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Pronunciado: na manhã de 5 de setembro de 1970, da sacada do edifício da Federação dos Estudantes do Chile em Santiago.
Fonte: texto da seção em espanhol do MIA.
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Com profunda emoção lhes falo desta tribuna por meio destes pobres alto-falantes! Que significativa é – mais do que as palavras – a presença do povo de Santiago que, representando a imensa maioria dos chilenos, se congrega para reafirmar a vitória que alcançamos limpamente no dia de hoje, vitória que abre um caminho novo para a pátria, e cujo principal ator é o povo do Chile aqui congregado. Que extraordinariamente significativo é que eu possa me dirigir ao povo do Chile e ao povo de Santiago, a partir da Federação dos Estudantes. Isto possui um valor e um significado muito grandes. Nunca um candidato triunfante pela vontade e o sacrifício do povo usou uma tribuna que tivera maior importância. Porque todos nós sabemos: a juventude da pátria foi a vanguarda nesta grande batalha, que não foi a luta de um homem, mas sim a luta de um povo; essa é a vitória do Chile, alcançada limpamente esta tarde.
Eu lhes peço que compreendam que sou tão somente um homem, com todas as fraquezas e debilidades que tem um homem; e se pude suportar – porque cumpria uma tarefa – a derrota de ontem, hoje, sem soberba e sem espírito de vingança, aceito este triunfo que nada tem de pessoal e que devo à unidade dos partidos populares, às forças sociais que tem estado junto conosco. Devo aos radicais, socialistas, comunistas, sociais-democratas, à gente do MAPU e do API, e aos milhares de independentes. Eu devo ao homem anônimo e sacrificado de nossa pátria; eu devo à humilde mulher de nossa terra. Eu devo este triunfo ao povo do Chile, que entrará comigo em La Moneda no dia 4 de novembro.
A vitória alcançada por vocês tem uma grande importância nacional. Desde já declaro, solenemente, que respeitarei os direitos de todos os chilenos. Mas também declaro, e quero que saibam definitivamente, que ao chegar a La Moneda, e sendo o governo do povo, cumpriremos o compromisso histórico que fizemos, de converter em realidade o programa da Unidade Popular.
Disse-lhes: não temos e nem poderíamos ter nenhum propósito pequeno de vingança, tampouco, de nenhuma maneira, vamos esmorecer, vamos negociar o programa da Unidade Popular, que foi a bandeira do primeiro governo autenticamente democrático, popular, nacional e revolucionário da história do Chile.
Disse, e devo repeti-lo: se a vitória não era fácil, difícil será consolidar nosso triunfo e construir a nova sociedade, a nova convivência social, a nova moral e a nova pátria.
Porém eu sei que vocês, que fizeram o povo ser o governo de amanhã, terão a responsabilidade histórica de realizar o que o Chile anseia para converter nossa pátria em um país precursor em progresso, justiça social, e nos direitos de cada homem, de cada mulher, de cada jovem de nossa terra.
Conseguimos triunfar em derrotar definitivamente a exploração imperialista, para terminar com os monopólios, para fazer uma séria e profunda reforma agrária, para controlar o comércio de importação e exportação, para nacionalizar, em fim, o crédito, todos estes pilares que tornarão factível o progresso do Chile, criando um capital social que impulsionará nosso desenvolvimento.
Por isto, esta noite, que pertence à História, neste momento de júbilo, eu expresso meu emocionado reconhecimento aos homens e mulheres, aos militantes dos partidos populares e integrantes das forças sociais que tornaram possível esta vitória que tem projeções que vão além das fronteiras da própria pátria.
Para os que estão nos pampas ou nas estepes, para os que escutam no litoral, para os que trabalham nas pré-cordilheiras, para a simples dona de casa, para o professor universitário, para o jovem estudante, o pequeno comerciante e industrial, para o homem e a mulher do Chile, para o jovem de nossa terra, para todos eles, o compromisso que assumo perante minha consciência e perante o povo – ator fundamental desta vitória – é o de ser autenticamente leal aos objetivos comuns e coletivos. Já lhes disse: meu único desejo é ser para vocês o companheiro presidente.
