e entre elas podemos incluir o PT se tomamos em conta declarações formuladas após a elaboração do seu programa, porém até o presente não incorporadas formalmente a este) mas nenhuma delas se preocupou em elaborar todo um conjunto tão amplo de propostas concretas de profundas reformas sociais que são mais do que viáveis, indispensáveis para a superação da crise generalizada que atravessa o país e, ao mesmo tempo, representam a cabal demonstração de que o socialismo é mais do que necessário, é a única opção para o progresso e a justiça social. Tal opção para ser válida não pode somente ser retirada de uma postura ética ou doutrinária – como a que motiva muitas vezes a setores da esquerda – ou muito menos uma aspiração nebulosa que mal encobre o pseudo socialismo daqueles que o dizem professar sem contudo propor a implementação de uma política concreta de avanço em sua direção. A opção socialista só pode ser verdadeira se está fundada em critérios práticos, em metas possíveis. E é justamente aí onde reside toda a grandeza da proposta programática do PDT: ela é objetiva em cada uma das mudanças sociais que propõe e estas adquirem portanto a conotação transparente característica do que é simples. Ora, o objetivo e o simples são também necessariamente sinceros – e pensemos no conceito de sinceridade que utilizava José Martí – e estas são as explicações que devem ser buscadas por aqueles que querem compreender as razões do êxito do maior porta-voz deste programa que é Leonel Brizola. Brizola é a simplicidade, a objetividade e a sinceridade: é a expressão de um programa que o povo confia porque entende e almeja.

Porém, se o povo pode entender o programa, ainda é necessário que muitos esclarecimentos sejam feitos em torno do conteúdo da questão do socialismo, pois tradicionalmente esse foi um tema cujo tratamento foi vítima de uma deformação sistemática e mal intencionada por parte dos defensores do sistema vigente, em especial durante o período de autoritarismo que sucedeu o golpe de 1964. A grande opinião pública foi formada no desconhecimento do que é o socialismo. A informação e a análise a seu respeito, salvo exceções que confirmam a regra, provenientes de agências de notícias ou traduzidas dos grandes periódicos patrocinados pelas empresas monopólicas multinacionais, se encarregaram sempre de deturpar a forma de vida de mais de um terço da humanidade que vive sob o sistema socialista, acentuando desmesuradamente os seus problemas, omitindo os seus avanços, desfigurando sua realidade. No Brasil praticamente foram inexistentes as pesquisas sobre o tema e durante muitos anos a censura e a autocensura emudeceram aquelas vozes que poderiam se expressar de maneira séria sobre o assunto. As novas gerações foram formadas não somente para desconhecer mas sobretudo para odiar o novo regime. Vejamos apenas um exemplo que é ilustrativo, extraído do livro Conjuntura Atual em OSPB, do professor Gleuso Damasceno Duarte, devidamente homologado favoravelmente pela Comissão Nacional de Moral e Civismo do MEC, em 1979 e, em seguida adotado como leitura obrigatória nos cursos de 1° e 2° graus. Reproduziremos apenas umas curtas citações do capítulo “Regimes Políticos” para ressaltar a ignorância dos nossos “educadores” com relação ao a-b-c da ciência política em geral e do socialismo em particular.

“Modernamente (Sic!) o termo ditadura indica a concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa que, tendo chegado ao poder por via legal ou por usurpação, governa como bem entende”.

Quer dizer, para este professor as ditaduras “modernamente” não representam interesses de classes…

Mas vejamos o exemplo racista que logo esgrime o autor aprovado pelo MEC, olvidando-se de que ele vive num continente que na época em que escreveu o seu livro vigorava em cerca de 70 por cento dos países regimes ditatoriais:

“… há no mundo contemporâneo numerosas ditaduras, sobretudo em Estados menos desenvolvidos do continente africano” (Sic!).

Sobre o socialismo diz:

“Este é o mais radical totalitarismo já conhecido pela humanidade”.

E logo cita o conhecido dissidente soviético Andrei Amalrik, cujos juízos sobre a União Soviética casam perfeitamente com aqueles emitidos de forma típica pelos intelectuais da CIA, para demonstrar que a prática socialista difere meridianamente da teoria da sociedade sem classes propagada por Marx (Sic!).

“… Todo mundo se irrita (Sic!) com a grande desigualdade na distribuição de riquezas, com os salário baixos, com as indignas condições de alojamento, com a falta de mercadorias essenciais, com o registro policial compulsório de seus locais de residência e de trabalho…”, etc.

Naturalmente tal descrição se aproxima muito mais da situação brasileira do que a de qualquer país socialista: “Se “todo mundo se irrita” porque não ocorrem nesses países quebra-quebras como os uae acontecem em nosso país? Não revela cinismo criticar uma inexistente concentração da renda alheia quando se vive no país que possui a maior concentração do mundo? Por outra parte, isso revela uma ignorância crassa de que nos países socialistas existem escalas salariais definidas que variam de 1 a 8, de 1 a 10, quer dizer, o maior salário nunca ultrapassa dentro destes limites o menor. Ademais, os salários não podem ser considerados “baixos” sem que se tenha em consideração para que eles são utilizados. Quem possui informação honesta sobre estes países sabe que o trabalhador não dispende o seu salário para cobrir gastos de medicamentos, hospitais, educação, esporte, uma parcela mínima quando dispende para habitação, transporte, lazer e que os preços dos alimentos são tabelados e que exatamente são estes os que não faltam à mesa das famílias pois, quando são escassos, a sua distribuição é garantida para todos através do sistema de racionamento. E finalmente, hoje já não existe mais o problema da carência habitacional que foi uma herança capitalista agravada pelas guerras. Qualquer pessoa medianamente informada sobre a história sabe que a URSS teve mais de cem importantes cidades destruídas no curso da II Guerra Mundial mas que nem por isso as condições de alojamento do seu povo foram “indignas” como a das favelas brasileiras. E qual será a incidência deste “registro policial compulsório”? Poderá se equiparar ao que se fazia no nosso país durante o período da “luta anti-subversiva” ou o que ocorre hoje nos bairros humildes onde se vive a grande parte do nosso povo? Mas o chocante destas citações do professor é o desprezo pelos fatos pois hoje em dia nem mesmo os mais implacáveis críticos dos países socialistas, sejam de direita como de “esquerda” deixam de reconhecer o alto nível de progresso material alcançado pelos mais desenvolvidos e de que os problemas básicos de sobrevivência já foram há muito resolvidos.

O autor prossegue ainda com informações que desrespeitam a realidade tais como “o Estado é o dono de tudo (…) e o patrão de todos”, demonstrando a sua ignorância da existência no socialismo de formas de gestão comunitárias, de autogestão, ademais da sobrevivência de mais ou menos amplos setores da pequena propriedade privada e da propriedade cooperativa; refere-se ao “partido único” como característica do socialismo, ignorando que nos países onde esta situação foi criado se deveu a circunstâncias históricas particulares que nem por isso os transforma em paradigma como o estão a demonstrar outros exemplos da existência de pluripartidarismo em vários países socialistas.

