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Fonte: Pambazuka News - https://www.pambazuka.org/pt/governance/como-inventar-democracia-do-amanh%C3%A3-face-ao-desafio-da-farsa-democr%C3%A1tica
HTML: Fernando Araújo.
Ante o que ele chama de a “farsa democrática”, Samir Amin levanta uma questão essencial: “Renunciar à [ao processo de] eleição?” A resposta é negativa, porém induz a nova interrogação: “Como associar as novas formas de democratização – ricas e criativas – permitindo assim que se faça da eleição uma prática diferente daquela concebidas pelas forças conservadoras?” Para Amin, este é o desafio.
O sufrágio universal é uma conquista recente, desencadeada pelas lutas dos trabalhadores no século XIX em alguns países europeus (a Inglaterra, a França, os Países Baixos e a Bélgica) sendo depois gradualmente estendida ao mundo inteiro. Hoje se afirma praticamente por toda a parte do planeta que a reivindicação do poder supremo delegada a uma assembleia eleita corretamente sobre uma base pluripartite – seja essa assembleia legislativa ou constitucional conforme as circunstâncias – define a aspiração democrática e, acrescento, assegura essa pretendida realização.
Até Marx colocara grandes esperanças nesse sufrágio universal como “possível caminho pacífico rumo ao socialismo”. Eu escrevi que, neste ponto, as expectativas de Marx foram desmentidas pela História. (cf. Marx e a democracia).
Creio que a razão dessa falha da democracia eleitoral não é difícil de desvendar: até o dia de hoje todas as sociedades são fundadas sobre um sistema de dupla exploração do trabalho (quaisquer que sejam as formas) e de concentração do poder do Estado em benefício da classe dirigente. Essa realidade fundamental produz uma relativa “despolitização/desculturalização” dos segmentos mais amplos da sociedade. E essa produção, amplamente concebida e colocada em funcionamento para cumprir a função sistematicamente esperada dela, é simultaneamente a condição de reprodução do sistema, sem [o risco de] mudanças “que ele não possa controlar e absorver, sem abalar a condição de sua estabilidade. Isso é o que se define como “o país profundo”, ou seja, o país profundamente adormecido. Nessas condições a eleição por sufrágio universal é garantia da vitória do conservadorismo (um dia reformador).
Assim se explica por que jamais na História houve mudança produzida por esse modo de gestão fundamentada sobre o “consenso” (o de não mudar). Todas as transformações portadoras de padrões transformadores sempre surgiram como produto de lutas conduzidas por aqueles que, em termos eleitorais, podem aparecer como “minorias”. Sem a iniciativa de tais minorias, elemento motor da sociedade, não há transformação possível. As lutas em questão, deflagradas conforme algum padrão, sempre terminam – quando as alternativas que elas propõem são clara e corretamente definidas – por constituir as “maiorias” (silenciosas no início do processo), pois de fato elas são em seguida endossadas pelo sufrágio universal que vem após – não antes – a vitória.
No nosso mundo contemporâneo o “consenso” (cujo sufrágio universal define as fronteiras) é mais conservador do que nunca. Nos centros do sistema mundial esse consenso se mostra pró-imperialista. Isso não no sentido de que implique necessariamente no ódio ou no desprezo de outros povos, suas vítimas, porém, num sentido mais banal, isso significa que a permanência da punção da renda imperialista é aceita por que ela representa a condição de reprodução da sociedade em seu conjunto, a garantia de sua “opulência” fazendo contraste com a miséria dos outros. Nas nações periféricas as respostas dos povos ao desafio (o da pauperização produzida pelo desenvolvimento da acumulação capitalista/imperialista) permanecem confusas, no sentido de que misturam-se sempre com uma dose de ilusão nostálgica fatal. Nessas condições o recurso à “eleição” sempre é concebido pelos poderes dominantes como meio par excellence de deter o movimento, isto é, de pôr um termo no potencial de radicalização das lutas. Elections, piège à cons (eleições, armadilhas para conspirações) afirmavam alguns em 19689 após confirmação pelos fatos. Em suma, uma assembleia eleita hoje na Tunísia e no Egito para acabar com a “desordem” estabiliza uma situação. Cria-se o paradoxo de mudar tudo para nada mudar.
O que fazer? Renunciar à eleição? Não! Mas como associar as formas de democratização inovadoras, ricas e criativas de tal maneira a tornar o processo de eleição um processo diferente daquele concebido pelas forças conservadoras? Este é o desafio.
A decoração teatral foi inventada pelos pais fundadores dos Estados Unidos, na intenção, expressa com plena lucidez, de evitar que a democracia eleitoral se torne instrumento utilizado pelo povo para questões de ordem social, esta fundamentada na propriedade privada (e na escravatura!). Dentro deste espírito, a constituição em questão é fundamentada pela eleição da um presidente (uma espécie de “rei eleito”) o qual concentra os poderes essenciais. O “bipartidarismo”, o qual conduz naturalmente a campanha eleitoral presidencial, tende a se tornar progressivamente isso que ele é doravante: a expressão de um “partido unido” – ou seja, aquele que representa o capital dos monopólios depois do fim do século XIX – que coopta as “clientelas” as quais julgam se distinguir entre si.
