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Primeira Edição: Discurso pronunciado em ocasião do 38º aniversário do PS
Fonte: https://medium.com/@Marighella/o-partido-é-casa-escola-e-trincheira-1971-736c72ff602e
Tradução: Leonardo Lamarca - da versão disponível em https://www.marxists.org/espanol/allende/1971/abril19.htm
HTML: Fernando Araújo.
Queridas companheiras, queridos companheiros socialistas:
Vocês compreendem que é difícil para mim, apesar de ser um jovem de 62 anos, falar esta noite frente a vocês e sabendo que ao longo da Pátria, em suas casas modestas e humildes, nas cordilheiras, no litoral, nos pampas ou na estepe, centenas e milhares de socialistas nos escutam.
Para mim é difícil fazer um discurso que não possa ser essencialmente político, após as intervenções profundas, de grande conteúdo, que Rolando Calderón, Carlos Altamirano e Gustavo Ruz fizeram. Eu simplesmente quero falar como o mais velho dos camaradas que cumpre uma tarefa que vocês e a Unidade Popular lhe deram.
Com que orgulho posso recordar, porque o partido me formou e porque a Unidade Popular fortaleceu meus princípios, posso recordar que, em uma noite de aparente derrota em 1964, dirigindo-me às pessoas, eu disse que derrotado ou triunfante eu seria o mesmo: o companheiro Allende. E hoje eu sou o Companheiro Presidente.
Homem nascido em um setor da burguesia, por convicção intelectual e pela carreira que escolhi me fundi com a dor e o sofrimento do povo, e estive com ele em todas as batalhas, e eu fui, pela vontade do povo unido, capitão de sua esperança, até o triunfo de 4 de setembro, o que implica tornar possível a revolução chilena em nossa Pátria.
O camarada Ruz fez bem em lembrar que sempre afirmei que o melhor que tenho o devo ao Partido, à Unidade Popular e às pessoas. Ao Partido que é casa, escola e trincheira, onde todos nós entregamos algo e recebemos muito, acima de tudo. E aqueles militantes anônimos que nunca tiveram a chance de se destacar, mas que são as mãos anônimas que, unidas e entrelaçadas, dão força e vigor ao Partido Socialista. Portanto esta noite minha recordação agradecida é para eles, minha lembrança emocionada é para aqueles que caíram, levando em sua retina a memória das lutas em que participaram. Eles não estão ausentes. Eles estão presentes aqui e na vitória popular, e a obrigação suprema que todos temos, o compromisso com a nossa consciência, com o povo e a história, a homenagem aos revolucionários caídos, é cumprir incansavelmente o programa revolucionário da Unidade Popular.
É por isso que eu quero dizer-lhes, meus colegas socialistas, reafirmando o que com eloquência e clareza disse o companheiro secretário-geral: o partido, que recebeu o respaldo da vontade expressada nas urnas neste 4 de abril, nunca pode se sentir dono do futuro e terá que entender que na Unidade Popular tem estado a possibilidade da vitória, que na Unidade Popular está o instrumento para construir o amanhã e que na Unidade Popular está a barreira intransponível para defender o Governo e o povo do Chile em sua grande tarefa revolucionária.
Logo, como militante socialista e Companheiro Presidente do Chile, não posso pedir outra coisa a vocês, meus irmãos na idéia e na ação, para tornar o Partido um instrumento duro, firme e incisivo, que o partido seja monolítico no que diz respeito ao pensamento ideológico, mas que haja uma democracia interna autêntica e ampla, que permita a dissensão na vida do partido, com respeito à opinião de qualquer companheiro: mas que, fora da vida do partido, não haja senão socialistas defendendo a linha, as táticas e a estratégia do partido e da Unidade Popular. Temos que fazer nosso o antigo axioma daqueles anarquistas que diziam: “A agressão a um, é agressão a todos”. Assim quero o partido, um partido duro, incisivo, flexível e combatente, com centralismo democrático e autêntica consciência revolucionária.
Então precisamos disso, especialmente se medimos a grande responsabilidade que os socialistas têm por ser o partido do Companheiro Presidente e por termos tido um voto tão significativo no último ato eleitoral. Mas o partido tem que entender que alcançamos o triunfo pela unidade e que com a unidade tornaremos possíveis as grandes e profundas transformações que o Chile reivindica e precisa. Todos devemos entender que a tarefa histórica em que nos envolvemos transcende as fronteiras do nosso país e, como já disse muitas vezes, se os setores reacionários nos observam de forma agressiva de dentro e de fora, existem milhões e milhões de homens e mulheres na América Latina e de outros continentes que olham com carinho, paixão, solidariedade fraterna, a batalha em que estamos empenhados.
