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Vinte anos atrás Enver Hoxha faleceu. Foi sob sua liderança que a Albânia foi liberta dos invasores estrangeiros, dos fascistas italianos e dos nazistas alemães e, então, por mais de quatro décadas ele estava à frente dos esforços gigantescos de todo o nosso povo para construir uma nova sociedade próspera e avançada, caracterizada pela igualdade e pela justiça social, com base nos ideais do socialismo.
Existem diferentes visões em relação à figura de Enver Hoxha hoje, sua vida e obra. Há aqueles que “pintam” toda a sua atividade de líder da Guerra de Libertação Nacional e da construção socialista com as cores mais escuras imagináveis. Não pretendo aqui discutir com aqueles herdeiros que vêm das fileiras dos Balli Kombëtar e dos Legaliteti que, como colaboracionistas dos fascistas, foram derrotados como tais durante a guerra. Tampouco pretendo me estender com os anticomunistas que estão “na moda” nestes dias, nem com aqueles que durante o regime anterior foram devidamente perseguidos e presos, com ou sem razão. Todos os lados têm seus próprios motivos pessoais, todos estão expressando tanto nos jornais quanto em vários programas de televisão.
Porém, devemos dizer com firmeza e veementemente que toda uma era histórica e seu principal protagonista, Enver Hoxha, não podem ser excluídos e descartados com julgamentos unilaterais motivados por intrigas pessoais. Tal período de nossa história, a guerra que trouxe a libertação da nossa pátria dos invasores estrangeiros e os esforços de todo o povo albanês para construir e proteger a liberdade e a independência do país não podem ser rasgadas como um trapo porque alguém não gosta de Enver Hoxha. Tal atitude não faz nada além de manchar a história de toda a nossa nação.
A mentalidade anti-histórica e subjetiva levaram a tais absurdos. Recentemente, tal posição do Ministro da Defesa [Fatmir Xhafaj] referente ao papel de Enver Hoxha em seu artigo Aos Veteranos da LANÇ(1) é um absurdo e, acima de tudo, constitui um grande insulto para todos aqueles que, durante a guerra, se juntaram às várias unidades guerrilheiras e lutaram pela libertação do país dos invasores estrangeiros junto com seu comandante em chefe. É inconcebível que seja negado uma homenagem a ele como um dos veteranos da Guerra de Libertação Nacional Antifascista.
Escrevi sobre Enver Hoxha nos livros que publiquei, bem como na imprensa. Acredito que o Conselho Editorial do jornal Shekulli deveria completar esse artigo reproduzindo partes do meu livro Duke Biseduar për Shqipërinë(2) publicado na forma de entrevista em 2001.
Theodoros Benakis me pergunta: “sem dúvida, a figura que dominou durante a história da Nova Albânia foi Enver Hoxha. Ele era indiscutivelmente um líder, adorado ao ponto do culto. Você o conheceu intimamente, cooperou com ele e parecia desfrutar de sua total confiança. Qual sua opinião sobre Enver Hoxha hoje?”
Eis que eu o respondo dizendo que por cinco décadas Enver Hoxha foi o principal líder da Albânia, era amado e respeitado pelas amplas massas do povo. Alguns dizem que que essa atitude em massa era imposta, que as pessoas “agiam” como se amassem, mas que na verdade tinham medo dele. Isso não é verdade. As pessoas conheceram Enver Hoxha intimamente em momentos difíceis, como durante a Guerra de Libertação Nacional contra os invasores estrangeiros. Eles o conheceram não por escritos mitológicos, mas o viram com seus próprios olhos nas montanhas da Albânia à frente dos guerrilheiros, os povos abriram as portas de suas casas para ele, deram de comer, deram seu pão a ele.
Enver Hoxha foi o organizador e líder da Guerra de Libertação Nacional Antifascista, guerra que foi coroada com a libertação do país do fascismo. Ele lançou as bases do novo Estado albanês e guiou o povo nas grandes batalhas para tirar o país do atraso secular e construir um futuro melhor.