A farsa democrática se manifesta então através de uma suposta “alternância” (democratas vs. Republicanos nos Estados Unidos) sem que se possa elevar o nível de exigências de uma (verdadeira) alternativa (ao se oferecer a possibilidade de novas opções radicalmente diferentes). E, sem perspectiva de alternativa possível, a democracia não existe. A farsa se fundamenta na ideologia do “consenso”(!), negadora por definição do sério conflito de interesses e de visões de futuro. A invenção das “primárias” que convocam o conjunto do corpo eleitoral (seus componentes ditos de direita ou de esquerda!) a se exprimirem pela escolha de um dos dois falsos adversários acentua ainda mais a descaminho aniquilador no âmbito das eleições.
Jean Monnet, um antêntico antidemocrata (razão pela qual é celebrado em Bruxelas como o fundador da ‘nova democracia europeia!), perfeitamente consciente do que pretendia (copiar o modelo norte-americano) despendeu todos os seus esforços – tradição escrupulosamente seguida na União Europeia – para retirar os poderes das assembleias eleitas em benefício de “comitês de tecnocratas”.
Sem dúvida a farsa democrática funciona sem grandes problemas nas sociedades opulentas da tríade imperialista (Estados Unidos, Europa e Japão), pois é sustentada pela renda imperialista (referência no meu trabalho A Lei do Valor Mundializado). E ela é igualmente reforçada no seu poderio convincente pelo consenso em torno da ideologia do “indivíduo” e pelo respeito real dos “direitos” (eles mesmos conquistados por lutas, fato que se esquece de mencionar). É também endossada pela prática da independência do poder judiciário (ainda que o dos Estados Unidos, fundado na eleição de juízes, convocados para lisongear “a opinião” [vigente] vá contra essa independência), e, por fim, se fundamenta na institucionalização complexa da pirâmide que garante esses direitos.
A Europa continental não conheceu a mesma história de fluxo sem águas revoltas do longo rio da farsa democrática. No século XIX (e mesmo até 1945) os combates pela democracia, na ocasião inspirados pela burguesia capitalistas e pelas classes médias, estas conduzidas pelas classes operárias e populares, se atiçavam nas resistências aos “antigos regimes”. Daí seus avanços e recuos caóticos. Marx pensava que essa resistência constituía um obstáculo que os Estados Unidos ignoravam, para a sua vantagem. Ele estava errado e subestimava que, em um modo capitalista “puro” (como o dos Estados Unidos em comparação com o da Europa) a “férrea determinação” das instâncias, isto é, a observância das evoluções próprias à superestrutura ideológica e política – se ajustando automaticamente a tais estruturas e respondendo às exigências da gestão da sociedade pelos monopólios capitalistas – produziria fatalmente aquilo que os sociólogos convencionais qualificam de “totalitarismo” o qual se aplica ao mundo capitalista imperialista mais do que a todos os outros. Aqui eu remeto ao que antes escrevi no tangente à “subdeterminação” e às aberturas por ela oferecidas.
No século XIX, na Europa (mas também nos Estados Unidos, ainda que em grau menor) os blocos históricos construídos para assegurar o poder do capital têm sido, pela força das circunstâncias – a diversidade de classes e de segmentos de classes – complexos e mutáveis. A partir desse fato os conflitos eleitorais podem dar a aparência de funcionamento democrático real. Progressivamente, todavia – com a substituição da dominação do capital dos monopólios ante a diversidade dos blocos capitalistas – esta aparência se dilui. O vírus liberal (título de um de meus trabalhos) fez o resto: alinhou progressivamente a Europa ao modelo dos Estados Unidos. O conflito entre as maiores potências capitalistas contribuir para cimentar os segmentos dos blocos históricos, convidando a dominação pelo capital pelo recurso do ”nacionalismo”. Chegou-se até ao ponto de que – como nos exemplos da Alemanha e da Itália em particular – o “consenso nacionalista” fosse descartado no programa democrático da revolução burguesa.
Hoje a deriva se acha quase concluída. Os partidos comunistas da 3ª Internacional Socialista tinham então tentado, à sua maneira, se opor, mesmo se “a alternativa” (o modelo soviético) apresentava atratividade discutível. Havendo fracassado em construir blocos alternativos duráveis, eles acabaram por capitular, juntando-se submissos ao sistema da farsa democrática eleitoral. Assim agindo, a esquerda radical constituída por seus herdeiros (na Europa o grupo da esquerda unida no Parlamento de Bruxelas) renuncia a qualquer perspectiva de “vitória eleitoral” verdadeira. Ela se contenta em sobreviver sobre as cadeiras de segunda mão concedidas às “minorias” (5% ou, na melhor das hipótes, 10% do “corpo eleitoral”). Transformadas em bajuladoras dos eleitos cuja única preocupação é a de conservar esses lugares miseráveis no sistema – e tendo assim função de “estratégia” – a esquerda radical renuncia a sê-lo verdadeiramente. Nessas condições não surpreende que faça o jogo de demagogos neofascistas.