Tinha plena razão Maurice Dobb quando considerava que a subestimação por parte dos especialistas ocidentais das profundas mudanças provocadas pelo desenvolvimento social e econômico soviético se explicava em alguns casos pela mera ignorância mas, em outros, por uma pura e simples racionalização de seus desejos.(1) Desejos que, apesar de serem subjacentes, não encobrem o seu caráter perverso pois mal escamoteiam a aspiração de que os povos socialistas estejam passando extremas premuras porque assim se comprova a superioridade do capitalismo. Como é possível de se conceber que este tipo de desejo expresso através da deformação perversa no que se refere ao modo de vida de outros povos seja tão impunemente incutido nas novas gerações brasileiras? E acaso o jovem estudante ou trabalhador inquieto, que deseje buscar por sua própria iniciativa fontes mais sadias de informação, as encontrará facilmente nas bibliotecas ou livrarias? Obviamente que não. É por isso que, por incrível que pareça, é tão difícil encontrar no Brasil pessoas bem informadas sobre o que é o socialismo. É por isso que a crítica extrema e portanto desonesta ao socialismo real possui um conteúdo profundamente reacionário, venha de onde provenha, pois se transforma de fato num instrumento irracional de formar atitudes pré-concebidas, céticas e contrárias às transformações sociais. Esta é a mentalidade que se busca formar nas novas gerações: “ao fim e ao cabo para que lutar pelo socialismo se o seu resultado prático é tão sinistro quanto o do capitalismo?” Ou, em outras palavras, “seremos capazes de criar uma sociedade completamente distinta do capitalismo e do socialismo realmente existente?” Ou ainda: “É preferível o capitalismo porque neste ainda se pode protestar”. Sob este tipo de influência pedagógica (Sic!) a juventude que tenda a questionar o sistema vigente só encontra como opção o anarquismo, o niilismo ou a drogadição… No fundo este tipo de “crítica” ao socialismo nada mais logra que a justificação, através do engodo, da sobrevivência do sistema burguês, provenha ela do raciocínio tipicamente direitista como daquele pseudo-esquerdista. E tanto é assim que, da parte destes últimos, não se resgata nenhuma das experiências históricas do socialismo, todas são verdadeiras aberrações, desde a soviética, passando pela cubana até chegar aos processos mais recentes de transição como por exemplo em Angola, Moçambique e Nicarágua. É neste sentido que se enlaçam as atitudes tanto do nosso professor aprovado pelo MEC como dos nossos críticos “de esquerda” que abjuram o socialismo histórico, concreto, em nome do socialismo abstrato. Ora, um direitista é um defensor aberto do capitalismo, da propriedade privada e do sistema monopolista, a sua crítica é pois ideológica; mas um “crítico” de esquerda se apresenta como socialista e portanto esta crítica se veste de “objetiva” e é por isso que ela é muito mais útil ao sistema. Quem são esses “críticos” socialistas? Muitos deles são pessoas honestas, que desejam sinceramente uma sociedade mais justa, que são indignados diante das consequências inumanas do modo de funcionamento do sistema burguês mas cuja mentalidade foi formada dentro de padrões típicos do anti-socialismo vigente oficialmente em nossa cultura, são os discípulos de educadores de OSPB.

Porém os mais “sólidos” críticos não são estes, são aqueles que outrora foram tão irracionalmente pró-socialismo real ou concebiam a este como o melhor dos mundos, como o paraíso terrestre e assim caíram no seguidismo apologético característico da época stalinista. Estes socialistas transformaram o socialismo em religião, edificaram suas seitas com seus ícones e rituais, cumpriram fielmente seus mandamentos, se converteram em discípulos de um apostolado e dedicaram altruisticamente suas vidas à causa do bem. Sim porque a sua visão do mundo tornou-se maniqueísta entre o bem socialista e o mal burguês. A União Soviética passou a representar a imagem do paraíso, da redenção; Stalin a do Papa e Marx, Engels e Lenin, os profetas. Mas de repente surge o XX Congresso do PCUS, a revelação dos crimes de Stalin e o fim da mitologia. A construção do socialismo na URSS e o processo de transição em escala mundial continua avançando a passos céleres mas a realidade deificada, como toda divindade, tinha os pés de barro e se desfez ao crepitar das ilusões. Tal golpe foi por demais rude para nossos maniqueístas que jamais compreenderam as peripécias da história e nunca entenderam tão pouco que “a realidade viva é bicolor”. E o que era amado passou a ser odiado, o paraíso converteu-se em inferno e o socialismo real transformou-se na antítese do socialismo sonhado. Como vemos, processou-se uma virada de 180 graus e eis que o culto de Stalin dá origem à abominação de satanás, e o seu país tornou-se um inferno dantesco. No transfundo de tal atitude que antes era radicalmente pró e de repente se volta com o mesmo radicalismo contra, em anti reside o mesmo e único elemento característico que é a irracionalidade. Psicologicamente se assemelha a atitude imatura e infantil da criança que admira o ídolo paterno até que passa a odiá-lo quando descobre que este também é o vilão. Pode parecer exagero mas é somente dentro destes parâmetros que é possível encontrar a explicação para o anti-sovietismo emocional de autores e dirigentes políticos como um Santiago Carrillo, um Fernando Claudín e outros cujas concepções atuais “eurocomunistas” revelam mais que a tentativa de descoberta de “novas vias” para o socialismo europeu – o que seria em tese muito positivo – o delinieamento de toda uma nova corrente de anti-socialismo real.

O que trataremos de mostrar é que o socialismo realmente existente foi o historicamente possível de ser logrado pelos povos, ainda com grandes limitações mas também com enormes conquistas e que não comporta pois desfigurações dos seus resultados provisórios, seja no sentido apologético ou na linha de menoscabo. Marx anteviu o fim da pré-história da humanidade onde o homem seria seria um ser livre, dono e senhor do seu próprio destino. Nesta etapa superior do desenvolvimento da civilização, as classes, a luta de classes e portanto o Estado já teriam desaparecido gradualmente e, em seu lugar, teria se erigido uma sociedade da abundância regida pelo princípio “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade”. Essa antevisão da sociedade futura que ele intitulou comunista – e que do ponto de vista ético ninguém se atreve a questionar – ainda não existe e falta toda uma época histórica, antes que o homem possa realizar tal avanço. Mas o que distingue os céticos dos esperançosos é que estes fazem a história e assim encurtam o caminho para que o presente antecipe o porvir. O pensamento de Marx buscou entregar elementos para o empreendimento de tal epopeia fundado não na utopia paralisante mas na ciência que orienta a transformação do mundo, pois ele se norteava não pela vontade mas pelas leis de movimento do próprio processo de desenvolvimento econômico e social da maneira como o descreveu Lenin:

“Em Marx não existe nenhum rasgo [traço](2) de utopismo pois ele não inventa uma “nova” sociedade. Não, Marx estuda, como um processo histórico-natural, como nasce a nova sociedade da velha, estuda as forças de transição da segunda à primeira. Toma a experiência real do movimento proletário de massas e se esforça por retirar dele os ensinamentos práticos…”. E insistindo em destacar a metodologia do autor acrescenta adiante que ele coloca a questão do surgimento da nova sociedade “como o naturalista colocaria, por exemplo, a do desenvolvimento de uma nova espécie biológica, sabendo que surgiu de tal e tal modo e se modifica em tal e tal direção determinada”.(3)

Mas a grande contribuição de Marx consistiu não somente na demonstração do sentido para o qual se encaminha o desenvolvimento da sociedade humana mas também na sua capacidade de equacionar em grandes linhas as etapas de transição intermediárias que devem ser cumpridas até a realização de uma fase qualitativamente nova de organização social. A sucessão destas etapas só puderam ser captadas por ele através da análise da evolução histórica do movimento proletário concreto pois por meio do estudo desta experiência que foi possível fundar os conceitos históricos do marxismo e precisar os seus significados. O que se intenta destacar aqui é que a metodologia marxista e portanto o seu corpo conceitual são históricos, que, por ser assim, as suas abstrações do concreto são recursos analíticos para um regresso mais fundamental ao concreto e é exatamente nesta forma de procedimento onde reside a sua força como teoria científica da prática social. Por exemplo, Marx em sua obra maior que é O capital não estuda nenhuma sociedade capitalista existente; ele trabalha com uma abstração desta mesma sociedade exatamente para poder explicar o seu funcionamento puro com os seus elementos essenciais e captar o sentido da sua evolução e superação. Tanto é assim que as classes médias não aparecem nesta obra e apenas no volume III são introduzidos os proprietários da terra. Contudo, O capital jamais poderia ter sido elaborado se a sua abstração não procedesse da realidade concreta, da existência viva de um capitalismo real que ele estudou profundamente e que estava encarnado na sociedade real mais desenvolvida de sua época, que era a sociedade inglesa. Marx sabia que não é a anatomia do macaco que explica a do homem mas ao contrário, tanto na ciência biológica como na social são as formas de desenvolvimento superiores que explicam as inferiores e assim como a evolução do capitalismo permitiu a compreensão plena do feudalismo, somente desde a perspectiva do socialismo se poderá lograr o discernimento cabal da sociedade burguesa, da mesma forma que apenas da ótica da civilização pós-classes se alcançaria a perceber os caracteres provisórios da etapa socialista. Tinha portanto razão Preobrazhenski quando dizia que:

“O capital somente poderia ter sido escrito por um comunista pois uma concepção sistemática do capitalismo em sua totalidade supõe necessariamente o confronto deste modo de produção com aquele que o haverá de superar por absoluta necessidade histórica”.(4)

Estas considerações metodológicas são necessárias para questionar o suposto da mais usual crítica “de esquerda” que se formula ao socialismo: de que nela sobrevivem as classes, as desigualdades sociais, o Estado repressor e, [de que] portanto, a “profecia” de Marx não foi cumprida. Ora, Marx, exatamente porque sua concepção metodológica superava a dos socialistas utópicos, sabia muito bem que as classes e portanto a luta de classes e o Estado – que enquanto existe não pode deixar de ser também um instrumento de coerção que atua em função de interesses concretos das classes que o controlar – não podem desaparecer por um decreto voluntarista. Esta é inclusive a diferença substancial entre a sua postura e a dos anarquistas.

No próximo item partiremos da análise da teoria marxista do socialismo, que é ao mesmo tempo a análise do contexto histórico em que ela se desenvolveu, para responder a interrogante que nos motiva e que é a de que socialismo almejamos.

2. As origens teóricas e históricas do socialismo

Naturalmente, as mentes mais esclarecidas não podem almejar um socialismo utópico, quer dizer, um socialismo impossível. Tal ponderação parece óbvia, porém muitos são os que ainda pautem os seus marcos de referência na pura e simples utopia e inclusive é nela onde se enquadram várias vezes os parâmetros da crítica ao socialismo real.

As concepções socialistas ingênuas, pré-científicas, surgiram antes ou foram contemporâneas do desenvolvimento do pensamento marxista. Estas representavam tentativas de explicação das características da nova sociedade que foram definitivamente superadas pois se fundavam num idealismo tosco cujo resultado conduzia a posturas românticas ou meramente reformistas. Tal foi o caso do pensamento de um Babeuf, quem propunha um igualitarismo distributivista através de um socialismo agrário; de Cabet, quem cultivava a ilusão no desenvolvimento das comuniades agrárias por meio do recurso ao convencimento dos ricos; de Owen e sua experiência prática de organização cooperativa das fábricas dirigidas pelos operários; de Louis Blanc com a sua visão de justiça social lograda a partir de reformas do capitalismo provocadas dentro do próprio Estado burguês; ou ainda de Prouhdon e o seu anarquismo antiautoritarista que visava a liquidação imediata dos partidos e de toda e qualquer autoridade social.

As concepções de todos estes autores e vários outros como Saint-Simon e Fourier foram alvos da implacável crítica de Marx e Engels, particularmente dirigida aos anarquistas como Proudhon e Bakunin, devido à grande influência ideológica que exerceram sobre a classe operária em sua época, apesar de que esta influência não resistiu ao teste da prática, como o demonstrou a Comuna de Paris, quando as suas teses foram de fato abandonadas pelos seus seguidores.

Em sua crítica ao antiautoritarimo, Engels lembrando da Comuna diz que “uma revolução é, sem dúvida, a coisa mais autoritária que existe; é o ato por meio do qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra por meio de fusis, baionetas, canhões, enfim pelos meios autoritários que existam…” e mais ainda afirma: “querer abolir a autoridade na grande indústria é querer abolir a própria indústria…”(5)

Não podemos entrar aqui a enumerar toda a crítica marxista aos socialistas utópicos, porém é necessário destacar que esse procedimento crítico foi um dos recursos fundamentais encontrados para o lançamento das bases para a elaboração da teoria científica do socialismo. É neste sentido que a utopia, através da sua crítica, desbrava o caminho para a ciência e desta maneira a utilidade daquela é resgatada. Mas, para evitar de percorrer o caminho inverso como seus antecessores e enveredar pelos labirintos de um nova utopia, é que Marx e Engels, como bem o destaca Probrazhenski – na mesma obra antes citada – tomam a precaução de não descrever em seus detalhes os caracteres mais específicos da sociedade futura, mas se limitam a vislumbrar seus contornos mais gerais e fundamentais como uma continuidade histórica resultante da análise da superação do sistema capitalista. Suas formulações sobre a nova sociedade circunscrevem portanto ao nível das fórmulas algébricas. Contudo, Marx em particular percebe claramente que, entre o capitalismo e a sociedade radicalmente nova que superará a pré-histórica do homem e inaugurará a história propriamente dita, deverá existir um mais ou menos longo período de transição no qual sobreviverão elementos decadentes do velho modo de produção burguês coexistindo com elementos embrionários do novo. Este período a que ele percebeu como uma etapa intermediária inferior é que se passou a chamar socialismo. Seu trabalho intitulado Crítica ao Programa de Gotha, se bem [é] sintético, é a mais elaborada exposição de sua concepção sobre a fase da transição socialista. Nele Marx afirma que este período representa um mero progresso, um avanço muito preliminar, pois nesta etapa a sociedade ainda não se desenvolve sobre uma base própria mas sobre os vestígios da sociedade antiga de onde procede. Herda desta a escassez, a divisão entre o trabalho manual e o intelectual, a contradição entre o campo e a cidade, etc. Portanto, o produtor só pode dela receber segundo o que há produzido. Da mesma forma, o direito que rege esta sociedade continua sendo o da igualdade que é tipicamente burguês, pois como os os indivíduos são desiguais o direito igual teria de ser necessariamente o direito desigual, quer dizer, a sociedade comunista exigirá “de cada um segundo sua capacidade” e recompensará “a cada um de acordo com as suas necessidades”, o que pressupõe um gigantesco desenvolvimento das forças produtivas e da cultura e riqueza coletiva. Porém, “o direito não pode ser superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento da sociedade por ela condicionado”.(6)