Enver Hoxha era um homem dotado de uma ampla cultura. Ele pertencia à geração que interligou o período do nosso Renascimento Nacional com os tempos modernos. Enver era uma pessoa que lia muito e muito rápido. De fato, ocupava a sua mente cada vez mais com livros sobre história e política, memórias de figuras históricas importantes no mundo, livros de sociologia entre outros; ele tinha uma memória excepcional, ele se lembrava de qualquer coisa interessante de um livro, assim como se lembrava de pessoas e nomes daqueles que havia lido ou se encontrado. Muitas vezes, nas conversas que tinha, mesmo sobre a vida partidária, ele se recordava dos nomes de camponeses com que havia se juntado à mesa, os quadros e militantes que conhecera. Só com datas e números que não era bom, se confundia, parece que não cansava a cabeça com eles.
Atualmente, quando seus opositores falam no nome de Enver Hoxha, o descrevem como um ditador sanguinário e vingativo, que não pararia por nada nem por nenhuma ameaça. Para dar um verniz de “verdade” as suas acusações, mencionam em particular as deficiências no campo democrático ou os “extremismos” que ocorreram na implementação da luta de classes, as duras atitudes que foram tomadas tanto para os opositores do regime e para aquelas figuras que de alguma forma ou outra não aprovavam a linha de Enver Hoxha.
É claro que durante o período de cinquenta anos da Nova Albânia, vários erros foram cometidos, tanto no campo político quanto no econômico. Enver Hoxha, como o principal líder do partido e do Estado é, naturalmente, responsabilizado por esses erros. Seja pela repressão extrema aos altos escalões do partido, ou mesmo pela “estreiteza” e atitudes mais rígidas no trato da política externa. Porém, o próprio Enver Hoxha com sua “vigilância”, tinha plena convicção dos perigos que a Albânia sofria, principalmente com as conspirações advindas e organizadas pelos estrangeiros.
Dizem atualmente que em seus últimos anos, mais especialmente nos últimos meses de sua vida, a sanidade e a clareza mental de Enver não caminhavam bem. Isso não é verdade. Enver Hoxha sofria de diabetes desde 1948, junto a isso, também sofria de problemas cardíacos desde 1972, desde o momento que sofreu seu primeiro ataque cardíaco. Desde então, sua saúde foi se deteriorando, mas é um fato de que ele jamais se esquivou de seu trabalho. De fato, não há nenhuma reunião do Comitê Central do Partido do Trabalho da Albânia (PTA) que ele não tenha participado, até mesmo reuniões do Birô Político ou do Secretariado do Comitê Central, suas ausências podem ser contadas nos dedos. Eu me encontrei e conversei com Enver um dia antes de sua morte.
Enver Hoxha se destacou como um estadista e um diplomata com rara sabedoria. Ele sempre baseou a política externa da Nova Albânia no principio de preservar a sua plena soberania nacional. Ele insistia que a Albânia deveria ter sua própria voz no mundo, que deveria sempre declarar abertamente seus fins e interesses, sem “guardiões” ou terceiros. Desde o início, ele liderou a luta diplomática a fim de garantir ao novo Estado albanês uma condição de igual ao resto dos Estados e nações que participaram da luta antifascista mundial.
Enver Hoxha sempre era bem informado sobre tudo o que acontecia relacionado à política externa. Ele lia muitos livros que tratavam da história das relações internacionais e, também, do direito internacional, tal qual materiais que debatiam o desenvolvimento da luta nos “pontos de ebulição” do mundo. Sem dúvidas, sua atenção se virou principalmente para o desenvolvimento relacionado ao nosso país, como os demais eventos políticos nos Bálcãs, da bacia do Mediterrâneo e no Oriente Médio. Para chegar a conclusões, ele refletia e debatia constantemente, tirava conclusões e, ao final, escrevia.
Por isso, deve-se afirmar que ele tinha um evidente interesse nos eventos internacionais, e com isso nos apoiamos no fato de que ele pautava frequentemente tópicos relacionados à política externa.