A submissão à farsa democrática é interiorizada por um discurso autoqualificado de “pós-modernista” que simplesmente se recusa a reconhecer a importância dos efeitos destrutivos. Que importam as eleições, o essencial se passa alhures, ou seja, na “sociedade civil” (conceito confuso que voltarei a comentar) onde os indivíduos serão tornados aquilo que o vírus liberal pretende que sejam – supondo que já não o sejam! – os sujeitos da História. A filosofia de Negri (filósofo, político e marxista italiano), que também já critiquei, exprime bem essa renúncia.
Contudo a farsa imperialista, que não é objeto de rejeição nas sociedades opulentas da tríade imperialista, não funciona na periferia do sistema. Aí, na zona de tempestades, a ordem instituída não se beneficia de qualquer legitimidade suficiente para permitir a estabilização da sociedade. Desenhar-se-á então a alternativa em filigranas nos “despertares do Sul” que marcaram o século XX e prosseguem seus caminhos no século XXI?
A tempestade não é sinônimo imediato da revolução, mas apenas a portadora potencial de avanços revolucionários.
As respostas dos povos das periferias, inspirados no ideal do socialismo radical – pelo menos na origem (Rússia, China, Vietnam e Cuba) – onde a libertação nacional e o progresso social (na época da Conferência de Bandoung na Ásia, bem como na África e na América Latina) não são portanto respostas simples. Elas associam, em variados graus, componentes de vocação progressista universal e outros de natureza antiga. Deslindar as interferências conflitantes e/ou complementares entre essas tendências ajudará a formular – mais adiante neste texto – as formas possíveis de autênticos avanços democráticos.
Os marxismos histórios da 3ª Internacional Socialista (o marxismo leninismo russo e o moísmo chinês) rejeitaram passadismo deliberada e integralmente. Optaram por um olhar voltado ao futuro, num espírito universalista emancipador no sentido pleno do termo. Na Rússia sem dúvida essa opção foi facilitada por longa preparação que permitiu aos “ocidentalistas” (burgueses) exportá-la aos “eslavófilos” e aos “eurasianos” (aliados do antigo regime). Na China isso se deu pela revolução de Taiping (reenvio aqui meu estudo: A Comuna de Paris e a Revolução de Taiping).
Simultaneamente esses marxistas históricos optaram repentinamente por uma conceitualização do papel das “vanguardas” na transformação das sociedades. Eles dariam forma institucionalizada a essa opção, simbolizada pelo “partido”. Não se pode afirmar que essa escolha tenha sido ineficaz. Muito pelo contrário, ela certamente tem estado na origem das vitórias das revoluções em questão. A hipótese de que a vanguarda minoritária ganharia o apoio da imensa maioria se mostrou fundamentada. Todavia ao mesmo tempo a história posterior demonstrou os limites de tal eficácia. Isso por que a manutenção da parte essencial do poder nas mãos dessas “vanguardas” certamente não é estranha às derivas posteriores dos sistemas “socialistas” que elas pretenderam implantar.
Foram a teoria e a prática do marxismo histórico em questão aquelas dos “despotismos esclarecidos?” Não se pode afirmá-lo senão pela condição de precisar o que foram e o que se tornaram – progressivamente, – os objetivos desses despotismos esclarecidos. Em todo caso eles têm sido até agora “antipassadistas”. Seus comportamentos, tal como na religião – assimilada ao obscurantismo e a nada mais – testemunham isso. Já me exprimi anteriormente sobre as nuances que se poderia dar e esse julgamento. (Ver a Internacional do Obscurantismo).
O conceito de vanguarda também tem sido largamente adotado noutras sociedades que não as revolucionárias mencionadas. Ele tem estado na base daquilo que foram os partidos comunistas no mundo inteiro dos anos 1920 aos anos 1980. Ele encontrou seu lugar nos regimes nacionais populares do terceiro mundo contemporâneo.
Por outro lado esse conceito de vanguarda daria à teoria e à ideologia uma importância decisiva, a qual implicaria por sua vez na valorização do papel dos “intelectuais” (entenda-se revolucionários), ou melhor, da intelligentsia. Intelligentsia não é sinônimo de classes médias educadas e menos ainda de quadros burocráticos, tecnocráticos ou universitários (as “elites” no jargão anglo-saxônico). Trata-se, isso sim, de um grupo social que não emerge como tal senão em determinadas condições próprias de algumas sociedades e então se torna agente ativo importante e, por vezes, decisivo. Além da Rússia e da China observa-se fenômeno análogo na França, na Itália e talvez em outros países, mas certamente não na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e tampouco na Europa setentrional em geral.