Por tudo isso, o socialismo ainda não pode deixar de ser uma etapa da sociedade cujo esforço ainda está centrado fundamentalmente na administração da escassez e na distribuição o mais equitativa possível dos bens escassos. Tal administração tem se ser feita em base a critérios definidos segundo prioridades sociais que somente podem se nortear pelo direito da igualdade com sua implícita limitação burguesa. É neste sentido que o socialismo tem de ser considerado como apenas um progresso porque nesta fase todavia a qualidade da existência humana não foi transformada e o homem continua limitado pelas suas carências e antagonismos. Contudo, se o socialismo registra ainda as marcas hereditárias da sociedade burguesa, a esta altura do desenvolvimento histórico de suas primeiras experiências que engatinham, muitos dos seus rasgos [traços] típicos já estão a demonstrar todas as implicações que advirão deste progresso no campo da planificação da vida econômico-social, no científico, tecnológico, urbanístico, da saúde pública, educacional, cultural e esportivo, por exemplo.(7)

Todos estes progressos, ainda muito preliminares do ponto de vista da capacidade potencial do homem, em definitiva necessitam um bom tempo de maduração para que a sua transmutação do quantitativo ao qualitativo possa ocorrer de modo que seja franqueada a liberdade para os empreendimentos humanos verdadeiramente grandiosos. Mas enquanto tal transmutação é ainda prisioneira do período de assentamento dos pré-requisitos do desenvolvimento mais pleno, as conquistas da nova sociedade não podem deixar de ostentar ainda muitas das nuances cinzentas das restrições, da mediocridade típica do atraso que está sempre temperada com o condimento de um certo conservadorismo. E nem poderia deixar de ser assim, pois o socialismo triunfou até agora em sociedade que sofriam não apenas das mazelas do capitalismo, mas sobretudo aquelas próprias do feudalismo e do patriarcalismo oligárquico. Não se trata portanto de buscar uma visão, seja condescendente ou condenatória: trata-se sobretudo de encontrar os critérios de um juízo objetivo que franqueie o umbral da compreensão não tanto dos seus aspectos deformados, incompletos, sub-desarrolados(8) mas que permita vislumbrar, em toda sua ampla dimensão, as potencialidades e perspectivas futuras. Afinal de contas, são estas possibilidades plenamente concretizáveis que devem nos animar no esforço de luta pela alternativa socialista, da mesma maneira que Marx as intituía nos seus estudos preliminares de economia política. Assim, nos Grundrisse ele já percebia qual seria a característica típica do desenvolvimento do progresso que adviria com a nova organização social: seria franqueada a era da revolução científico-técnica onde a ciência se situaria como a principal força produtiva e a automação, deslocando o trabalho produtivo direto do homem, criaria as condições para a superação do trabalho assalariado.(9)

Até que esta época histórica fosse cumprida levaria seu tempo, porém este período já estaria caracterizado por muitos progressos até então inéditos na vida civilizada no seio da qual já estaria patente a superioridade do socialismo sobre o capitalismo.

É o que estamos assistindo hoje pois enquanto o capitalismo, seja em sua versão desenvolvida como na subdesenvolvida e dependente, debate-se em uma profunda crise de dimensão internacional no bojo da qual emerge de forma dramática a agudização das desigualdades, carências e desespero de milhões de homens marginalizados e desempregados demonstrando que a sociedade burguesa é injusta e incapaz de garantir uma sobrevivência digna para grandes massas de pobres, no socialismo tais aberrações não existem. A planificação da vida econômica e social representa um progresso substantivo pois através da utilização racional dos recursos humanos, naturais, científicos e tecnológicos [se] permite eliminar o desemprego – só através dela se pode contra-arrestar a tendência crônica no capitalismo do crescente desemprego estrutural – e torna possível a satisfação das necessidades básicas do homem de saúde, educação, alimentação, moradia, esportes e lazer. Estes pré-requisitos fundamentais da liberdade humana e da conquista da verdadeira individualidade de cada pessoa são pois satisfeitos em curto lapso de tempo. É claro que o aprimoramento da liberdade propriamente tal, que se manifesta no nível das decisões políticas, culturais e existenciais, continua a ser uma questão posta de maneira imperativa nas sociedades socialistas, mas é preciso não perder de vista que esta busca de uma liberdade mais ampla se processa desde um patamar muito superior ao qual já teve acesso o cidadão socialista. Em outras palavras, o homem polonês, por exemplo, reivindica seus direitos e liberdades maiores, porém as suas reivindicações devem ser entendidas desde outro prisma pois são completamente diferentes daquelas que postulam por exemplo os trabalhadores ou os jovens brasileiros ou chilenos ou italianos ou norte-americanos. Isto porque eles já viveram toda uma experiência histórica que lhes permitiu franquear o nível das necessidades primárias pois eles as têm satisfeitas e podem, portanto, almejar um estado de liberdade muito superior àquele que é aspirado pela ótica restrita do desempregado, do analfabeto ou semianalfabeto, do lumpen, enfim daquele que não tem acesso, de uma ou de outra forma, às conquistas preliminares da nossa época. O que tratamos de estabelecer é a diferença qualitativa que reside entre a ótica, a visão do mundo e as aspirações que distinguem o homem saciado do faminto, o homem culto do analfabeto, o homem integrado do marginalizado.

Marx dizia que a verdade é sempre concreta. Da mesma maneira, a liberdade não é abstrata, ela é o domínio das possibilidades reais e a consciência das suas limitações. A sociedade contemporânea, dado o seu nível de desenvolvimento, não pode ainda superar a existência das classes sociais e é necessário ter consciência desta limitação, mas já se torna perfeitamente exequível a possibilidade, no nível planetário, da superação do antagonismo de classes que sobrevive no sistema capitalista. É a essa etapa da liberdade possível que o homem brasileiro pode aspirar ao assumir como seu o projeto socialista e em função dele se dispor a trabalhar, a lutar.