Enver Hoxha tinha uma intuição especial, ele era um excelente estrategista. Uma característica que o distinguia dos demais era a sua capacidade de agir de forma decisiva e no momento certo em eventos especiais. No dia que o Exército Soviético interveio pela força das armas na Tchecoslováquia, em agosto de 1968, Enver, sem a menor hesitação, qualificou esse ato como uma agressão de tipo fascista, como uma ação perigosa que poderia até ameaçar a liberdade e a independência da Albânia.
“Agora — dizia ele — é hora de nosso país, mesmo sob pressão, abandonar esse tratado militar(3) que se transformou em um tratado agressivo, assim como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). De fato, há muito tempo que não fazemos parte dele, porque os revisionistas nos isolaram, porém atualmente, da nossa parte, devemos denunciar abertamente o Tratado de Varsóvia e anunciar a nossa saída dele sob protesto.”
Outro campo em que Enver Hoxha mostrou especial interesse foi o da cultura. Ele constantemente pautava e escrevia muito sobre as questões relacionadas a esse tópico. É fácil para qualquer pessoa imparcial constatar que, na opinião de Enver Hoxha sobre cultura, ele tinha uma paixão honesta e patriótica mesclada com sua formação cultural ocidental, ambas essas características se fundem à sua lógica estrita digna de um pesquisador marxista. Do ponto de vista cultural, Enver Hoxha tinha uma orientação mais ocidental, adquirida não só por ter concluído seus estudos na França, mas por ter acompanhado diariamente o desenvolvimento no campo cultural, da literatura e da arte ocidental.
Enver Hoxha era um defensor apaixonado da herança cultural do nosso país e do mundo. Era inimigo do cosmopolitismo ao mesmo tempo que era da xenofobia. Guardo em minhas anotações uma conversa da qual ele afirma: “A literatura mundial é um tesouro que foi criado ao longo das eras históricas. Assim, uma parte dela não se encaixa nos requisitos modernos. Porém, em sua época, cada obra influenciou o desenvolvimento da sociedade. Portanto, o passado não deve ser ‘substituído’ ou simplesmente descartado, não devemos apenas dizer ‘isso não é mais válido’. Não, cada obra deve ser analisada criteriosamente considerando a época em que foi produzida”.
Quando penso que, apesar disso, na nossa prática artística e literária o acusam de “rigidez”, de ser muito “restritivo” ou até mesmo de praticar censura, não poderia deixar de pontuar que essas atitudes estão em grande parte relacionadas com a própria incompetência de alguns dirigentes do partido e do Estado, bem como com o oportunismo de alguns autores que, para estarem “dentro do aparelho”, foram demasiados regimentares e impuseram visões sectárias. Porém, não posso deixar de pontuar que Enver Hoxha também teve certa responsabilidade por algumas dessas questões. Sob a pressão das situações impostas, pode ter acontecido que Enver Hoxha, em determinados momentos, pudesse ter sido contraditório ou negado as suas convicções anteriores.
Dessa forma, minha opinião é que Enver Hoxha está entre as personalidades mais destacadas que o nosso povo produziu. Apesar do fato de que as paixões e a lógica da vingança anticomunista governam hoje, a história dará a Enver Hoxha o seu lugar de direito. Assim como a Guerra de Libertação Nacional Antifascista do nosso povo contra o fascismo jamais poderá ser esquecida, o nome e o papel histórico de Enver Hoxha na criação e no progresso da Nova Albânia não poderão jamais ser escondido ou apagado.
Nota de rodapé:
(1) Lëvizja Antifashiste Nacionale Çlirimtare (LANÇ): Frente Antifascista de Libertação Nacional (FALN). (retornar ao texto)
(2) Ramiz Alia e Theodoros Benakis: Duke Biseduar për Shqipërinë (Falando Sobre a Albânia); Kurier Ekdotiki, 2000. (retornar ao texto)
(3) Aqui, o camarada Enver Hoxha está se referindo a Organização do Tratado de Varsóvia (OTV). (retornar ao texto)