A via chilena obedece às características do nosso país, a nossa história e a nossa realidade como povo. Um momento atrás, quando Carlos Altamirano recebeu o presente de uma seção, que é nada menos que um retrato do imortal comandante Guevara, lembrei-me de ter o privilégio de ser seu amigo e que em um livro que me dedicara, Guerra de Guerrilhas, colocou uma dedicatória que indica a clareza, o pensamento amplo e a visão de Ernesto Che Guevara. Nessa dedicação, ele disse: “A Salvador Allende, que por outros meios tenta obter o mesmo. Afetuosamente, Che”. Ele entendeu perfeitamente o que era o Chile e as perspectivas que foram abertas para o nosso povo, de acordo com a nossa própria realidade e por isso é bom lembrar que os pensadores revolucionários, Engels, por exemplo, disseram: “Doutrina não é um dogma, é um guia para a ação”, e Lênin, o pensamento revolucionário mais destacado do socialismo, afirmou que “a revolução não se exporta, mas obedece à realidade e às condições determinadas da sociedade e que cada povo deve procurar seu próprio caminho para o socialismo”, o qual, por certo, nunca excluiu do pensamento de Lênin a solidariedade proletária que atravessa a fronteira e que faz a luta de um povo que busca o caminho da sua libertação seja a luta de todos os povos que também procuram a libertação. E se eu tive a sorte de conversar com Ernesto Che Guevara, e se posso dizer que sou amigo de Fidel Castro, com emoção que não esqueço aqui, posso dizer-lhes que talvez eu tenha sido o último dos políticos latino-americanos que recebeu esse velho sempre jovem, esse estadista e esse guerrilheiro, esse poeta e esse filósofo, Ho Chi Minh, e eu lhe brindo uma homenagem na presença aqui dos camaradas que, vindo de tão longe, nos trazem o exemplo de seu heroísmo e a fé vitoriosa de um povo.
Somente um povo disciplinado e consciente, com um alto nível político, será capaz de fazer o que queremos e precisamos fazer. E os socialistas têm a obrigação de fazer deste ano, o ano da discussão ideológica, da elevação do nível político de todos os nossos quadros e nossas militâncias, para levar-la junto com os outros partidos para as grandes massas chilenas; para que ninguém esteja ausente do diálogo e da grande tarefa coletiva que temos. Somente um povo consciente poderá executar, realizar e construir a nova sociedade; apenas um povo mobilizado organicamente, vigilante, poderá parar a tentativa de surgir em mentes perdidas para tentar minar nossa estabilidade. Somente um povo com um exemplo de maturidade também fará com que as Forças Armadas e os Carabineros compartilhem o que representa o Chile que desejamos e do qual não podem estar ausentes.
Devemos entender perfeitamente o que essas forças profissionais representam, que respeitam a disciplina da lei e da Constituição; e devemos perceber o que significam nesta fase de transição, forças organizadas para um estado diferente, que compreendem a necessidade de mudanças, que exemplarmente cumprem suas obrigações profissionais e, mais do que isso, que percebam que as pessoas desejam que eles estejam conosco, não só na defesa da independência e soberania do Chile, mas também na defesa das fronteiras econômicas da Pátria.
Por isso, camaradas socialistas e pessoas do Chile, eu os chamo, com a paixão de um antigo militante da revolução socialista, para que apertemos as fileiras, tenhamos uma atitude exemplar de responsabilidade, não percamos a calma, não nos deixemos provocar, mas que tampouco retardemos o passo. Temos que compensar o tempo perdido e corrigir muitas feridas e aliviar muita dor: temos de fazer do Chile um cadinho de esforço; temos que fazer da Pátria um laboratório de idéias; temos que incorporar o processo de desenvolvimento, técnica e ciência, de onde quer que venha; temos que nos orgulhar de ser chilenos, mas também lutar pela emancipação do nosso continente; temos que ser homens e mulheres do presente, para podermos construir o futuro com nossas próprias mãos.
Portanto, nesta tarefa que é a Unidade Popular, o Partido Socialista, meu partido, o armazém político que com outros já formara, tem a obrigação de ter uma atitude exemplar, ser o primeiro nas frentes de luta e combate , o primeiro no estudo, o primeiro em solidariedade, o primeiro no trabalho e o primeiro a defender a revolução chilena, camaradas!