Na França, durante a maior parte do século XX, a intelligentsia ocupou lugar importante na história do país, reconhecido pelos melhores historiadores. Talvez tenha sido lá um efeito indireto da Comuna de Paris, no curso da qual o ideal da construção de um Estado mais avançado de civilização saído do capitalismo foi expresso como em nenhuma outra parte (cf. meu artigo sobre a Comuna).
Na Itália o partido comunista pós fascismo desempenhou funções análogas. Como analisa lucidamente Luciana Castallina, os comunistas – uma vanguarda fortemente apoiada pela classe operária, mas sempre minoritária em termos eleitorais – de fato construíram a democracia italiana sozinhos. Na época eles exerciam “na oposição” um poder real na sociedade, bem mais considerável do que quando associados ao “governo”! Seu verdadeiro suicídio [político], inexplicável de outra maneira que não a da mediocridade dos líderes que sucederam a Berlinguer, fez desaparecer, com eles próprios, o Estado e a democracia na peníssula.
Esse fenômeno da intelligentsia jamais existiu nos Estados Unidos e na Europa protestante do Norte. Aquilo que aqui se chama de “a elite” – a escolha do termo é significativa – é cunhada por ninguém mais do que os servidores do sistema, ainda que fossem “reformadores”. A filosofia empirista/pragmatista que ocupa aqui toda a cena do pensamento social, certamente reforçou os efeitos conservadores da reforma protestante ao qual também apresentei crítica (O Eurocentrismo, modernidade, religião, democracia). O anarquista alemão, Rudolf Rocker, é um dos raros pensadores europeus que exprimiu um julgamento análogo ao meu, porém o sistema deseja – depois de Weber e contra Marx – que a reforma protestante seja celebrada, sem (re)exames, como um avanço progressista!
Nas sociedades periféricas em geral, além dos casos flagrantes da Rússia e da China, e pelas mesmas razões, as iniciativas tomadas pelas “vanguardas”, frequentemente “intelligentsistas”, se beneficiaram da aglutinação e apoio de amplas maiorias populares. A forma mais frequente dessas cristalizações políticas onde as intervenções têm sido decisivas no “despertar do Sul” tem sido aquela do (ou dos) populismo(s). Tratam-se das teorias e práticas ridicularizadas pelas “elites” (ou para dizer à la forma anglo-saxônica, pelo “pró sistema”) porém defendidas e em parte reabilitadas por Ernesto Laclau com sólidos argumentos que pretendo reabordar em boa medida.
Entenda-se bem que existem tantos “populismo” quanto experiências históricas qualificadas como tal. Os populismos são frequentemente associados a pessoas ditas “carismáticas” cuja autoridade do “pensamento” é aceita sem grande debate. Os reais avanços (sociais e nacionais) a eles associados em certas condições me levam a qualificar tais regimes de “nacional populares”. Ficando entendido que esses avanços jamais foram sustentados por prática democrática convencional “burguesa” e menos ainda pela fundamentação de práticas inovadoras, como aquelas que esbossarei as linhas possíveis mais adiante neste texto. Esse foi o caso da Turquia de Atatürk, provavelmente a precursora do modelo para o Oriente Médio, mais tarde do Egito nasseriano, dos regimes da primeira época do Baas e da FLN (Frente de Libertação Nacional) da Argélia. Experiências análogas, em condições diferentes, foram desenvolvidas nos anos 1940 e 1950 na América Latina. A “fórmula”, por responder a necessidades e possibilidades reais, está longe de ter perdido seu potencial de renovação. Assim de bom grado qualificarei de “nacionais populares” a certas experiências em curso na América Latina, sem omitir de assinalar que, no plano da democratização, elas incontestavelmente iniciaram avanços nunca vistos nas experiências precedentes.
Tenho proposto algumas análises referentes às razões dos sucessos dos avanços alcançados nesse sentido em alguns países do Oriente Médio (o Afeganistão, o Iêmen do Sul, o Sudão e o Iraque) os quais parecem mais promissores do que outros, mas também abordo suas dramáticas conjunturas.
Devemos nos abster de generalizar e simplificar a questão, não incorrendo neste erro da maioria dos comentaristas ocidentais, fixados somente na “questão democrática”, ela própria reduzida à formula daquilo que já descrevi como uma farsa democrática. Nos países da periferia essa farsa assume quase sempre a configuração de uma caricatura extrema. Sem serem “democratas” alguns líderes de regimes nacionais populares têm sido “grandes reformadores” (progressista) carismáticos ou não. Nasser é um belo exemplo. Porém outros não têm passado de polichinelos inconsistentes, como Kadhafi, ou de déspotas vulgares “não esclarecidos”. (Existem também os pouquíssimos carismáticos) como Ben Ali, Moubarak e outros. Ademais esses ditadores não chefiaram experiências nacionais populares. Eles nada mais organizaram que a pilhagem de seus países pelas máfias associadas a suas pessoas. Assim eles agiram simplesmente como agentes de execução das potências imperialistas as quais também saudaram e sustentaram seus poderes enquanto conveniente, como no caso de Suharto e Marcos.