3. Os conceitos teóricos também são históricos

O corpo conceitual da teoria marxista não brota como fruto da imaginação fértil de seus autores e nem como um resultado de uma observação puramente pragmática dos mesmos(10) mas é estabelecido através do percurso do método dialético que parte da análise da realidade concreta para a sua abstração, para logo em seguida retornar ao concreto histórico e específico enriquecido pelo processo da generalização.

Assim foi fundado, por exemplo, o conceito essencial da teoria marxista do Estado que é o da ditadura do proletariado. A sua primeira elaboração feita em 1848, no Manifesto, ainda representava mais bem[Nota do Memorial-Arquivo Vania Bambirra: termo usado em “espanholismo” no original, que em tradução livre possui na frase o sentido de “na verdade”[/efn_note] um esboço conceitual intuitivo pois supunha que o proletariado se constituiria em classe dominante apoderando-se do Estado existente, quer dizer, do Estado tal qual foi criado pela burguesia. Como se vê, faltava ainda um elemento crucial que submetesse o conceito ao teste da prática, de tal maneira que a sua cientificidade fosse de vez comprovada. Esse teste foi fornecido em 1871 pela experiência concreta da Comuna de Paris que demonstrou que “a classe operária, ao chegar ao poder, não podia seguir governando com a velha máquina do Estado; e que para não perder de novo sua dominação recém conquistada tinha, de um lado, de varrer toda a velha máquina utilizada até então contra ela e, de outro lado, precaver-se contra seus próprios deputados e funcionários, declarando-os todos, sem exceção, revogáveis em qualquer momento”.(11)

O conceito de ditadura do proletariado foi portanto redefinido e precisado pela prática transformando-se desta forma num conceito ao mesmo tempo histórico. Novos elementos teóricos serão posteriormente incorporados a este conceito por Lenin, em função do enriquecimento proveniente da experiência histórica da revolução soviética. Estes elementos são de tão grande importância analítica que é justo considerar que é com este autor que tal conceito adquire toda sua dimensão e status científico e político em torno do qual se sedimentará definitivamente a teoria do Estado no período de transição socialista e, ao mesmo tempo, se consolidará a concepção marxista da estratégia do processo revolucionário.

Vale a pena explicitar mais amplamente em que consiste a ditadura do proletariado desde Marx até Lenin pois, se bem hoje este é um conceito controvertido, tal controvérsia não vem de hoje. Ela remonta às suas origens, desde o seu questionamento feito pelos anarquistas da I Internacional como Proudhon e Bakunin, passando pelos revisionistas da II Internacional como Bernstein e Kautsky até os eurocomunistas dos nossos dias como Claudín e Santiago Carrillo.

Na verdade, já insistia Lenin em sua época, o conceito de ditadura era o divisor de águas entre os reformistas e os revolucionários tanto na revolução democrática (como o foi por exemplo a revolução russa de 1905) como na socialista (como a de 1917).(12)

Isto porque quando se substitui um tipo de Estado por outro, necessariamente se está substituindo uma ditadura por outra ou uma democracia por outra. Porque todo e qualquer Estado é uma ditadura da mesma forma que é ao mesmo tempo uma democracia, em outras palavras, todo Estado é uma ditadura-democrática ou uma ditadura-ditatorial, a diferença reside no seu conteúdo de classes, quer dizer, para que classes funciona como democracia e para quais como ditadura, em suma, quais são as classes dominantes e quais são as dominadas. A diferença preliminar entre o feudalismo, o capitalismo e o socialismo reside justamente na hegemonia do poder: no primeiro, a classe dominante e hegemônica é a nobreza; no segundo, a burguesia; no terceiro, o proletariado. Não é possível, portanto, de acordo com a teoria e a concepção marxista da história, desvincular o conceito de ditadura do de democracia pois ambos estão intrinsecamente vinculados, são unívocos. Conceber uma democracia que não coexista com uma ditadura é o mesmo que conceber um Estado sem classes sociais. Mas, ao mesmo tempo, não é correto confundir formas de Estado com as de governo. O Estado burguês, por exemplo, como destacava Lenin, pode ser regido por um governo republicano-democrático ou uma monarquia-escravista mas ambas formas não alteram o seu caráter essencial capitalista que é dado pela hegemonia da burguesia como classe dominante.(13)

Porém, todas estas precisões não esgotam ainda a definição plena do conceito de ditadura do proletariado, pois como feito histórico ela é muito mais do que a mera inversão do polo dominante-dominado. Já dizia o mesmo Lenin que esta não pode ser caracterizada apenas pelo uso da coerção pela nova classe hegemônica e que inclusive este aspecto é secundário para tipificar o socialismo, pois os aspectos coercitivos tendem a se diluir na medida em que, pari passu, se dilui a resistência burguesa. O mais característico da ditadura do proletariado é o desenvolvimento prático da aliança das antigas classes dominadas, particularmente a aliança entre a classe operária e os camponeses(14) e, nos países desenvolvidos – bem como a aliança a mesma classe operária com as classes médias, como os profissionais, empregados nos serviços, etc.

Outra característica típica é o desenvolvimento, em toda sociedade, dos novos valores do trabalho e da disciplina que são exatamente as “imposições” que a classe operária projeta em todos os níveis através de sua dominação. Naturalmente a própria dominação hegemônica da classe operária se exerce tendencialmente de forma a maximizar o seu caráter democrático e a minimizar o aspecto ditatorial e é por isso que o direito de revogabilidade dos eleitores sobre os eleitos deve ser uma característica típica do poder popular socialista. Da mesma maneira o exercício do poder popular supõe uma progressiva vinculação entre as tarefas legislativas e executivas bem como a paulatina e crescente participação da população – através das distintas formas de organizações de massas – na gestão da vida econômica, política, social e cultural. Estes novos mecanismos institucionais de funcionamento do Estado socialista, preconizados desde a época da Comuna de Paris, revelam o seu conteúdo profundamente democrático e qualitativamente distintos das democracias burguesas.(15)

Tal participação democrática é inclusive um pressuposto para o desenvolvimento da própria gestão da vida social. A planificação econômica, por exemplo, que é a pedra angular da vida socialista, não poderia funcionar de maneira eficiente se fosse concebida como um engendro de tecnocratas. A planificação deve ser necessária e intrinsecamente um processo democrático desde a elaboração do seu projeto até a consecução de suas metas finais, pois, caso contrário, estaria fada ao fracasso. A planificação é, neste sentido, um intenso processo de mobilização nacional, um compromisso de todo um povo.(16)

Como se vê, o conceito de ditadura do proletariado não propõe nem reflete uma realidade terrorífica e demoníaca como aparece pintada nos escritos anti-socialistas como os de Alexander Solzhenitsyn, que busca, na defesa do sistema capitalista que sucumbe, rebaixar a teoria marxista ao calabouço das injúrias desesperadas. Qual é a receita que dá para resistir à “peste comunista”? Vejamos: “qualquer compromisso com um país comunista, qualquer que ele seja, constitui um perigo mortal”. Isso porque este tipo de mente verdadeiramente paranoica considera que “o comunismo se apresenta como uma força ainda desconhecida na história mundial. É um fenômeno anti-humano, de ordem metafísica: até mesmo seus vícios, seus absurdos, seus fracassos, servem para reforçá-lo” (Sic!).(17)