Foram o homem anônimo e a ignorada mulher do Chile os que tornaram isso possível, este importante feito social. Milhares e milhares de chilenos expressaram sua dor e sua esperança nesta hora que ao povo pertence. Desde outras fronteiras, desde outros países, se vê com satisfação profunda a vitória alcançada. O Chile abre um caminho que outros povos da América e do mundo poderão seguir. A força vital da unidade romperá os diques das ditaduras e abrirá o caminho para que outros povos possam ser livres e possam construir seu próprio destino.
Somos suficientemente responsáveis para compreender que cada país e cada nação têm seus próprios problemas, sua própria história e sua própria realidade. Frente a essa realidade serão os dirigentes políticos destes povos que adequarão a tática que deverá ser adotada. Nós só queremos ter as melhores relações políticas, culturais, econômicas, com todos os países do mundo. Só pedimos que respeitem – terá que ser assim – o direito do povo do Chile de ter o governo da Unidade Popular.
Somos e seremos respeitosos com a autodeterminação e a não-intervenção. Isto não significará calar nossa adesão solidária com os povos que lutam por sua independência econômica e por dignificar a vida do homem nos diversos continentes.
Só quero concretizar, ante a história, o importante feito que vocês realizaram, derrotando a soberba do dinheiro, a pressão e a ameaça; a informação mentirosa, a campanha de terror, da intriga e da maldade. Quando um povo é capaz disto, será capaz também de compreender que só trabalhando mais e produzindo mais poderão fazer com que o Chile progrida e que o homem e a mulher de nossa terra, o casal humano, tenham o autêntico direito ao trabalho, à moradia, à educação, ao descanso, à cultura e à recreação.
Colocaremos toda a força criadora do povo em tensão, para tornar possíveis estas metas humanas que o programa da Unidade Popular traz.
Juntos, com o esforço de vocês, vamos realizar as mudanças que o Chile reclama e necessita. Vamos fazer um governo revolucionário.
A revolução não implica destruir, mas sim construir, não implica arrasar, mas sim edificar; e o povo do Chile está preparado para esta grande tarefa nesta hora tão importante de nossas vidas.
Companheiros e companheiras, amigas e amigos. Como havia desejado que os meios materiais de comunicação me tivessem permitido falar mais largamente com vocês, e que cada um tivesse ouvido as minhas palavras, úmidas de emoção, porém, ao mesmo tempo, firmes na convicção da grande responsabilidade que todos temos e que eu assumo plenamente. Eu lhes peço que esta manifestação sem precedentes se converta na demonstração de consciência do povo.
Vocês se retirarão às suas casas sem que haja o menor indício de provocação e sem deixar provocar-se. O povo sabe que seus problemas não se solucionarão rompendo vidros ou golpeando um automóvel. Aqueles que disseram que no dia de amanhã os distúrbios iriam caracterizar nossa vitória, se encontrarão com a consciência e a responsabilidade de vocês. Irão ao seu trabalho amanhã ou na segunda-feira, alegres e cantando; cantando a vitória tão legitimamente alcançada, cantando ao futuro. Com as mãos calejadas do povo, as ternas mãos da mulher e a risada das crianças, faremos possível a grande tarefa que só um povo consciente e disciplinado poderá realizar.
A América Latina e mais além da fronteira de nosso povo, olham para nosso amanhã. Eu tenho plena fé que seremos suficientemente fortes, suficientemente serenos e fortes, para abrir o caminho vitorioso para uma vida distinta e melhor; para começar a caminhar pelas esperançosas alamedas do socialismo, que o povo do Chile irá construir com suas próprias mãos.