Os limites próprios a cada uma e a todas as experiências nacionais populares (ou “populistas”) dignas dessa adjetivação encontram suas origens nas condições objetivas que caracterizam as sociedades da periferia do mundo capitalista/imperialista contemporâneo. Elas são evidentemente diversas.
Contudo, mais além dessa diversidade, certas convergências importantes permitem projetar alguma luz sobre as razões de seus sucessos e recuos.
A persistência das aspirações “passadistas” não é produto da sólida “mentalidade retrógrada” dos seus povos (o discurso habitual sobre a questão), mas o produto de medida correta do desafio. Todos os povos e nações periféricos não têm estado somente submissos à exploração econômica feroz pelo capitalismo imperialista, eles têm sido concomitantemente submetidos em igual medida à agressão cultural. A dignidade de seus costumes, de suas línguas e de sua história tem sido negada com o maior desprezo. Não é de se surpreender que as vítimas do colonialismo externo e interno (os índios das Américas) associem naturalmente sua libertação social e política à restauração de sua dignidade nacional. Mas a seu turno essas aspirações legítimas convidam a voltar os olhares exclusivamente em direção ao passado na esperança de lá encontrar a resposta às questões de hoje e de amanhã. O risco é então real de ver o movimento de efervescência e de libertação desses povos se paralisar em impasses trágicos do momento em que o “passadismo” é tornado o eixo central da renovação procurada.
A história do Egito contemporâneo ilustra à perfeição a transformação de complementação necessária entre a perspectiva universalista aberta ao futuro, associada à restauração da dignidade do passado num conflito entre duas escolhas formuladas em termos absolutos: ou “se ocidentalizar” (no sentido vulgar do termo, ou seja, negando o passado) ou “retornar ao passado” (sem comentário).
Até 1870 o vice-rei Mohamed Ali (1804-1849) e os khedives (organização política) fizeram a opção por uma modernização aberta à adoção de fórmulas de modelos europeus. Não se pode afirmar que essa opção foi a de uma “ocidentalização” de segunda categoria. Os chefes de Estado egípcios davam toda importância à industrialização moderna do país e não à adoção pura e simples do modelo de consumo europeu. Eles interiorizaram a assimilação dos modelos europeus associando-os à renovação da cultura nacional e contribuindo para fazê-la evoluir no sentido da secularização. Seus esforços de apoio à renovação da língua testemunham isso. Certamente o modelo europeu em questão era o do capitalismo e sem dúvida eles não levaram em conta a medida exata do caráter imperialista do mesmo. Mas não se poderia reprová-los. E quando o khédive Ismail proclama seu objetivo – “tornar o Egito um país europeu” – ele ultrapassa Atatürk em 50 anos e associa essa “europeização” ao renascimento nacional e não à negação do mesmo.
As insuficiências do Nahda (partido político tradicional) em interagir com a cultura da época (sua incapacidade em compreender que a renascença europeia já passara) bem como o caráter “passadista” dominantes nos conceitos do Nahda, sobre os quais já me pronunciei noutros escritos, não são mistério.
Permanece o fato de que é precisamente a visão dominante passadista que vai se impor ao movimento de renovação nacional ao fim do século XIX. Tenho proposto uma explicação: a derrota do projeto “modernista” que ocupara o primeiro plano da cena de 1800 a 1870 levou ao mergulho do Egito na regressão. Porém a ideologia da recusa desse declínio se cristalizou nesse momento de regressão, com todas as taras implicáveis. Os fundadores do novo Partido Nacional (Al hisb al watani) no fim do século XIX, Moustapha Kamal e Mohamed Farid, escolheram o passadismo como eixo central de seu combate, como que testemunhando entre outras coisas suas ilusões “otomânicas” (a de se apoiarem em Istambul ante os ingleses).
A História provaria a falta de senso dessa escolha. A revolução nacional e popular de 1919 a 1920 não foi chefiada pelo Partido Nacionalista e sim por seu adversário “modernista”, o partido liberal nacionalista Wafd. Taha Hussein retomou também o slogan do khédive Ismail: “europeizar” o Egito, sustentar, para esse fim, a nova universidade e marginalizar o al Azhar (um dos principais centros de teologia islâmica do mundo).