Como se pode observar, os estigmas lançados junto com a confissão de impotência frente ao avanço do socialismo conduzem fatalmente a uma conclusão lógica: é necessário liquidar o socialismo e impedir o seu avanço custe o que custar, seja através de intervenções, massacres ou genocídios, pois os revolucionários são, em palavras do mesmo autor, “conspiradores sem fé nem lei” e o “comunismo é uma fossa energética: é terrivelmente difícil sair dele, a menos que haja uma feliz convergência de todos os esforços” (Sic!). Nestas formulações grotescamente místicas, maniqueístas – o comunismo “é a fossa”; é o mal – encontra-se a racionalização da política fascista de extermínio dos movimentos de libertação pois é preferível prevenir que remediar… É justamente nelas onde germinam as políticas de extermínio como a de Reagan na América Central.

Reflitamos: o pensamento de Solzhenitsyn enquanto tal de nada vale, apesar de haver sido, na literatura, merecedor de um prêmio Nobel cujas motivações muitas vezes são óbvias. Contudo, é interessante considerá-lo pelas razões apontadas acima, ou seja, por ilustrar o irracionalismo do pensamento político da direita, da sua paranoia e do seu desespero. Foi exatamente como resposta a esta atitutde irracional que se radicalizaram os processos revolucionários ao acelerar neles os seus mecanismos defensivos, de auto-preservação, que muitas vezes conduziram à exacerbação da coerção e da repressão, pois ambas são subprodutos da debilidade própria a toda realidade em transformação, a todo poder que ainda carece de ser consolidado.

Somente a partir deste marco teórico geral que torna-se possível compreender as limitações específicas e as dificuldades encontradas no curso dos processos particulares de transição socialista, desde o soviético ao nicaraguense. Vale recorrer às lições das duas experiências, da mais antiga à mais nova transição socialista. Na URSS, após a revolução de outubro, o pluripartidarismo só foi encerrado quando os partidos de oposição questionaram a nova legalidade e começaram a conspirar e finalmente apelaram à guerra civil. O partido único surgiu portanto como um produto de circunstâncias da guerra e da debilidade da manutenção do novo poder. Porém, é necessário sublinhar que a existência do partido único ou do pluripartidarismo jamais foram questões de princípio da teoria marxista. Na Nicarágua triunfou a revolução sandinista que pronto buscou se afirmar como “a revolução generosa na vitória”. Aos inimigos se tratou com indulgência, aos opositores com respeito. Desde um primeiro momento se buscou preservar o espaço político para a “liberdade de crítica” ao novo poder. Contudo, pouco a pouco esse espaço vai se reduzindo, devido não propriamente ao uso mas ao abuso de tal liberdade. E não será acaso um abuso da imprensa oposicionista justificar a ação do governo salvadorenho que está perpetrando um verdadeiro genocídio contra seu povo?

Salvador Allende, no Chile da Unidade Popular, disse uma vez que o seu governo suportava mais que a liberdade de oposição, suportava até a sua libertinagem, tal era a maneira abusiva com que esta atuava em conspirações e provocações descaradas. Pois bem, em tal situação o desenfreio de liberdade gerou o descontrole, a impossibilidade da sua preservação e finalmente a sua antítese: o regime autoritário e repressivo dos mais crueis que a América Latina conhecer.

Como todo Estado, o socialista não pode prescindir de seus aparelhos coercitivos, como não pode ainda prescindir dos seus aparelhos burocráticos, pois estes são mais do que heranças do feudalismo ou do capitalismo, são condições provisórias da sua existência e manutenção. O fenômeno da burocracia administrativa, da burocracia civil, por exemplo, não pode desaparecer da sociedade através de um decreto mágico. Lenin particularmente dedicou muitas de suas preocupações e reflexões a seu respeito e chegou a adquirir uma consciência lúcida de qual era a sua raiz e como estariam criadas as condições para a sua superação. Ele compreendeu que a burocracia se cria e se recria na separação entre as tarefas administrativas e as produtivas e que somente quando tal divisão for superada, quer dizer, auando os próprios criadores [da riqueza] forem capazes de administrar seu trabalhos e suas vidas esse fenômeno desapareceria por morte natural, cessaria de multiplicar-se, deixaria pouco a pouco de existir. Isso por certo supõe todo um processo de superação da divisão entre o trabalho manual e o intelectual, supõe o desenvolvimento da automatização, supõe o socialismo avançado. Como se vê, a questão da burocracia é muito mais complexa do que podem captar as mentes simplistas e em definitiva não pode ser ainda equacionada nas experiências incipientes do socialismo pouco desenvolvido.(18) Faz bem lembrar que nenhuma revolução socialista triunfou até hoje sem guerra civil e sem poder prescindir da agressão imperialista sobre o território nacional antes, durante ou depois do triunfo revolucionário. Todas as experiências socialistas portanto começaram a ser construídas sobre um terreno de destruição e escombros. Em tais situações – e sobretudo se consideramos que as revoluções triunfaram até agora em países atrasados – a herança legada pelo capitalismo foi sobretudo o seu encrustado e arraigado sistema de valores individualistas e egoístas, deixando muito pouco enquanto patrimônio científico, tecnológico, cultural e enfim, infraestrutural.

4. As universalidades e particularidades do socialismo

Se buscamos um rigor conceitual indispensável para a compreensão da sociedade, é necessário precisar que todo socialismo, para ser definido como tal, possui certas características essenciais típicas e universais sem as quais este não existiria senão em forma caricaturesca. Muita gente confunde, por exemplo, experiências sui generis de capitalismo com o socialismo – o caso de vários países nórdicos como a Suíça, a Suécia, a Noruega, a Finlândia, etc. – mas tal confusão em nada contribui para elucidar o que é a nova sociedade socialista. As características mais relevantes do socialismo são:

a) Hegemonia do poder pela classe operária e a sua aliança com as demais classes trabalhadoras. Nos países onde esta classe é ainda praticamente inexistente, o poder é exercido, até o seu desenvolvimento, por outras classes ou setores de classes pequeno-burgueses ou média quanto a sua origem, mas desde a perspectiva da classe operária e dos seus valores desenvolvidos historicamente a nível mundial.

