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Primeira Edição: 1944
Fonte: capítulo inteiro de Dialetica do Esclarecimento
Transcrição: Reinaldo Pedreira
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Na teoria sociólogica opina-se que, a perda do apoio que a religião objetiva fornecia, a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a um caos cultural. Ora, essa opinião encontra a cada dia um novo desmentido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança.
O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema que é uniforme e é semelhante como uma totalidade. Até mesmo as atividades estéticas de oposição política permanecem em sua entusiatica obediência ao ritmo de ferro do sistema. As construções decorativas da gerencia industrial e centros de exibição em países autoritários são muito do mesmo como qualquer outra coisa. Os espigões gigantescos e brilhantes que se elevam por toda a parte são os sinais exteriores do engenhoso planejamento das empresas internacionais, para o qual se precipitava o sistema empresarial (cujos monumentos são os sombrios prédios residenciais e comerciais de nossas cidades sem alma) como já sabido. Mesmo agora as moradias mais antigos em torno dos centros urbanos feitos de concreto já parecem favelas e os novos casarões na periferia da cidade já proclamam, como as frágeis construções das feiras internacionais, o louvor do progresso técnico e convidam a descartá-los como enlatados após um breve período de uso.
Mas os projetos habitacionais, destinados a perpetuar o individuo como unidade supostamente independente higiênica, trata-se de submissão ao seu adversário - o poder absoluto do capitalismo.Do mesmo modo que os moradores são enviados para os centros, como produtores e consumidores, em busca de trabalho e prazer, todas as unidades vivas cristalizadas em complexos bem organizados. A unidade evidente do microcosmo e macrocosmo existentes no homem com o modelo de sua cultura: a falsa identidade do geral e do particular. Sob o poder dos monopólios toda cultura de massa é identica, e as linhas dessa estrutura artificial começam a ser mostradas. Os dirigentes não pretendem fazer arte. A verdade é que eles querem transformar negócios em ideologia de modo a justificar o lixo que eles produzem premeditamente. Chamam a si próprios de indústrias; e quando diretores publicam suas cifras, não há duvida que a função social do produto final é retirada.
Os interessados inclinam-se por dar uma explicação tecnológica da indústria cultural. O fato de que milhões de pessoas participem dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma consumo dispersos condicionaria a organização e o planejamento pela direção. Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos sem resistência. Realmente, o que o explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroactiva, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. Os automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todo e chega o momento em que seu elemento nivelador mostra sua força na própria injustiça à qual servia. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social.
Isso, porém, não deve ser atribuído a nenhuma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual. A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é reprimido pelo controle da consciência individual. A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis. Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito. Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. Não se desenvolveu nenhum dispositivo de resposta e as emissões privadas são submetidas ao controle. Elas limitam-se ao domínio apócrifo dos “amadores”, que ainda por cima são organizados de cima para baixo.
No quadro da rádio oficial, porém, todo traço de espontaneidade no público é dirigido e absorvido, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele numa selecção profissional, por caçadores de talentos, competições diante do microfone e toda espécie de programas patrocinados. Os talentos já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados por ela: de outro modo não se integrariam tão fervorosamente. A atitude do público que, pretensamente e de fato, favorece o sistema da indústria cultural é uma parte do sistema, as distinções são acentuadas e difundidas. Se um ramo da arte segue a mesma formula daquele de outro meio e conteúdo diferente; se o enredo dramático das novelas radiofônicas tornam-se o exemplo didático para a solução de dificuldades técnicas, que à maneira do improviso, são dominadas do mesmo modo que nos pontos culminantes da vida jazzística; ou quando a “adaptação” deturpadora de um movimento de Beethoven se efetua do mesmo modo que a adaptação de um romance de Tolstoi pelo cinema, o recurso aos desejos espontâneos do público torna-se uma desculpa esfarrapada.
Estamos próximos aos fatos se explicamos este fenômeno como intrínseco ao aparelho técnico e pessoal que se aproxima mais da realidade, sob sua última engrenagem, formando parte de um mecanismo de seleção. Além disso existe a concordância – ou no mínimo a determinação, de todos governantes de não produzir ou sancionar qualquer coisa de modo diferente às suas leis, suas próprias ideias sobre os consumidores, ou sobre si.
O fornecimento ao público de uma hierarquia de qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa. Cada qual deve se comportar, como que espontaneamente, em conformidade com seu nível, previamente caracterizado por certos sinais, e escolher a categoria dos produtos de massa fabricada para seu tipo. Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem mais daqueles de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas vermelhas, verdes e azuis.
Se, em nossa época, a tendência social objetiva se encarna nas obscuras intenções subjectivas dos gerentes, estas são basicamente as dos setores mais poderosos da indústria: aço, petróleo, electricidade, química. Comparados a esses, os monopólios culturais são fracos e dependentes. Eles têm que se apressar em dar razão aos verdadeiros donos do poder, para que sua esfera na sociedade de massas – esfera essa que produz um tipo específico de mercadoria que ainda tem muito a ver com o liberalismo bonachão e os intelectuais judeus – não seja submetida a uma série com os valores objectivos, com o sentido dos de expurgos. A dependência em que se encontra a produtos. Os próprios meios técnicos tendem cada mais poderosa sociedade radiofónica em face da indústria eléctrica, ou a do cinema relativamente aos bancos, caracteriza a esfera inteira, cujos setores tendem cada vez mais a se uniformizar. A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto os interessados não se põem de acordo, mas cujas possibilidades ilimitadas prometem confusa trama económica. Tudo está tão estreitamente justaposto que a concentração do espírito atinge um volume tal que lhe permite passar por cima da linha de demarcação entre as diferentes firmas e sectores técnicos.
A diferença entre a série Chrysler e a série General Motors é no fundo uma distinção ilusória, como já sabe toda criança interessada em modelos de automóveis. As vantagens e desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha. O mesmo se passa com as produções da Warner Brothers e da Metro Goldwyn Mayer. Até mesmo as diferenças entre os modelos mais caros e mais baratos da mesma firma se reduzem cada vez mais: nos automóveis, elas se reduzem ao número de cilindros, capacidade, novidade dos instrumentos, nos filmes ao número de estrelas, à exuberância da técnica, do trabalho e do equipamento, e ao emprego de fórmulas psicológicas mais recentes. O critério universal do mérito é o valor financeiro da "produção luxuosa", do balancete do investimento. Os valores orçamentários da indústria cultural nada têm a ver com os valores objectivos, com o sentido dos produtos.
Mesmo os meios técnicos são forçados a implacavel uniformidade. A televisão almeja uma sintese entre rádio e cinema, é um escárnio do sonho wagneriano da obra de arte total.
A harmonização da palavra, da imagem e da música logra um êxito ainda mais perfeito do que no Tristão, porque os elementos sensíveis – que registram sem protestos, todos eles, a superfície da realidade social – são em princípio produzidos pelo mesmo processo técnico e exprimem sua unidade. É o triunfo do capital investido, cujo título de senhor absoluto é gravado profundamente nos corações dos despossuídos de emprego; este é o significado de cada filme, desde que a equipa de produção do roteiro o tenha escolhido.