A tendência passadista herdada do Partido Nacionalista rumou então para a insignificância. Seu líder, Ahmad Hussein, nada mais foi em 1930 que o chefe de um partido minúsculo e, ademais, atraído pelo fascismo. Contudo essa tendência irá se mostrar de novo fortemente presente entre os oficiais livres que deporiam o rei em 1952.
As ambiguidades do projeto nasseriano são o produto desse recuo no debate sobre a natureza do desafio. Nasser tenta associar uma certa modernização –, novamente nada desprezível, pois fundada sobre a industrialização – à sustentação das ilusões passadistas. Pouco importa que o projeto nasseriano se inscreva doravante – ou pense se inscrever – numa perspectiva “socialista” evidentemente desconhecida no século XIX. Sua atração pelo culto ao passado continua presente. Suas opção tangem à “modernização da Universidade de Azhar” à qual tenho feito crítica por testemunho.
No Egito o conflito entre as visões “modernistas universalistas” de uns e as “passadistas integrais” de outros ocupa sempre o primeiro plano da cena. Os primeiros são doravante defendidos principalmente pela esquerda radical (no país a tradição comunista foi poderosa nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial) representada pelas classes médias esclarecidas, pelos sindicatos de operários e ainda mais pelas novas gerações. O passadismo descambou ainda mais para a direita, com os irmãos muçulmanos. Ele adotou posições extremas da mais arcaica interpretação do Islã promovida pela Arábia Saudita (o wahhabismo, movimento religioso muçulmano surgido na Arábia Central em meados do século XVIII).
Poder-se-ia sem grande dificuldade ressaltar de novo o contraste entre essa evolução que aprisiona o Egito no impasse e a via adotada pela China depois de rebelião de Taiping, reprisada e aprofundada pelo maoismo: a construção do futuro passa pela crítica radical do passado. “A emergência” no mundo moderno e, por decorrência, a elaboração de respostas eficazes ao desafio, inclui o engajamento na via de democratização, à qual proporei as linhas mestras mais adiante neste texto. Tais resposta são assim condicionadas pela recusa de fazer do passadismo o eixo central da renovação.
Não é portanto um acaso se a China se situa na vanguarda dos países “emergentes” de hoje. Não é igualmente um acaso se, na região do Oriente Médio, é a Turquia e não o Egito que faz parte desse grupo. A Turquia – mesmo a do AKP (partido da justiça e do desenvolvimento turco) “islamita” – se beneficia da ruptura que o kemalismo (doutrina turca de um Estado social moderno) constituíra em seu tempo. Porém a diferença entre a China e a Turquia permanece decisiva: a escolha “modernista” da China se inscreve numa perspectiva que se pretendia “socialista” (e a China se acha em conflito com o hegemonismo dos Estados Unidos, ou seja, com o imperialismo coletivo da tríade), assim essa nação possui uma perspectiva que vincula chances de progresso ao passo que a escolha da “modernidade” da Turquia contemporânea, que não pressupõe sair da lógica da mundialização contemporânea, não tem futuro. Seu aparente sucesso é apenas provisório.
A associação entre a tendência modernista e a tendência passadista é encontrada em todos os países do grande Sul (os periféricos), evidentemente em fórmulas diversificadas. A confusão produzida por essa associação teve uma de suas manifestações mais evidentes na profusão de discursos ineptos concernentes às “formas pretendidas de democracias do passado” idealizadas sem qualquer crítica. A Índia liberta fez assim a apologia do “panchayat” (conselho dos povoados), os muçulmanos da “shura”, os africanos da “árvore da palavra” (local onde, sob a sombra de uma árvore, é transmitida a tradição oral), como se essas formas de vida social do passado tivessem correlação com os desafios do mundo moderno. É a Índia de fato a maior democracia (por número de eleitores) do planeta? A bem do fato essa democracia eleitoral permanece uma farsa, tanto quanto a crítica radical ao sistema de castas (evidente herança do passado) que não alcança o seu propósito: a abolição das castas. A “shura” se mantém como meio para a prática da Sharia, esta interpretada no seu sentido mais reacionário, inimigo da democracia.
Os povos da América Latina são hoje confrontados com este mesmo problema. Compreende-se sem dificuldades a legitimidade das reivindicações “indígenas” desde que se tenha dimensão do que foi o colonialismo interno ibérico. Contudo permanece o fato de que alguns desses discursos indigenistas mostram-se pouco críticos dos passados indígenas em questão. Entretanto outros discursos criam e fazem avançar conceitos que, de forma radicalmente progressista, associam as exigências universalistas e o potencial representado pela evolução das heranças do passado. Os debates bolivianos provavelmente são de uma grande riqueza nesse plano. A análise crítica dos discursos indigenistas em foco feitas por François Houtart (El concepto de Sumai Kwasai) clareia a nossa visão. A ambiguidade da questão é resolvida por esse notável estudo que passa em revista aquilo que me parece constituir a totalidade provável do discurso sobre o sujeito.