b) A abolição da propriedade privada sobre os principais meios de produção, distribuição, transportes, sistema bancário e financeiro e comércio exterior e o desenvolvimento das formas de propriedade estatal, mista, comunitária, cooperativa e outras formas associativas. Vale a pena destacar que o socialismo não supõe necessariamente a supressão de imediato da pequena e média propriedade. Ao contrário, ambas devem sobreviver por um período mais ou menos longo devido a razões humanitárias, políticas e econômicas. O arraigado espírito conservador do pequeno produtor individual – como é o caso por excelência do camponês parcelário – não concebe outra forma de organizar a produção senão em torno de sua própria administração e trabalho e o da família, o que deve ser respeitado por motivos pessoais, sociais e políticos; por outra parte, é antieconômica a gestão estatal de pequenas empresas que funcionam de maneira mais eficiente e satisfatória em mãos dos seus proprietários particulares até que estes se convençam, pela própria experiência, da superioridade das formas associativas. Merece também menção a existência muitas vezes de concessões ao capital estrangeiro em empreendimentos industriais que são feitas como instrumento de captação de recursos financeiros, científicos e tecnológicos e de criação de novos empregos, bem como forma de desenvolvimento de determinados processos produtivos. A política de concessões ao capital estrangeiro foi preconizada e implementada desde a época de Lenin.

c) Sistema de planificação da vida econômica e social. Tal sistema funciona através da centralização, porém esta deve ser profundamente democrática, como foi ressaltado antes. A planificação passa a ser a lei de movimento fundamental que rege o desenvolvimento das forças produtivas e que tende paulatinamente a subjugar a lei do valor transformando-a, através do cálculo econômico, em instrumento fundamental de contabilidade e controle da economia.

A planificação econômica, que é uma forma de regulação global típica do socialismo – e convém não confundi-la com o planejamento, que é sempre restrito setorializado – tem como objetivo em primeira instância compatibilizar os recursos existentes com as prioridades de desenvolvimento estabelecidas hierarquicamente. Porém, em última instância, sua meta é sempre a maximalização do crescimento das forças produtivas com o fim de alcançar um domínio cada vez mais amplo do homem sobre a natureza.

Existem ainda uma série de características do socialismo que se situam no terreno do universal mas que são contudo mediatizadas pela especificidade de cada processo revolucionário. Tais caracteres dizem respeito a uma série de direitos democráticos básicos que são tanto políticos, como econômicos, sociais e culturais. Esses direitos são específicos porque a forma pela qual são estabelecidos varia de acordo com as particularidades e possibilidades de cada experiência nacional concreta e podem ser agrupadas em quatro grandes conjuntos:

a – Direitos democrático-políticos. São aqueles que garantem a participação popular a mais ampla possível na gestão da vida política. São regidos por uma constituição socialista – cuja proposta original deve ser objeto de uma intensa discussão por parte de todos os segmentos sociais(19) – que contempla direitos sociais avançados como as eleições diretas e secretas, o sufrágio universal, a revogabilidade dos representantes por parte dos eleitores, os direitos plenos das mulheres, etc., bem como pelos códigos de direito.

b – o direito à educação, ao aperfeiçoamento profissional e ao trabalho condigno. A educação é considerada, como os demais direitos fundamentais e elementares, uma obrigação social de tal modo que em todo socialismo ela é obrigatória e gratuita em todos os níveis, pois é o instrumento vital a uma condição para o exercício de uma atividade profissional, um pré-requisito para que o indivíduo possa se realizar como tal e utilizar as suas potencialidaes em proveito social. A educação é considerada como prioridade básica numa sociedade socialista e, historicamente, os primeiros esforços de todas as revoluções foram voltados para superar velozmente as heranças herdadas do analfabetismo e do obscurantismo.

O direito ao trabalho, que é o direito do ser humano de exercitar sua capacidade criadora através do seu talento, habilidade e esforço é garantido e regulamentado através de escalas de remuneração. O princípio socialista “a cada um de acordo com o seu trabalho” é o que regula a localização de cada tipo de trabalhador na escala salarial e está baseado, como destacamos antes, no critério da igualdade que é desigual pois toma em consideração para a recompensa material do trabalho fatores que estão diretamente relacionados com a capacidade do indivíduo que é medida fundamentalmente pela sua complexidade, responsabilidade, desempenho, qualificação científica e tecnológica, artística ou pelo desgaste da saúde (neste último caso se destaca o trabalho dos mineiros que percebem uma remuneração igual à dos engenheiros).

c – direitos a habitação condigna, alimentação satisfatória e assistência a saúde através do acesso gratuito ao sistema médico-hospitalar.

Estes direitos básicos refletem a essência do socialismo cuja afirmação é inconcebível sem que estejam satisfeitos estes pré-requisitos essenciais da existência humana digna. Já dizia Marx, na Ideologia Alemã, que são as condições materiais de existência que determinam o desenvolvimento da consciência social, o que significa que o domínio do homem sobre a natureza e a sua própria natureza é cada vez mais franqueado na medida em que supera os estreitos marcos das necessidades elementares, pois assim fica cada vez mais apto para ampliar os seus horizontes enquanto ser criador e livre. Desta maneira são criadas paulatinamente também as condições para que um tipo de direito superior possa ser exercido e que destacaremos em seguida:

d- o direito de ser livre, de poder optar e exercer a sua profissão como forma de realização pessoal e social, sem barreiras que não sejam aquelas levantadas pelos limites das possibilidades reais, dos direitos alheios e dos padrões éticos vigentes. Naturalmente este direito se enquadra num conjunto de direitos maior e resultantes das conquistas sociais históricas como é o direito de informação, de crica e de exercício do controle e da participação ativa na administração política, econômica e social. Subjacentes a estas liberdades está o grande direito irrenunciável dos povos à independência e soberania nacional, sem a qual jamais será possível o socialismo.

5. Que socialismo almejamos?

A resposta a esta pergunta foi dada nas páginas anteriores pois, por em cima das críticas válias e das deformações e confusões divulgadas sobre a experiência histórica, todos os que de boa fé pensam no que deve ser o socialismo no Brasil aspiram por uma sociedade nova, com as características dos direitos antes descritos. E quem poderá não estar de acordo, do ponto de vista humanista e racional, de que todos devem ter acesso à mais ampla participação democrática, ao trabalho e à educação, à saúde, à habitação, à alimentação e à liberdade e à soberania? Apenas mentes visceralmente perversas, enfermas ou viciadas no egoísmo podem justificar a miséria e a marginalização de milhões de seres em nome do esbanjamento e dos lucros de uns poucos proprietários monopólicos da produção em alta escala, grandes banqueiros, financistas, latifundiários, agiotas ou açambarcadores. Porque, como foi destacado, o socialismo não é incompatível com a sobrevivência da pequena e da média propriedade, bem como respeita a livre iniciativa do produtor, como deve respeitar a autonomia de qualquer cidadão em todas as suas opções filosóficas, religiosas, culturais e enfim pessoais como na questão do seu comportamento sexual. O socialismo deve ser entendido e ser criado como o caminho da libertação do homem no sentido maiúsculo, como a via de superação dos preconceitos, do provincianismo, do chauvinismo e das restrições medíocres, que nada mais são que um testemunho dos vestígios da insegurança e da falta de cultura dos povos.

É assim que deve ser concebido o socialismo, que é mais do que possível, é necessário e urgente no Brasil.