Reitero meu agradecido reconhecimento aos militantes da Unidade Popular, aos que integram os partidos Radical, Comunista, Socialista, Social-Democrata, MAPI e API e aos milhares de independentes de esquerda que estiveram conosco. Expresso meu afeto e também meu reconhecimento agradecido aos companheiros dirigentes destes partidos, que, por sobre as fronteiras de suas próprias coletividades, fizeram possível a fortaleza desta unidade que o povo fez sua. Porque o povo fez sua que foi possível a vitória, que é a vitória do povo.
O fato de que estamos esperançosos e felizes, não significa que iremos nos descuidar da vigilância: o povo, este fim-de-semana, tomará a pátria pela cintura e bailaremos desde Arica a Magallanes, e desde a cordilheira ao mar, um grande carnaval, como símbolo da saudável alegria de nossa vitória.
Porém, ao mesmo tempo, manteremos nossos comitês de ação popular em atitude vigilante, em atitude responsável, para estarmos dispostos a responder a um chamado – se for necessário – unindo o comando da Unidade Popular. Chamado para que os comitês de empresas, de fábricas, de hospitais, de associações de vizinhos e nos bairros e nas populações proletárias, vão estudando os problemas e as soluções; porque, sob pressão, teremos que por o país em marcha. Eu tenho fé, profunda fé, na honradez, na conduta heróica de cada homem e de cada mulher que fez possível esta vitória.
Vamos trabalhar mais. Vamos produzir mais.
Porém, trabalharemos mais para a família chilena, para o povo e para o Chile, com orgulho de sermos chilenos e a convicção de que estamos cumprindo uma grande e maravilhosa tarefa histórica. Como sinto no íntimo de minha fibra de homem, como sinto nas profundidades humanas de minha condição de lutador, o que cada um de vocês me entrega. Isto que hoje germina é uma larga jornada. Eu só tomo em minhas mãos a tocha que acenderam os que antes de nós lutaram junto ao povo e pelo povo.
Devemos tributar este triunfo em homenagem aos que caíram nas lutas sociais e regaram com seu sangue a fértil semente da revolução chilena que vamos realizar.
Quero, antes de terminar, e é honesto fazê-lo assim, reconhecer que o governo divulgou os números e os dados de acordo com os resultados eleitorais. Quero reconhecer que o chefe de praça, general Camilo Valenzuela, autorizou este majestoso ato, com a convicção e a certeza, dadas por mim, de que o povo se congregaria, como está aqui, em atitude responsável, sabendo que conquistaram o direito de serem respeitados; respeitados em sua vida e respeitados em sua vitória; o povo sabe que entrará comigo em La Moneda no dia 4 de novembro deste ano.
Nunca, como agora, senti o calor humano, e nunca, como agora, o hino nacional teve para vocês e para mim um significado tão profundo. Em nosso discurso dissemos: Somos os herdeiros legítimos dos pais da pátria, e juntos faremos a segunda independência: a independência econômica do Chile.
Cidadãs e cidadãos de Santiago, trabalhadores da pátria: vocês, e somente vocês, são os triunfantes. Os partidos populares e as forças sociais deram uma grande lição, que se projeta mais ao longe, reitero, de nossas fronteiras materiais.
Peço-lhes para irem para suas casas com a saudável alegria da limpa vitória alcançada. Esta noite, quando acariciarem seus filhos, quando buscarem o descanso, pensem no duro amanhã que teremos pela frente, quando teremos que por mais paixão, mais carinho, para fazer cada vez maior o Chile, e cada vez mais justa a vida em nossa pátria.
Obrigado, obrigado, companheiras. Obrigado, obrigado, companheiros. Já lhes disse um dia: o melhor que tenho foi me dado por meu partido, pela unidade dos trabalhadores e a unidade popular.
À lealdade de vocês, responderá a lealdade de um governante do povo; com a lealdade do companheiro presidente.
Início da páginaInclusão | 27/04/2009 |