A contribuição – negativa – do passadismo para a construção do mundo moderno tal qual ele é não vem como apanágio dos povos periféricos. Na Europa, além do seu quadrante nordeste, as burguesias eram demasiado fracas para se engajar nas revoluções como na Inglaterra ou na França. O objetivo “nacional” – particularmente na Alemanha e na Itália, porém mais tarde também extensivo ao Leste e ao Sul do continente – serviu como meio de mobilização e de cenário ante compromissos que mesclavam valores burgueses aos dos antigos regimes. O passadismo aí mobilizado não era da natureza “religiosa” e sim «étnica” fundado sobre uma definição etnocêntrica (Alemanha) ou na leitura mitológica da história romana (Itália). E lá estava o desastre – o fascismo e o nazismo – para ilustrar o caráter arqui-reacionário e certamente antidemocrático do passadismo nessas formas “nacionais”.
REFERÊNCIAS:
Referências que podem ajudar o leitor a encontrar o percurso da formação dos conceitos utilizados no texto.
Trabalhos recentes
1. Critique de l’Air du Temps (1997)
– Unité et mutations dans l’idéologie de l’économie politique du capitalisme, pp. 27-46.
– Sur détermination et sous détermination dans l’histoire des sociétés, pp. 47-54.
– Dépérissement de la loi de la valeur et transition au communisme, pp. 63-85.
– L’économie « pure » ou la sorcellerie du monde contemporain, pp. 125-136.
English :
Spectres of capitalism, MR 1998
Unity and changes in the ideology of political economy; overdetermination or underdetermination;withering away of the law of value; pure economics, the contemporary witchcraft
2. Au-delà du capitalisme sénile (2002)
– Le retour de la « belle époque », pp. 11-13.
– Marxisme et keynésianisme historiques, pp. 27-37....
– Socialisation par le marché ou par la démocratie, pp. 37-46.
– La financiarisation, phénomène conjoncturel, pp. 53-58.
– Le nouvel impérialisme collectif de la triade, la militarisation de la mondialisation, l’apartheid à l’échelle mondiale, pp. 75-110.
English :
Obsolescent capitalism, Zed 2003
Return of Belle Epoque ; Historical marxism and historical keynesianism ; Financialization, a temporary phenomenon ; The collective imperialism of the triad.
3. Le Virus libéral (2003)
– La paupérisation et la polarisation mondiale (la nouvelle question agraire, la nouvelle question ouvrière), pp. 35-50.
– L’idéologie de la modernité (la version européenne d’origine et la version nord américaine), pp. 62-106.
English :
The liberal Virus, Pluto 2004
Pauperization, the new agrarian question, the new conditions for the working class; ideology of modernity.
4. Samir Amin et Ali El Kenz, Le monde arabe, enjeux sociaux (2003), pages 5-71.
English :
Europe and the Arab World, 2005
Egalement : Samir Amin et Karim Mroué, Communistes dans le monde arabe (2006)
5. Pour un Monde multipolaire (2005)
– Le drame des grandes révolutions, pp. 210-211
– Le poids de l’impérialisme, stade permanent du capitalisme, dans l’expansion mondiale du capitalisme, pp. 211-230.
English :
Beyond US hegemony, Zed 2006
The drama of great revolutions; Imperialism and the global expansion of capitalism.
6. Pour la cinquième Internationale (2006)
(diversités héritées et diversité dans la création du futur, la convergence dans la diversité)
English :
The world we wish to see, MR 2008
Convergences in diversity.
7. Du capitalisme à la civilisation (2008)
– La contribution du maoïsme, pp. 49-53.
– Logique formelle et dialectique matérialiste pp. 75-77.
– La productivité du travail social, pp. 82-95.
– De la loi de la valeur à la valeur mondialisée, pp. 95-98.
– Économie de marché ou capitalisme des oligopoles, pp. 125-138.
– La multitude expression maladroite du bloc hégémonique du capital, pp. 187-193.
– Sur le front culturel, en arrière toute, pp. 203-209.
– Pas de démocratie sans progrès social, pp. 210-222.
English :
From Capitalism to civilisation ; Tulika 2010
Contribution of Maoism; Formal logics or materialistic dialectics; Productivity of social labour; the globalized law of value; Market economy or capitalism of the oligopolies; critique of the multitude; On the cultural front, full speed backward; No democracy without social progress
8. L’Eurocentrisme, Modernité, Religion, Démocratie, Critique de l’eurocentrisme, critique des culturalismes (2008).
– Raison et émancipation, pp. 9-19.
– Flexibilité des interprétations religieuses, pp. 19-42.
– Hellénisme, Christianisme, Islam, Bouddhisme, Confucianisme, pp. 101-137.
English :
Eurocentrism, modernity, religion and democracy ; MR 2009
Reason and emancipation; the flexibility of religions; Hellenism, Christianity, Islam, Buddhism, Confucianism.