O homem em seu momento de ócio, deve se orientar por essa unidade que caracteriza a produção. A função que o esquematismo do kantismo ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente.
Kant afirmava que na alma devia atuar um mecanismo secreto destinado a preparar os dados imediatos de modo a se ajustarem ao ao sistema da Razão Pura. Mas o segredo está hoje decifrado. Muito embora o planejamento do mecanismo pelos organizadores dos dados, isto é, pela indústria cultural, seja imposto a esta pelo peso da sociedade que permanece irracional apesar de toda racionalização, essa tendência fatal é transformada em sua passagem pelas agências do capital de modo a aparecer como o sábio desígnio dessas agências.
Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico. Tudo vem da consciência, em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na arte para as massas, da consciência terrena das equipas de produção. Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espectáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se intercambiáveis. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como bom desportista que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do vilão, sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Confirmá-lo, compondo-o, eis aí sua razão de ser. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é sonoro. Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem perder o fio da meada, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, no entanto, cada piada, proeza ou brincadeira é calculada e posicionada rigorosamente para tornar mais fácil a compreensão proporcionada pela equipe de criação.
A tudo isso deu fim a indústria cultural mediante a efeitos, o toque óbvio, e o detalhe técnico acaba com a própria obra - que exprimia uma idéia, mas foi liquidada junto com ela. Quando o detalhe ganha espaço, ele torna-se rebelde, e no periodo do Romantismo para o Expressionismo, afirma-se como expressão livre, como veículo de protesto contra a organização. O efeito harmônico isolado havia ofuscado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a composição pictórica; a penetração psicológica no romance, a estrutura. A totalidade da indústria cultural pos fim a isso.
Embora nada mais conheça além dos efeitos, ela vence sua insubordinação e os submete à fórmula que substitui a obra. Ela atinge igualmente o todo e a parte. O todo se antepõe inexoravelmente aos detalhes como algo sem relação com eles; assim como na carreira de um homem de sucesso, tudo deve servir de ilustração ou prova, ao passo que ela própria nada mais é do que a soma desses acontecimentos idiotas. A chamada Ideia abrangente é um classificador que serve para estabelecer ordem, mas não conexão. O todo e o detalhe exibem os mesmos traços, na medida em que entre eles não existe nem oposição nem ligação. Sua harmonia garantida de antemão é um escárnio da harmonia conquistada pela grande obra de arte burguesa. Na Alemanha, a paz sepulcral da ditadura já pairava sobre os mais alegres filmes da época da democracia.
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. Desde a súbita introdução do filme sonoro, a reprodução mecânica pôs-se ao inteiro serviço desse projecto.
A vida não deve mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme. O filme sonoro.por sobrepujar o teatro na ilusão, não deixa margem a imaginação ou reflexão por parte do público, que é incapaz de reagir à estrutura do filme, ainda desviada das partes precisas sem perder o fio da meada, e assim o cinema obriga suas vítimas a igualar-se diretamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos – e entre eles em primeiro lugar o mais característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objectiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de observação, para o espectador não se perder na explosão de fatos.
Embora o esforço necessário para sua resposta seja semiautomático, nada é deixado à imaginação. Aqueles que se relacionam com o mundo do filme – seja suas imagens, gestos e palavras – aquilo que eles são incapazes de fornecer o que realmente constitui o mundo, não tem de habitar pontos particulares de seus mecanismos durante a exibição. Todos os outros filmes e produtos da indústria cultural que tem assistido tocam no que esperam, reagem automaticamente.
O poder da sociedade industrial é absorvido pelo cérebro dos homens. Os produtores de diversões sabem que seus produtos serão consumidos em estado de alerta mesmo quando o público está distraído, por cada um deles como um modelo de mecanismo de grande industria que tem sido apoiado pelas massas, seja no trabalho ou no ócio - que é aparentado a obra. Para cada filme sonoro e programa radiofônico o efeito social pode ser deduzido que não é exclusivo para ninguém, mas compartilhado por todos. A industria cultural como um todo tem moldado homens como um tipo infalível reproduzido em cada produto. Todos os sujeitos desse projeto, dos produtores a fãs clubes, tomam bastante cuidado para que a reprodução de seu estado mental não seja matizada ou ampliada.
Os historiadores da arte e guardiães da cultura que lamentam a extinção no Ocidente de um poder determinante de estilo básico estão errados. A apropriação de cliches em tudo, até mesmo o rudimentar, para fins de reprodução mecânica ultrapassa o rigor e a moeda geral de qualquer "estilo real", no sentido que o conhecimento cultural celebra o passado orgânico pré-capitalista. Nenhum Palestrina podia ser mais purista na perseguição da dissonância inesperada e não resolvida do que o arranjador de jazz na perseguição de todo desenvolvimento que não se ajuste exactamente ao seu jargão. Se ele adapta Mozart ao jazz, ele não o modifica apenas nas passagens em que Mozart seria difícil ou sério demais, mas também nas passagens em que este se limitava a harmonizar de uma maneira diferente, ou até mesmo de uma maneira mais simples do que é costume hoje. Nenhum construtor medieval poderia ter passado em revista os temas dos vitrais e esculturas com maior desconfiança do que a hierarquia dos estúdios de cinema ao examinar um tema de Balzac ou Victor Rugo, antes de lhe dar o imprimatur do aceitável. Nenhum concílio poderia ter designado o lugar a ser ocupado pelas caretas diabólicas e pelos tormentos dos condenados na ordem do amor divino com maior cuidado do que a direção de produção ao calcular a tortura do herói ou o ponto exato da altura da saia da mocinha na ladainha do superespetáculo. O catálogo explícito e implícito, esotérico e exotérico, do proibido e do tolerado estende-se a tal ponto que ele não apenas circunscreve a margem de liberdade, mas também domina-a completamente. Os menores detalhes são modelados de acordo com ele.
Exatamente como sua oponenete, a arte de vanguarda, é que a industria de diversão fixa sua própria linguagem com sua sintaxe e seu vocabulário, pelo uso da proibição. A compulsão permanente a produzir novos efeitos (que, no entanto, permanecem ligados ao velho esquema) serve apenas para aumentar, como uma regra suplementar, o poder da tradição ao qual pretende escapar cada efeito particular que deslize pela rede. Cada efeito particular é tão profundamente marcado que nada pode surgir sem estar inteiramente dominado no momento da exibição pelos efeitos particulares dessa maquinaria. E os astros, se produzem ou reproduzem, exibem de antemão os traços do jargão e sem se credenciar à aprovação ao primeiro olhar. Os grandes astros, porém, os que produzem e reproduzem, são aqueles que reproduzem o jargão tanta facilidade, espontaneidade e alegria como se ele fosse a linguagem que ele, no entanto, há muito reduziu ao silêncio. Eis aí o ideal do natural neste ramo. Ele se impõe tanto mais imperiosamente quanto mais a técnica aperfeiçoada reduz a tensão entre o produto acabado e a vida quotidiana. O paradoxo da rotina travestida de natureza pode ser notado em todas as manifestações da indústria cultural. E em muitas ele é tangível. Um músico de jazz que tenha de tocar uma peça de música séria, por exemplo o mais simples minueto de Beethoven, é levado involuntariamente a sincopá-lo, e é com um sorriso soberano que ele, por fim, aceita seguir o compasso. É essa "natureza", complicada pelas sempre presentes exigencias extravagantes do meio particular, que constituem o novo estilo e um "sistema de não-cultura, o qual pode conceber uma certa "uniformidade de estilo" se realmente faz qualquer sentido falando da barbaria estilizada" [Nietzsche].