Para lograr esta transformação profunda da vida social brasileira são necessários muitos passos intermediários e muitas “reformas de base” cujas propostas estão sistematizadas no programa do PDT. Seria pois ocioso transcrevê-las de novo aqui, mas vale a pena recordar que o socialismo será logrado no Brasil por meio da conquista da soberania nacional através do fim da usurpação do capital estrangeiro sobre a nossa economia bem como pelo término da exploração desenfreada dos seus sócios-menores, o grande capital monopólico nacional associado aos interesses forâneos, através da nacionalizaçao do sistema bancário e financeiro que, por mei oda especulação, desvia uma enorme parcela dos recursos produtivos com objetivos ávaros; da estatização do comércio exterior com o objeto de que o intercâmbio internacional seja feito para satisfazer as demandas do nosso povo, não para aumentar ainda mais a riqueza de uns poucos; a definição das normas de convivência entre os setores da economia estatal, mista, privada, cooperativa, comunitária, com a meta de submeter o funcionamento da produção e do intercâmbio aos interesses da comunidade nacional; a organização e a participação popular em todos os níveis da vida social para que o povo aprenda e exercite o seu direito democrático e soberano de se auto-governar. Enfim, como propõe o programa do PDT, por meio da organização democrática da sociedade brasileira em todos os níveis para exercer os seus direitos no plano político, econômico, social, educacional, cultural e internacional.

Desta maneira, o socialismo brasileiro se erguerá àquele patamar universal e superior de dignidade social que já atingida por outros povos mas, ao mesmo tempo, o fará, como todos os grandes processos de transformações revolucionárias, com as suas particularidades e idiossincrasias, com as suas cores verde-amarelas.

Por quais caminhos enveredará esta grande revolução brasileira é impossível prever pois neste terreno não existem princípios rígidos e nem fórmulas pré-fixadas. Mas pateticamente ingênuo é imaginar que é possível prescindir da organização e da luta do povo, de muitas formas de luta que se combinam, que se revezam e que mesmo se superam em momentos distintos. O certo é que nenhum povo ganha o direito irrenunciável de ser digno, esse direito se conquista.

O povo brasileiro, mestiço de muitas culturas, de muitas tradições, possui um enorme potencial pois vive em um dos países mais ricos do mundo. O povo brasileiro, alegre, cordial e criativo, não quer apenas sobreviver, quer viver a nossa época com o pleno esplendor de quem constroi o presente vislumbrando um futuro promissor. O povo brasileiro quer ser otimista e contribuir para empolgar a humanidade com as suas realizações. O povo brasileiro quer ser solidário e, com o seu exemplo, com a sua ajuda contribuir para que haja mais progresso, mais cultura, mais amor e, sobretudo, que haja paz.

A luta por todo esse ideal se justifica e se concretiza a cada dia, a cada intento, seja através de um ato de organização, de um discurso, de um diálogo, de um artigo, de qualquer forma de trabalho, de uma canção ou de uma poesia. É a luta do Brasil que busca a sua forma de socialismo.


Notas de rodapé:

(1) Maurice Dobb. El desarrollo de la economía soviética desde 1917. Tecnos, Madrid, 1972, pg. 13. (retornar ao texto)

(2) Nota do Memorial-Arquivo Vania Bambirra: colchetes do Memorial-Arquivo. No original, consta o substantivo em espanhol “rasgo”, que significa traço, característica. (retornar ao texto)

(3) V. I. Lenin, “El Estado y la Revolución”, Obras Escogidas, Ed. Progreso, Moscú, Tomo II, pags. 320, 359 e 360. (retornar ao texto)

(4) E. Preobrazhenski, Por una alternativa socialista. Ed. Fontamara, Barcelona, 1976, pg. 72. (retornar ao texto)

(5) F. Engels, “De la autoridad”, Obras Escogidas, Tomo I, Ed. Progreso, Moscú, pgs. 616 e 617. (retornar ao texto)

(6) K. Marx, “Crítica al Programa de Gotha”, Obras Escogidas, Tomo II, pg. 15 e 16. (retornar ao texto)

(7) A este respeito, o exemplo do socialismo em Cuba, no campo cultural por exemplo, dá um exemplo eloquente. Veja-se como ilustração o meu livro Cuba: 20 anos de Cultura. Hucitec, São Paulo, 1973. (retornar ao texto)

(8) Nota do Memorial-Arquivo: em espanhol no original. (retornar ao texto)

(9) K. Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador). 1857-1858, Siglo XXI Editores, México, 1971, Tomo I, pags. 100, 181 e 422 e Tomo II pgs.227, 228, 229 e 232. (retornar ao texto)

(10) Assim o supõem equivocadamentre autores como Marcel Liebman, La Conquista Del Poder (El Leninismo Bajo Lenin), Tomo I, pg. 128, Ed. Grijalbo. Existe tradução. (retornar ao texto)

(11) F. Engels, Introdução al texto de K. Marx, “La Guerra Civil en Francia”. Obras Escogidas. Tomo I. Ed. Progreso, 1969, pgs. 459 e 460. A tradução é nossa [Vania Bambirra]. (retornar ao texto)

(12) V. I. Lenin. “Sobre la lucha en el Partido Socialista Italiano”, Obras Completas, Ediciones Salvador Allende, México, 1971, Tomo XXXIV, pg. 89. (retornar ao texto)

(13) V. I. Lenin, “El Estado…”, Obras Completas, Tomo XXXI, Op. cit., pg. 347. (retornar ao texto)

(14) V.I. Lenin, “Discurso sobre el Engaño al Pueblo con Consignas de Libertad e Igualdad”, Obras Completas, Tomo XXXI, pgs. 222 a 262. (retornar ao texto)

(15) Interessante citar como exemplo do funcionamento destes elementos institucionais o caso de Cuba por ser um país latino-americano. Veja-se o livro de Martha Harnecker, Cuba: Democracia ou Ditadura? Siglo XXI Editores, México, 1975. (retornar ao texto)

(16) Este fato é reconhecido por autores insuspeitos, por seu anti-comunismo, como Alec Nove. Historia Económica de la URSS. (retornar ao texto)

(17) “Lições sobre a ameaça comunista”. O Estado de São Paulo, 29-5-83. (retornar ao texto)

(18) Em 1963, por época das comemorações do aniversário do Movimento Revolucionário 26 de Julho, em Cuba, Che Guevara teve uma conversação com os delegados latino-americanos convidados àquele evento da qual participamos. Nesta oportunidade ele se referiu à questão da burocracia que o preocupava mas, diante dela, se sentia impotente. Lembro-me que ele dizia que ela inevitavelmente proliferava a cada dia, como algo necessário, pois era um sub-produto de cada nova instituição, de cada iniciativa tomada pela revolução. (retornar ao texto)

(19) Podemos ilustrar tal procedimento com o caso de Cuba. Em 1976 o projeto da nova Constituição foi submetido à discussão popular. Desta participaram 6 milhões, 216 mil cidadãos; 600 mil sugeriram modificações e 60 dos 141 artigos foram modificados em função de tais sugestões. (retornar ao texto)

Inclusão: 16/11/2021