9. L’Éveil du Sud (2008)
Réponses du Sud aux défis : le monde arabe, du nationalisme radical à l’Islam politique ; Néocolonialismes et socialismes africains ; L’Asie entre le capitalisme triomphant et l’impasse ; L’Amérique latine : fin de la doctrine Monroe ?, Le monde du socialisme réellement existant.
10. La crise, sortir de la crise du capitalisme ou sortir du capitalisme en crise ? (2009)
D’une crise à l’autre ; la financiarisation ; l’accumulation par dépossession ; les réformes foncières nécessaires ; humanitarisme ou internationalisme
English :
Ending the crisis of capitalism or ending capitalism ; Pambazuka 2011
From one long crisis to the other; accumulation by dispossession; Humanitarianism or internationalism of peoples?
11. La loi de la valeur mondialisée (2011)
La rente des monopoles, la rente impérialiste, aux origines de Bandoung
English :
The law of value worldwide, MR 2010
The monopoly rent, the imperialist rent; At the origins of Bandung (pages 121 and fol).12. Délégitimer le capitalisme (2011)
La financiarisation indissociable du capitalisme des monopoles
13. Demba Moussa Dembélé, Samir Amin, intellectuel organique au service de l’émancipation du Sud (2011)
-La trajectoire historique du capitalisme (chap 12)
-Pour une histoire authentiquement globale (chap 15)
-Initiatives indépendantes du Sud (chap 17)
14. Le monde arabe dans la longue durée , le printemps arabe (2011)
15. English only :
Global History, a view from the South ; Pambazuka 2011
Références plus anciennes
Samir Amin, André Gunder Frank, Réflexions sur la crise économique mondiale, n’attendons pas 1984 (1978).
Classes et Nations (1979)
– Les formations communautaires, p. 46 et suivantes.
– Les formations tributaires, p. 54 et suivantes.
– Réflexions sur la transition d’un mode à l’autre : « révolution ou décadence », pp. 238-245
English :
Let’s not wait for 1984, in , Reflections on the world economic crisis, MR Press 1981
Class and Nation ; MRPress 1980
Communautarian social formations, tributary social formations ; Transitions : decadence or revolutions.
Articles majeurs récents
Revues :
Marx et la démocratie ; La Pensée, n° 328, 2001.
Cinquante ans après Bandoung ; Recherches Internationales n° 73 – 04, 2004.
Empire et Multitude ; La Pensée n° 343, 2005.
Vers une théologie islamique de la libération ; La Pensée n°342 , 2005
L’Islam, une théocratie sans projet social, La Pensée, n° 351, 2007
Pour des initiatives indépendantes des pays du Sud, Utopie critique, n°50, 2010
Capitalisme transnational ou impérialisme collectif ? ; Recherches Internationales, n°89, 2011
L’internationale de l’obscurantisme ; Contradictions, déc 2011
English :Spectres of capitalism, MR may 1998
History conceived as an eternal cycle, Review, n°3, 1999
Post maoist China, Review n°4, 1999
Imperialism and globalization, MR june 2001
Confronting the Empire, MR aug 2003
US imperialism, Europe and the Middle East, MR n°6, 2004
Empire and Multitude, MR nov 2005
China, market socialism and US hegemony, Review n°3, 2005
Samir Amin interviewed by A A Dieng, Development and Change, n°6, 2007
Political Islam in the service of imperialism, MRdec 2007
Market economy or oligopoly finance capital? , MR april 2008
Seize the crisis, MR dec 2009
Capitalism and the ecological footprint, MR oct 2009
The trajectory of historical capitalism, MR feb 2011
Sites web :
Critique du Rapport Stiglitz, Les réponses du Nord à la crise, Doc Français et anglais, site Pambazuka, 2009 et 2010 ;
Autres auteurs cités
Elmar Altvater, The Plagues of Capitalism, 2008.
Luciana Castellina, présentations orales.
Étiemble, L’Europe chinoise, 1988.
Isabelle Garo, Marx, un critique de la Philosophie, 2000.
Rémy Herrera, Les experiences révolutionnaires de l’Amérique latine
Rémy Herrera, Un autre capitalisme n’est pas possible, Syllepse
François Houtart, Délégitimer le capitalisme ; ed Colophon , Bruxelles 2005
François Houtart, Les agro carburants, solution pour le climat ou sortie de crise pour le capitalisme ?
Couleur Livre, Charleroi, 2009.
François Houtart, El concepto de Sumak Kwasai (Buen vivir)
Ernesto Laclau, On populist reason; Verso, 2007
Rudolf Rocker, Nationalisme et culture ; ed Libertaires, 2008
(la réforme protestante, pages 103-117)
Rafael Uzcategui, Le Venezuela, révolution ou spectacle ?; Spartacus 2011
Michel Winock, Le siècle des intellectuels, Seuil 1999