A exigência desse modo quase-oficial estilizado pode ir além ou ser esquecida; atualmente uma música da parada de sucessos é mais rapidamente esquecida por não observar as 32 compassos ou à extensão do intervalo da nona do que conter muitos detalhes escondidos melódicos ou harmônicos que não estão de acordo com a linguagem. Sempre que Orson Welles se ofende contra as artimanhas do ofício, ele é esquecido devido ao seu desvio da norma que são olhadas como devios calculados que servem muito mais para confirmar a validade do sistema. A compulsão do idioma tecnicamente calculado que astros e produtores tem de reproduzir como "natural" tanto quanto o público possa apropriar-se dele, amplia com finos matizes que alcançam a sutileza dos meios de uma obra de vanguarda, graças à qual esta, ao contrário daquelas, serve à verdade. A capacidade rara de satisfazer minuciosamente as exigências do idioma da industria cultural em todos os seus ramos torna-se critério de eficácia. O quê e como eles dizem devem ser medidos pela linguagem quotidiana, como no positivismo lógico.
Os produtores são especialistas. O idioma exige a mais espantosa força produtiva, que ele absorve e desperdiça. Ele superou satanicamente a distinção própria do conservadorismo cultural entre o estilo original e o estilo artificial. Artificial poder-se-ia dizer um estilo imposto de fora às potencialidades de uma figura. Na indústria cultural, porém, os menores elementos do tema têm origem na mesma aparelhagem que o jargão no qual é acolhido. As polêmicas em que os especialistas em arte se envolvem com o patrocinador e o censor sobre uma mentira óbvia demais atestam menos uma tensão intrinsecamente estética do que controvérsias de interesses comerciais. O renome dos especialistas, onde às vezes ainda se vem refugiar um último resquício de autonomia temática, entra em conflito com a estratégia comercial da Igreja ou da empresa que produz a mercadoria cultural. Mas o tema já está, em virtude de sua própria essência, reificado como aceitável antes mesmo que as instâncias competentes comecem a disputar. Antes mesmo de ser adquirida por Zanuck, como algo de absoluto, pretextando antecipar a Santa Bernadette já aparecia aos olhos de seu poeta como um apelo publicitário para todos os consórcios interessados, e isso resultava das potencialidades da figura. Eis por que o estilo da indústria cultural, que não tem mais de se pôr à prova em nenhum material refratário, é ao mesmo tempo a negação do estilo. A reconciliação do universal e do particular, da regra e da pretensão específica do objecto, que é a única coisa que pode dar substância ao estilo, é vazia, porque não chega mais a haver uma tensão entre os pólos: os extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa.
No entanto, essa caricatura do estilo descobre algo acerca do estilo autêntico do passado. O conceito do estilo autêntico torna-se transparente na indústria cultural como um equivalente estético da dominação. A idéia do estilo como uma dominação. A idéia do estilo como uma conformidade a leis meramente estéticas é uma fantasia romântica retrospectiva. O que se exprime na unidade do estilo não apenas da Idade Média cristã, mas também do Renascimento, é a estrutura diversificada do poder social, não a experiência obscura dos dominados que encerrava o universal. Os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa. No estilo de suas obras, a expressão conquistava a força sem a qual a vida se dilui sem ser ouvida. As próprias obras que se chamam clássicas, como a música de Mozart, contêm tendências objetivas orientadas num sentido diverso do estilo que elas encarnavam.
Até Schõnberg e Picasso, os grandes artistas conservaram a desconfiança contra o estilo e, nas questões decisivas, se ativeram menos a esse do que à lógica do tema. Aquilo que os expressionistas e dadaístas chamaram polemicamente de inverdade do estilo enquanto tal triunfa atualmente no jargão cantado do cantor, na graça consumada da estrela do cinema e até mesmo na perfeição da fotografia da casinha miserável de um camponês. Em toda obra de arte, o estilo é uma promessa. Ao ser acolhido nas formas dominantes da universalidade: a linguagem musical, pictórica, verbal, aquilo que é expresso pelo estilo deve se reconciliar com a Ideia da verdadeira universalidade. Essa promessa da obra de arte de instituir a verdade imprimindo a figura nas formas transmitidas pela sociedade é tão necessária quanto hipócrita. Ela coloca as formas reais do existente como algo de absoluto, pretextando antecipar a satisfação nos derivados estéticos delas. Nessa medida, a pretensão da arte é sempre ao mesmo tempo ideologia.
No entanto, é tão-somente neste confronto com a tradição, que se sedimenta no estilo, que a arte encontra expressão para o sofrimento. O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade, de fato, é inseparável do estilo. Contudo, ele não consiste na realização da harmonia – a unidade problemática da forma e do conteúdo, do interior e do exterior, do indivíduo e da sociedade –, mas nos traços em que aparece a discrepância, no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade. Ao invés de se expor a esse fracasso, no qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou, a obra medíocre sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, ao sucedâneo da identidade.
A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbária estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Falar em cultura foi sempre contrário à cultura. O denominador comum “cultura” já contém virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no domínio da administração. Só a subsunção industrializada e consequente é inteiramente adequada a esse conceito de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os setores da produção espiritual a este fim único: ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia, essa subsunção realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade opunham à massificação.
Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-se justamente como a meta do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo. Não somente suas categorias e conteúdos são provenientes da esfera liberal, tanto do naturalismo domesticado quanto da opereta e da revista: as modernas companhias culturais são o lugar econômico onde ainda sobrevive, juntamente com os correspondentes tipos de empresários, uma parte da circulação,o processo sobrevive, apesar da desagregação.
Aí ainda é possível fazer fortuna, desde que não se seja demasiado inflexível e se mostre que é uma pessoa com quem se pode conversar. Quem resiste só pode sobreviver enquadrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao capitalismo. A discordância realista torna-se a marca registada de quem tem uma nova ideia a trazer à atividade industrial. A esfera pública da sociedade que editores literários e musicais decentes puderam cultivar por exemplo autores que rendiam pouco mais do que o respeito do conhecedor. Só a obrigação de se inserir incessantemente, sob a mais drástica das ameaças, na vida dos negócios como um especialista estético impôs um freio definitivo ao artista. Ainda, na indústria cultural, também, a posição liberal dá inteira vazão a esta capacidade de homens sobreviverem.
Para fazer isto eficiente ainda hoje é função do mercado, que é por outro lado competentemente controlado; tanto o mercado livre, no periodo de florescimento da arte como nos outros, foi a liberdade para o idiota morrer de fome. Significativamene, o sistema da indústria cultural nasceu na nação industrial mais liberal, com todos os meios de comunicação social, tais como filmes, radio, jazz e revistas que florescem lá. rádio, o jazz e as revistas. É verdade que seu projeto teve origem nas leis universais do capital. Gaumont e Pathé, Ullstein e Hugenberg conheceram o sucesso seguindo a tendência internacional; a dependência económica em face dos Estados Unidos, em que se encontrou o continente europeu depois da guerra e da inflação, teve uma parte nesse processo. A crença de que a barbárie da indústria cultural é uma consequência do atraso cultural, do atraso da consciência norte-americana relativamente ao desenvolvimento da técnica, é profundamente ilusória. Atrasada relativamente à tendência ao monopólio cultural estava a Europa pré-fascista.
