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"No Brasil, só Luiz Carlos Prestes está credenciado suficientemente para falar em nome da esquerda", declara o escritor Jorge Amado — O problema da anistia e do reconhecimento da URSS — O que o povo deve à Fôrça Expedicionária Brasileira.
Prosseguindo em nosso inquérito entre intelectuais, a reportagem da "Folha da Noite" ouviu o escritor Jorge Amado, que nos declarou o seguinte:
— "Toda e qualquer opinião expressa por mim neste momento tem um caráter puramente pessoal. Escritor e homem da esquerda, falo nesta condição, mas devo, declarar de início que em nome da esquerda como fôrça e corrente do pensamento político unicamente um homem, no Brasil, está credenciado suficientemente para falar, enquanto o seu partido não estiver legalizado: Luiz Carlos Prestes.
É êle que encarna e simboliza para o povo brasileiro as fôrças da esquerda do pais. E nada mais justo do que isso, já que Prestes, que era de há muito um líder nacional da maior projeção, cresceu extraordinàriamente no conceito de todo o povo brasileiro devido à dignidade coragem e firmeza com que atravessou êstes nove anos de prisão. Dêle é que virá a palavra definitiva sôbre a posição da esquerda ante as eleições.
Todo o povo brasileiro espera que seja permitido a Prestes falar pois não se compreenderia que um líder da sua projeção e da sua importância ficasse inibido de participar da solução democrática para a qual se encaminham os problemas internos brasileiros.
— E que pensa sôbre a anistia pergunta o repórter.
— "É claro que a anistia se impõe como a reivindicação mais sentida imediatamente pelo povo. Anistia ampla que seja capaz de fazer esquecer os antigos ressentimentos, medida pacificadora de toda a família brasileira, que integre novamente na vida nacional todos aqueles que dela foram segregados por atividades políticas. Esta anistia deve estender-se não só aos anti-fascistas e liberais condenados e exilados como também aos integralistas que participaram do golpe de 38. Apenas aquêles que foram condenados por atividades contra a pátria em guerra, os espiões e quinta-colunas devem ser excetuados.
— Aliás, pode-se dizer que o processo da anistia já começou, pois a vinda para o Brasil, agora anunciada de Anita Leocadia Prestes, criança brasileira que nasceu num campo de concentração da Gestapo, na Alemanha, e passou até hoje exilada, sem nunca ter visto o pai, sem saber de sua mãe, já é uma vitória da campanha da anistia. Todo o povo brasileiro reclamava a volta ao Brasil da filha, das irmãs e da mãe de Prestes. Infelizmente essa grande figura de brasileira que se chamou Leocadia Prestes já não verá seu filho. A sua morte no exílio torna ainda mais comovente o drama da criança Anita. É necessário que todo o povo brasileiro receba e cerque do maior carinho a filha de Prestes, inocente vítima do fascismo. Convido as mães brasileiras e todo o povo a organizarem a recepção de Anita. Ela deve ser recebida como uma filha querida do povo".
— "O reconhecimento da União Soviética, é preciso que se esclareça, não é apenas uma resultante dos acontecimentos políticos. É também, e muito, uma reivindicação popular. O nosso povo sempre admirou e estimou o povo soviético, mesmo quando êste lhe era apresentado pela quinta-coluna como uma súcia de bandidos, inimigos do Brasil. O povo jamais acreditou nesta versão fascista e sempre foi pelas relações com a URSS. É necessário que isto fique claro. Assim sendo, acredito que chegou o momento de uma campanha de esclarecimento popular sôbre o que na realidade é a União Soviética".
— Que nos diz da F.E.B?
— "Devemos à Força Expedicionária Brasileira as conquistas democráticas que começamos a concretizar. Foram os homens que se batem na Itália pela democracia que possbilitaram os momentos que estamos vivendo e que deram ao Brasil o prestigio internacional de que êle goza atualmente, prestigio que cria também enorme responsabilidade. Não devemos esquecer os expedicionários um só minuto. Eles são a garantia de um Brasil próspero, progressista e democrático. Mais do que nunca faz-se necessário, que o povo apoie os soldados brasileiros que lutam na Itália.
Em tôrno dêsses três fatores democráticos tão sentidos pela massa: Fôrça Expedicionária, anistia, reconhecimentos da URSS, deve se congregar o povo num grande organismo. Que em cada bairro, em cada rua, em cada fábrica, em cada estabelecimento de ensino, se formam comitês pelo Corpo Expedicionário, pela anistia, pelo reconhecimento da União Soviética. É necessário que a democratização do Brasil não se reatrinja a uma simples agitação em tôrno de candidaturas. É necessário que todo o povo participe dêsse processo de democratização porque assim estaremos educando politicamente o Brasil e garantindo a preservação futura das conquistas democráticas que resultem dêste momento".
— E falando sôbre as eleições:
— "As eleições são, evidentemente, apenas o comêço — se isso seja da maior importância — do processo de democratização. Até agora apenas um candidato é conhecido: o brigadeiro Eduardo Gomes, mas até o momento, o seu programa ainda não foi divulgado. O que penso pessoalmente sôbre o brigadeiro Eduardo Gomes já o escrevi num livro publicado em Buenos Aires em 1942, ainda inédito no Brasil: "Vida de Luiz Carlos Prestes". Muito antes de imaginar que o brigadeiro viria a ser candidato à presidência da República, escrevi sôbre êle, marcando a importância da sua figura a da sua atuação. No entanto, mais importante que os homens, são os programas e os princípios. E é isso que todos esperamos conhecer das diversas correntes políticas. De qualquer maneira deve ficar claro que o govêrno eleito pela maioria do povo deve ter como tarefa primordial unificar todos os brasileiros de boa vontade para a solução dos grandes problemas do após-guerra. E um dos elementos unificadores do povo será sem dúvida um grande partido que seja a vanguarda esclarecida da classe operária e da massa popular. Um partido que reflita e defenda as aspirações dos operários e do povo e que seja um fator de educação política. As massas operárias têm reivindicações próprias, que só podem ser devidamente expressas através de um partido que a represente. A legalidade dêsse partido é outra necessidade do processo democrático brasileiro. A sua existência afastará as confusões criadas pela quinta-coluna. E como, no terreno internacional, Stalin, Roosevelt e Churchill encontraram um caminho unitário para a solução dos problemas do mundo, assim, as fôrças de esquerda e todas as demais fôrças democráticas interessadas na emancipação econômica do Brasil e na sua democratização encontrarão um caminho unitário para a solução dos problemas brasileiros".
— "Volto a insistir na necessidade de que seja permitido a Prestes dirigir-se ao povo brasileiro. Enquanto esperamos a anistia, Prestes deve ter o direito de falar ao povo como já o tiveram os ilustres senhores Armando Salles de Oliveira e Octavio Mangabeira, também condenados pelo condenado Tribunal de Segurança. Só Prestes, neste momento pode dar a palavra definitiva da esquerda".
| Inclusão | 20/12/2015 |