Mas era exatamente esse atraso que deixava ao espírito um resto de autonomia e assegurava a seus últimos representantes a possibilidade de existir ainda que oprimidos. Na Alemanha, a incapacidade de submeter a vida a um controle democrático teve um efeito contraditório. Muita coisa escapou ao mecanismo de mercado que se desencadeou nos países ocidentais. O sistema educativo alemão juntamente com as universidades, os teatros mais importantes na vida artística, as grandes orquestras, os museus estavam sob proteção. Os poderes políticos, o Estado e as municipalidades, aos quais os correspondentes tipos de empresários, uma parte essas instituições foram legadas como herança do absolutismo, haviam preservado para elas uma parte daquela independência das relações de dominação vigentes no mercado, que os príncipes e senhores feudais haviam assegurado até o século XIX. Isso resguardou a arte em sua fase tardia contra o veredito da oferta e da procura e aumentou sua resistência muito acima da proteção de que desfrutava de fato. No próprio mercado, o tributo a uma qualidade sem utilidade e ainda sem curso converteu-se em poder de compra: é por essa razão que editores literários e musicais decentes puderam cultivar por exemplo autores que rendiam pouco mais do que o respeito do conhecedor.
Só a obrigação de se inserir incessantemente, sob a mais drástica das ameaças, na vida dos negócios como um especialista estético impôs um freio definitivo ao artista. Outrora, eles firmavam suas cartas como Kant e Hume – com um “humilde e obediente servidor”, ao mesmo tempo que solapavam os fundamentos do trono e do altar. Hoje chamam os chefes de governo pelo primeiro nome e estão submetidos em cada um de seus impulsos artísticos ao juízo de seus patrões iletrados.
A análise feita há cem anos por Tocqueville verificou-se integralmente nesse meio tempo. Sob o monopólio privado da cultura “a tirania deixa o corpo livre e vai direto à alma. O mestre não diz mais: você pensará como eu ou morrerá. Ele diz: você é livre de não pensar como eu: sua vida, seus bens, tudo você há de conservar, mas de hoje em diante você será um estrangeiro entre nós”. Quem não se conforma é punido com a exclusão, pode ser facilmente acusado de incompetência.
Enquanto hoje na produção material o mecanismo de oferta e procura está se desintegrando, na superestrutura ainda funciona como prova do favor dos governantes. Os consumidores são trabalhadores e empregados, os fazendeiros e a baixa classe média. A produção capitalista os confina de corpo e alma, aquilo que a eles é oferecido como vitima sem socorro. Naturalmente como o dominado sempre observa a moralidade com mais rigor do que os dominadores, as massas manipuladas são hoje prisioneiras do mito do sucesso mais do que os bem-sucedidos. Imóveis, insistem mais na ideologia que as escraviza. O amor fora de lugar da gente comum pelo que é errado é feito por ela isto fortalece os poderosos. É tão forte o rigor do Código Hay, apenas em épocas excepcionais na história insuflou grandes forças para lutar contra esta censura, isto é o horror dos tribunais. Ele exige Mickey Rooney de preferência a trágica Greta Garbo, o Pato Donald ao invés de Betty Boop. A indústria submete-se a promessa que inspirou. O que representa uma derrota para a firma que não pode explorar um contrato com uma estrela decadente é uma legitima despesa para a totalidade do sistema. Por ruidosamente sancionar a procura por lixo ela inaugura total harmonia. O conhecedor e o especialista são despidos de suas pretensões de reclamar conhecer melhor do que outros, muito embora a cultura seja democrática e distribua privilégio a todos. Em razão da trégua ideológica do conformismo dos compradores o descaramento dos produtores que os forne-
cem prevalecem. O resultado é a reprodução frequente da mesmice.
Esta mesmice frequente governa também a relação com o passado. O que é novo nesta etapa da cultura de massas comparada com o ultimo estádio do liberalismo é a ausência da novidade. A máquina roda no mesmo canto.Enquanto determina a consumação exclui a experiencia nova como risco. Os produtores de cinema não acreditam num roteiro que não seja baseado num livro de sucesso de vendas. Ainda assim, por este motivo há um interminável burburinho de ideias, novidades e surpresas, que é tomado como garantia, mas que nunca existiu. Ritmo e dinâmica interessam a esta tendência. Nada permanece como velho, tudo muda incessantemente, para mover-se. Apenas para triunfo universal do ritmo mecânico de produção e reprodução permite que nada mude, e nada com continuidade aparecerá. Qualquer inovação ao bem comprovado patrimônio da cultura tem muito de especulação. As formas enrigecidas - tais como peça em um ato, conto, filmes problemáticos, ou canções de sucesso - são padronizadas na média do ultimo gosto liberal, ditadas pelas ameaças citadas acima. As pessoas de cima nas produtoras culturais, que trabalham em harmonia como único administrador podem com outras, se vem da escola da vida ou da universidade tem desde longe reorganizado e racionalizado o espírito objetivo. Pode-se pensar que o governo onisciente selecionou o assunto e esboçou um catálogo de mercadorias culturais para fornecer regularmente uma produção em série. As ideias são escritas no Céu cultural como já tinham sido enumeradas por Platão - e muitas incapazes de crescer ou aumentar.
Diversão e todos elementos da industria cultural já existiam antes dela surgir. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos atuais. A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. Quanto mais total ela se tornou, quanto mais impiedosamente forçou os independentes seja a declarar falência seja a entrar para o sindicato, mais fina e mais elevada ela se tornou, para enfim desembocar na síntese de Beethoven e do Casino de Paris. Sua vitória é dupla: a verdade, que ela extingue lá fora, dentro ela pode reproduzir a seu bel-prazer como mentira. A arte “leve” como tal, a diversão, não é uma forma decadente. Quem a lastima como traição do ideal da expressão pura está alimentando ilusões sobre a sociedade. A pureza da arte burguesa, que se hipostasiou como reino da liberdade em oposição à práxis material, foi obtida desde o início ao preço da exclusão das classes inferiores, mas é à causa destas classes – a verdadeira universalidade – que a arte se mantém fiel exactamente pela liberdade dos fins da falsa universalidade. A arte séria recusou-se àqueles para quem as necessidades e a pressão da vida fizeram da seriedade um escárnio e que têm todos os motivos para ficarem contentes quando podem usar como simples passatempo o tempo que não passam junto às máquinas. A arte leve acompanhou a arte independente como uma sombra. Ela é a má consciência social da arte séria. O que esta – em virtude de seus pressupostos sociais – perdeu em termos de verdade confere àquela a aparência de um direito objectivo. Essa divisão é ela própria a verdade: ela exprime pelo menos a negatividade da cultura do que as diferentes esferas que a integram. Afinal a antítese pode ser reconciliada iluminando-se com a luz da arte séria, ou vice-versa. Mas é o que a industria cultural tenta.
O circo excentrico, o museu de cera e o bordel são um embaraço para o espetáculo de Schönberg e Karl Kraus. E assim o músico de jazz Benny Goodman parece com o quarteto de cordas de Budapeste, mais arrogante ritmicamente do que qualquer clarinetista de Filarmonica, enquanto o estilo dos musicos de Budapeste é uniforme e doce como aquele de Guy Lombardo. Mas o significante não é a vulgaridade, idiotice e a falta de educação.
O refugo de outrora foi eliminado pela indústria cultural graças à sua própria perfeição, graças à proibição e à domesticação do diletantismo, muito embora ela não cesse de cometer erros crassos, sem os quais o nível do estilo elevado seria absolutamente inconcebível. Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim a uma única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição. O fato de que o interesse de incontáveis consumidores esteja dirigido à tecnica, e não ao conteúdo - que é teimosamente repetido, despojado, quase desacreditado. O poder social que a adoração da audiência mostra mais eficazmente na onipresença do estereotipo imposto pela habilidade técnica do que nas ideologias obsoletas do qual o efêmero conteúdo se baseia.
Todavia, a indústria cultural permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria. Como a absorção de todas as tendências da indústria cultural na carne e no sangue do público se realiza através do processo social inteiro, a sobrevivência do mercado neste ramo atua favoravelmente sobre essas tendências.Como é bem sabido, a grande reorganização da indústria cinematografica antes da I Guerra Mundial, o pré-requisito material de sua expansão, foi deliberadamente aceita pelas necessidades registradas nos gabinetes - um procedimento que foi arduamente o pensamento necessário no periodo heroico das telas. Os capitães de industrias mantem hoje em dia o criterio da canção de sucesso, mas sabiamente nunca recorreram do julgamento da verdade, o critério oposto. Negócio é sua ideologia. Isto é certo que o poder da indústria cultural resida nesta identificação com a necessidade fabricada, e não simples contraste com ela, mesmo se o contraste se tratasse de uma oposição entre a onipotência e impotência.
A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre: a pessoa em seu ócio e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo não passa de uma fachada desbotada; o que fica gravado é a sequência automatizada de operações padronizadas. Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio.
Eis aí a doença incurável de toda diversão. O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos gastos das associações habituais. O pensamento autonômo não deve ser esperado do publico: o produto preve cada reação: não por sua estrutura natural (que falha na reflexão), mas por sinais. Qualquer ligação lógica exigindo esforço mental é cuidadosamente evitada. Tanto quanto possível o desenvolvimento deve seguir da situação precedente e nunca da ideia de totalidade. Para qualquer cinéfilo atento qualquer cena individual deve dar idéia do todo. Mesmo o próprio padrão de conjunto parece perigoso, oferecendo algum significado - por mais lamentável que seja - onde apenas o sem sentido é importante. Frequentemente o enredo é privado do desenvolvimento exigido pela personagem e assuntos segundo o velho padrão. Ao invés disso o roteirista decide fazer o efeito mais extravagante numa situação particular. O pensamento banal elabora surpresas que interrompem o fio da estória.
A tendencia maliciosa de voltar a cair no puro absurdo, que é parte integrante da arte popular, da farsa e da palhaçada, vindas de Chaplin ou dos Irmãos Marx, são mais óbvias neste despretencioso tipo. Esta tendência é inteiramente afirmada no texto da canção de novidade, no filme de ação, e em desenhos animados, embora em filmes estrelados por Greer Garson e Bette Davis a unidade do caso sócio-psicologico em estudo fornece alguma coisa que pede uniformidade de enredo. A ideia em si, junto com os pioneiros e sucessores da psicanálise, reduzem a ideia a monotonia do simbolismo sexual, Hoje filmes policiais e de aventura não dão ao público a vivência de sua solução. Em variedades não ironicas do gênero tem de contentar-se com situações de terror que quase sempre terminam por se ligarem de qualquer jeito.
Os desenhos animados eram outrora expoentes da fantasia oposta ao racionalismo. Eles faziam justiça aos animais e coisas eletrizados por sua técnica, dando aos mutilados uma segunda vida.Hoje, apenas confirmam a vitória da razão tecnológica sobre a verdade. Há poucos anos atrás tinham enredo coerente que apenas eram esfacelados nos momentos finais de uma louca caçada, e então lembravam a velha comédia pastelão. Mas agora as relações temporais deslocaram-se. As primeiras sequências do desenho de animação ainda esboçam uma ação temática, destinada, porém, a ser demolida no curso do filme: sob a gritaria do público, o protagonista é jogado para cá e para lá como um farrapo. Assim a quantidade da diversão pressuponha um esforço intelectual converte-se na qualidade da crueldade. Os autodesignados censores da indústria cinematográfica, ligados a ela por uma afinidade eletiva, vigiam a duração do crime a que se dá a dimensão de uma caçada. A hilariedade põe fim ao prazer que a cena de um abraço poderia pretensamente proporcionar e adia a satisfação para o dia da chacina. Na medida em que os desenhos de animação fazem mais do que habituar os sentidos ao novo ritmo, eles inculcam em todas as cabeças a antiga verdade de que a condição de vida nesta sociedade é o desgaste contínuo, o esmagamento de toda resistência individual. Assim como o Pato Donald nos desenhos animados, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios sejam punidos.
O gozo com a violência sofrida pelas personagens dos filmes transforma-se em violência contra o público, e a diversão em esforço. Nada que o público tenha vislumbrado como estimulante escapa ao seu olho cansado, daquilo que os especialistas cogitaram como estímulo; ninguém tem o direito de se mostrar idiota diante da esperteza do espetáculo; é preciso acompanhar tudo e reagir com aquela presteza que o espectáculo exibe e propaga. Deste modo, pode-se questionar se a indústria cultural preenche a função de divertir os cerebros que ela se orgulha ao máximo. Se muitas estações de rádio e salas de cinema fecharem, os consumidores não perderão muito. Andar nas ruas e chegar nas salas de cinema é entrar no mundo dos sonhos; embora a duração dessas instituiçoes não seja grande faz-se obrigatório usá-las, não haverá urgencia em faze-lo. Tais fechamentos não parecerão reacionários quanto a máquina de demolição. A decepção será sentida não tanto pelos entusiastas quanto pelos broncos, estes sofrem ainda mais. No âmbito dos filmes que pretendem inteira integração, a dona de casa descobre o escurinho da sala de cinema como um refúgio onde ela pode sentar por algumas horas sem ninguém observando, que ela usa para olhar para além da janela da casa e passar o entardecer. O desempregado das grandes cidades cidades descobre a temperatura amena no verão e o aquecimento no inverno nestas sala de cinema climatizadas. A idéia de "exploração completa" das massas disponivel por recursos tecnicos e por facilidades estéticas faz parte do sistema econômico que recusa explorar recursos que abolirão a fome.
A indústria cultural trapaceia perpetuamente sobre o que promete perpetuamente aos seus consumidores. Os seus enredos e encenações, são a nota promissória de um prazer sem fim perpetuamente.Esta promessa é que o espetáculo está baseado, numa ilusão: tudo confirma presentemente que a realidade nunca é alcançada, que o menu deve satisfazer o apetite do jantar. Adiante do do apetite estimulado por nomes brilhantes e imagens existe finalmente nada mais que a angústia cotidiana do mundo com um sorriso de fuga.É claro que obras de arte não exibem sexo. Entretanto, representando esta ausencia como negativa, elas retratam, tanto quanto possível, a prostituição do impulso e resgate pela mediação do que foi negado.
O segredo da sublimação estética é esta representação de cumprimento de uma promessa rompida. A indústria cultural não sublima, reprime. Pela repetida exposição dos objetos de desejo, seios insinuantes em roupas colantes ou o tronco nu do herói atlético, são apenas estímulos não sublimados de prazer cuja ausência habitual é até reduzida a semelhança de um masoquista. Não há nenhuma situação erótica que não junte à alusão e à excitação a indicação precisa de que jamais se deve chegar a esse ponto. O Código Hays de censura apenas confirma o suplicio que a indústria cultural de qualquer modo já instaurou: o de Tântalo. As obras de arte são ascéticas e sem pudor, conventos, segundo a qual não é a ascese, mas o ato sexual, que demonstra a renúncia a uma felicidade alcançável, é confirmada negativamente pela seriedade do amante que, cheio de pressentimentos, atrela sua vida ao instante fugidio. A conquista da produção em série automaticamente conquista é a repressão. Devido a sua onipresença, a estrela do filme é aquela cuja paixão é de inicio copia dela. Cada voz de tenor soa como a gravação de Caruso, e os rostos "naturais" das garotas do Texas são como um desfile de modelos cujo padrão Hollywood detém. A reprodução mecânica da beleza, cujo fanatismo reacionario apaixonado serve a idolatria metodica da individualidade, não dá margem a uma idolatria cuja essência não seja a beleza.
O riso torna-se nela o meio fraudulento de triunfar sobre a beleza. Os instantes da felicidade não o conhecem, só as operetas e depois os filmes representam o sexo com uma gargalhada sonora. Mas Baudelaire é tão sem humor como Hölderlin. Na falsa sociedade, o riso atacou – como uma doença – a felicidade, arrastando-a para a indigna totalidade dessa sociedade. Rir-se de alguma coisa é sempre ridicularizar, e a vida que, segundo Bergson, o que ri quebra mecanismos, e atualmente uma invasão à vida bárbara, preparada para desfilar sua libertação de escrúpulos quando chega a situação. A coletividade cujo riso é uma paródia da humanidade. Seus membros são mônadas, todos dedicados ao prazer de estarem prontos para qualquer coisa à custa de todos os outros. Sua harmonia apresenta uma caricatura de solidariedade. O que é infernal nesse riso falso é que ele parodia o que é atraentemente é melhor: reconciliação. A alegria, contudo, é sóbria: res severa verum gaudium. A ideologia dos mosteiros, que não é ascetismo mas o ato sexual que marca a renuncia de atingir a felicidade, é confirmada negativamente pela pompa do amante que a sua vida inteira renuncia a um momento fugaz. A indústria cultural substitui a dor, que está presente tanto êxtase quanto no asceticismo, com alegre negativa. Sua lei maior é que a seus consumidore será dado a qualquer preço o que eles almejam: e que naquela ausencia eles devem rir de prazer. Em cada desempenho da industria cultural a negativa permanente imposta pela civilização é ainda mais infligida e inconfundivelmente demonstrada para suas vítimas. Oferecer-lhes alguma coisa e nega-la dá no mesmo. É isto que a excitação erótica alcança. Justamente por nunca ocorrer é que tudo gira em torno do coito. No filme permitir relações adulteras sem a devida punição dos culpados é mais estritamente tabu do que é para o genro de um milionário ser atuante no movimento dos trabalhadores contra o capitalismo, mas não renunciar diante da ameaça de castração.Em contraste com a era liberal, a industrializada bem como a cultura popular podem ficar indignadas com o capitalismo, mas não podem renunciar à ameaça de castração. Esta ameaça constitui sua essência. É catarse do descanso moral organizado rumo a cansados de uniformes, primeiro em filmes divertidos para eles e assim em realidade. O que é decisivo hoje não é tanto o Puritanismo, embora ele ainda assenta-se na forma de organização das mulheres, mas a necessidade intrínseca ao sistema, de nunca deixar seu consumidor sozinho, de não por um momento permitindo a ele ou a ela suspeitar que a resistência é possível.
Este princípio requer que enquanto todas as necessidades devam ser apresentadas a indivíduos como capaz de preenchimento pela industria cultural, elas deverão ser posicionadas adiante da experiencia individual através de suas necessidades apenas como consumidores eternos, como objeto da indústria cultural. Não apenas convence-os que seu engano é prazer; também dá-lhes a compreensão do que eles devem fazer com o que lhes é oferecido, tanto faz o que possa ser. A saída do quotidiano, prometida pela indústria cultural em todos os seus ramos, pode ser comparado ao sequestro da filha no desenho de animação estadunidense: o pai está abraçando-a no escuro. A indústria cultural apresenta aquele mesmo mundo quotidiano como paraíso. A fuga, como desenvolvimento, está reservado primeiro a retornar a seu ponto de partida. A diversão promove o conformismo que busca esquecer a si na diversão.
Em alguns filmes leves, e especialmente em estórias bizarras e "engraçadas," a possibilidade dessa negação é momentaneamente vislumbrada. Sua realização, é claro, não pode ser permitida. Diversão pura saciada completamente, a despreocupação liberta a associações coloridas e absurdo contente, é cortada na diversão em sua forma de mercado: é interrompida pelo substituto de um significado coeso com que a indústria cultural insiste em dotar seus produtos enquanto ao mesmo tempo maliciosamente o deforma sob o pretexto de levar às estrelas. As biografias e outras fábulas costuram juntas um monte de absurdos dentro de fracos enredos. Ele não é o sino no boné do tolo que toca por é o molho de chaves da razão capitalista, que em suas imagens arma de alegria com o propósito de seguir em frente. Cada beijo no filme leve contribui para a carreira do pugilista ou do especialista em canções cujo sucesso está sendo glorificado. A manipulação não é aquela que a industria cultural serve-se na diversão porém aquela que estraga a alegria pela sua ligação a clichês ideológicos formados na mente de negociante da cultura que é a sua liquidação. Etica e gosto são suprimidas desenfreadamente na diversão como "ingênuas"- ingenuidade que é avaliada não superior a intelectualidade - e mais estreita que suas possibilidades técnicas. A indústria cultural está corrompida, não como antro de perdição mas como catedral do maior rendimento. Em todos os níveis, de Hemingway até Emil Ludwig, do Sr.Miniver até ao Policial Solitário, de Toscanini até Guy Lombardo, produtos da inteligência esboçam uma arte e ciência pronta para uso assolada de inverdades. Traços de algo melhor continua naquelas características da industria cultural que lembra o circo na contumaz perícia sem propósitos de cavaleiros, acrobatas, e palhaços, na "defesa e justificação da arte física contra a intelectual. "Contudo nos lugares escondidos das asneiras insensatas, que representam o que é humano contra o mecanismo social, estão sendo implacavelmente deixados de fora por razões organizacionais, que força tudo justificar-se em termos de significado e efeito. Isto está levando ao sem significado a desapaecer ao baixo nível da art apenas como o está radicalmente desaparecendo ao nível superior dela.
A fusão de cultura e diversão é sentida hoje não apenas como rebaixamento da cultura. Isto já era evidente no fato que a diversão não é apenas vivenciada como cópia, na forma da fotografia do cinema ou da gravação da estação de rádio. Na época do desenvolvimento liberal a diversão era apoiada pela crença inquebrantável no futuro: as coisas poderia ficar ainda melhor. Hoje, aquela crença tem-se intelectualizado, tornando-se tão rebuscada como perder de vista suas metas presentes e consistir apenas em brilho dourado projetado além da realidade. São compostos toques adicionais de significada - correndo precisamente em paralelo à vida - aplicada na tela no mundo do mocinho, do engenheiro, das donzelas recatadas, e também para crueldade disfarçada como personagem, pelo interesse desportivo, e finalmente para os carros e cigarros, onde a diversão não faz diretamente a propaganda pedida pelo fabricante mas alerta o sistema como uma totalidade.
Tomando lugar de valores superiores ela elimina das massas pela repetição na forma mais estereotipada do que lemas de aviso pagos por interesses particulares. A espiritualidade, a forma subjetivamemete restringida da verdade, esteve sempre mais em dívida a regras exteriores do que se possa imaginar. A industria cultural é perversa dentro de mentiras despreocupadas. Aparece agora somente como o bobo superior tolerado pelos consumidores de livros religiosos mais vendidos, filmes psicologicos, e séries femininas com uma gravidez agradável como ingrediente, tanto quanto elas possam de modo mais realista controlar suas próprias emoções humanas. Neste sentido a diversão é catarse que atinge a na única maneira atribuída por Aristoteles e atualmente por Mortimer Adler.
Quanto mais fortemente a indústria cultural impreguina-se, mais ela pode escolher quais as necessidades do consumidor - produzindo, controlando, disciplinando-as; mesmo retirando a diversão completamente: aqui, não há limites colocados ao progresso cultural. Entretanto a tendência é imanente ao próprio princípio da diversão, como o principio do iluminismo burguês.Se a necessidade da diversão foi amplamente criada pela indústria, que recomendou o trabalho para as massas através de seus argumentos, a oleografia através de delicados pedaços de carne retratados e, por outro lado, a mistura de pudim através da figura de um pudim, a diversão tem sempre se limitado a traçar o confuso intervalo comercial, de pregão de vendas, a voz de feiras de mascates. Porém a afinidade de origem entre negócios e diversão revela-se no próprio significado da diversão: como apologia da sociedade.
Ser entretido significa estar de acordo. A diversão faz-se possível apenas isolando-se da totalidade do processo social, fazendo-se bobo e renunciando da pretensão primeira de qualquer trabalho, mesmo o mais rudimentar: em sua restrição para refletir a totalidade.. Em sua raiz é impotência.
É de fato fuga, mas não, como se pede, fuga da má realidade mas do ultimo pensamento de resistência daquela realidade. A libertação que a diversão promete é de pensar por negação. O desprezo da pergunta retórica "O que o povo quer?" leva em conta o apelo para muitas pessoas como sujeitos pensantes cuja subjetividade especificamente procura se anular. Mesmo naquelas ocasiões quando o público se revolta contra a indústria do prazer ele demostra a fraqueza sistematicamente instada nele pela indústria. Mesmo assim, tem-se tornado paulatinamente dificil manter a passividade do público. O avanço da idioticece não deve estar atrás do simultaneo avanço da inteligência. Na época da estatisticas das massas são tão astutas para identificar-se com o rico na tela e muito tolo para desviar-se mesmo minimamente da Lei dos Grandes Números. A ideologia esconde-se no cálculo de probabilidades. O sucesso poderá não sorrir a todos aqueles que tenham um bilhete premiado ou, antes, aquele designado fazer por um poder superior - normalmente a própria indústria cultural, que apresenta-se como incessantemente na caça de talentos. Aquele descoberto por um caça talento e então lapidados nos estúdios são tipos dependentes da nova classe média. A estrela do sexo feminino é suposta simbolizar a secretária, embora de modo fazer parecer predestinada, diferente da secretaria real, para usar o vestido da noite da moda. Então ela agrada ao público feminino não só pela possibilidade de que ela, também, possa parecer na tela, insistentemente numa menor distância entre ambas. Só uma pode ficar com a melhor parte, só uma está em destaque, e mesmo embora todas tenham matematicamente a mesma possibilidade, é mínima para cada sujeito que é melhor para escrever ela deixa e regozija com o sucesso de outro alguém, que bem pode ser um pouco melhor mas nunca é ela. Enquanto a indústria cultural convida a uma empatia ingênua, ela imediatamente o nega. Não é possivel a ela perder-se em outras. Só as cinéfilas veem seu casamento realizado por outras. Agora a felicidade do casal na tela é um exemplar da mesma especie que todos no público, mas a mesmice põe a insuperável separação de seus elementos humanos. A perfeita semelhança é a absoluta diferença. A identidade das espécies proibe para cada caso individual. A indústria cultural tem ironicamente todas as espécies de seres humanos. Alguém conta só por aquelas qualidades que ele ou ela pode substituir cada um: todos são cogumelos, apenas espécies.
Como sujeitos eles são totalmente substituíveis, puro nada, e são conscientizados disto tão logo sejam privados de sua mesmice. Estas trocas no interior da composição da religião do sucesso, que que eles são exigidos severamente para manter. O caminho per aspera ad astra, que presuppõe necessidade e cansaço, é incrementalmente subistituído pelo premio. O elemento de cegueira na decisão de rotina como aquela canção de sucesso, que é uma heroína extra, é celebrada pela ideologia. Os filmes destacam o acaso. Por impor uma mesmice essencial as suas personagens, com exceção do vilão, ao ponto de excluir quaisquer rosto que não estejam parecidos - por exemplo, aquele que, parecido com Garbo, queiram ser bem-vindo e ao cumprimento "Olá, irmã" - a ideologia torna, é certo, a vida mais fácil inicialmente ao público. A estes é assegurado não ser o que eles não são e possam ter o mesmo sucesso, sem que deles se pretenda aquilo que são incapazes. Mas ao mesmo tempo em que é dado a sugestão que o esforço não adiantaria de nada, porque mesmo o sucesso burgues não tem qualquer relação com o efeito calculável de seu trabalho. Eles engolem a sugestão. No fundo, todos reconhecem o acaso, pelo qual alguém as vezes é feliz, como o outro lado do planejamento. Devido as energias da sociedade tenham ido tão longe da racionalidade que ninguém pode tornar-se um engenheiro ou um gerente, a escolha de quem recebe da sociedade o investimento e confiança para ser treinado para tais cargos torna-se inteiramente irracional. Acaso e planejamento mesmo iguais, dada a mesmice do povo, o sucesso ou insucesso do sujeito, rumo ao alto, perde toda importância economica. O próprio acaso é planejado; menos no sentido que ele afeta este ou quele sujeito particular, mais naquele povo que crê no seu controle. Para os planejadores isto serve como desculpa, dando a impressão que a rede de transações e medidas pela qual a vida tem sido transformada ainda deixa margem para relações imediatas, espontâneas entre seres humanos. Este tipo de liberdade é simbolizada, nos vários ramos da indústria cultural pela seleção aleatória da média dos casos. Em relatórios detalhados trazidas revista sobre a carreira modesta mas esplêndida - organizada pela própria revista - da vencedora afortunada (de preferência uma datilógrafa que talvez tenha vencido o concurso graças a contatos com magnatas locais) - espelha-se a impotência de todos. A tal ponto que as massas são reduzidas a apenas material de controle que delas dispõe que podem ser postas no céu para logo em seguida serem jogadas no lixo: e que vão para o diabo com seus direitos e trabalho. A industria está interessada em seres humanos apenas como seus clientes e empregados, e reduziu, eficazmente a humanidade como um todo, como cada um dos seus elementos, a esta fórmula exaustiva. Segundo o angulo determinante, é sublinhado, na ideologia o plano ou fenômeno, a técnica ou vida, a civilização ou a natureza. Como empregados são chamados e pressionados pela organização raciona e pressionados a inserir-se com sadio bom senso. Como consumidores vêem-se ilustrados, na tela ou nos jornais, em episódios humanos e privados de livre arbítrio e como atração do que ainda não está enquadrado. Em qualquer dos casos permanecem coisas. Quanto menos a indústria cultural tem a prometer, quanto menos está em grau de mostrar que a vida é cheia de sentido, tanto mais pobre se torna, por força das coisas, a ideologia por ela difundida. Mesmo os ideais abstratos de harmonia e bondade da sociedade são, na época da propaganda universal, concretos demais. Mesmo os ideais abstratos apressam-se em ser identificados como propaganda. O discurso que apenas busca a verdade logo suscita a impaciência de que chegue com rapidez ao fim comercial que se supõe perseguir na ação prática. A palavra que não é meio aparece privada de sentido, a outra como ficção e mentira. Escutamos os juízos de valor como propaganda ou tagarelice inútil. Mas a ideologia assim constrangida a manter-se como um discurso vago não se torna por isso mais transparente, nem tampouco mais débil. Mesmo sua generalidade, a recusa quase científica de empenhar-se sobre qualquer coisa de inverificável, funciona como instrumento de domínio. Pois ela se torna a decidida e sistemática proclamação do que é. A indústria cultural tem a tendência de se converter em um conjunto de protocolos, e, por essa mesma razão, de se tornar o irrefutável profeta do existente. Entre a alternativa representada pela falsa notícia individualizada e pela verdade manifesta, ela sai pela tangente, habilmente repetindo este e aquele fenômeno, opondo sua capacidade ao conhecimento e erigindo a ideal o próprio fenômeno em sua continuidade onipresente. A ideologia cinde-se entre a fotografia da realidade bruta e a pura mentira do seu significado, que não é formulada explicitamente, mas sugerida e inculcada. Pela demonstração de sua divindade a realidade é sempre e apenas cinicamente repetida. Essa prova ontológica não é precisa, mas é esmagadora.
Quem ainda duvida do poder da mesmice é um imbecil. A indústria cultural, por outro lado, tem boas saídas para repelir as objeções feitas contra ela como aquelas contra o mundo que ela duplica sem teses preconcebidas. A única escolha é colaborar ou se marginalizar: os provincianos que, contra o cinema e o rádio, recorrem à eterna beleza ou ao teatro amador, já estão politicamente no posto para o qual a cultura de massa ainda empurra os seus. Ela está suficientemente acondicionada para parodiar ou para desfrutar como ideologia, segundo o caso, mesmo os velhos sonhos de outrora, tanto os do pai quanto os do sentimento espontâneo. A nova ideologia tem por objeto o mundo como tal. Ela usa o culto do fato, limitando-se a suspender a má realidade, mediante a representação mais exata possível, no reino dos fatos. Nesta transposição, a própria realidade se torna um sucedâneo do sentido e do direito. Belo é tudo o que a câmara reproduz. À perspectiva frustrada de poder ser a empregada a quem toca, por sorte, o cruzeiro transoceânico, corresponde a vista frustrada dos países exatamente fotografados pelos quais a viagem poderia levar. Não é a Itália que se oferece, mas a prova visível de sua existência. O filme pode até mostrar Paris, onde a jovem americana pensa realizar seus sonhos na mais completa desolação, para, tanto mais inexoravelmente, empurrá-la nos braços do jovem astuto compatriota que poderia ter conhecido em seu país. Que tudo em geral funcione, que o sistema, mesmo na sua última fase, continue a reproduzir a vida dos que a formam, em vez de eliminá-los, de súbito é-lhe creditado como mérito e significado. Continuar "ir levando" em geral se torna a justificação da cega permanência do sistema, ou melhor, da sua imutabilidade. Sadio é o que se repete, o ciclo na natureza e na indústria. O eterno sorriso dos mesmos bebês das revistas coloridas, o eterno funcionar da máquina do jazz. Não obstante os progressos da técnica de reprodução, das regras e das especialidades, não obstante a pressa agitada, o alimento que a indústria cultural oferece aos homens permanece como a pedra da estereotipia. Ela vive do ciclo, da maravilha justificada que as mães, apesar de tudo, continuem a parir, que as rodas continuem a girar. Isso serve para reforçar a imutabilidade das relações. As espigas ondulantes no fim do Grande Ditador de Chaplin desmentem a arenga antifascista pela liberdade. Assemelham-se à loura esvoaçante que a UFA fotografa na vida campestre, ao vento do estio. A natureza, em virtude mesmo de o mecanismo social de domínio tomá-la como a antítese salutar da sociedade, é absorvida e enquadrada na sociedade sem cura.
A segurança visível que as árvores são verdes, azul o céu e passageiras as nuvens serve de criptograma das fábricas e dos postos de gasolina. Vice-versa, rodas e partes mecânicas devem brilhar alusivamente, degradadas a situação de expoente dessa alma vegetal e etérea. Natureza e técnica são assim mobilizadas contra o bolor, contra a imagem falseada na lembrança da sociedade liberal, na qual, ao que parece, se vivia em torno de aposentos mornos e felpudos, em vez de se praticar, como hoje se faz, um sadio e assexuado naturalismo, ou em que nos arrastávamos em Mercedes-Benz antidiluvianos em vez de, na velocidade de um raio, passar-se do ponto onde se estava a um outro, que é o mesmo. O triunfo do monopólio colossal sobre a livre iniciativa é celebrado pela indústria cultural como a eternidade da livre iniciativa. Combate-se o inimigo já abatido, o sujeito pensante. A ressurreição do antifilisteu Hans Sommenstösser na Alemanha e o prazer deixado pelo Papai Sabe Tudo são da mesma marca. Uma coisa é certa: a ideologia vazia de conteúdo não brinca em serviço quando se trata da previdência social. "Ninguém terá frio ou fome, quem o fizer vai acabar num campo de concentração", esta regra proveniente da Alemanha nazista poderia brilhar como dístico de todos os portais da indústria cultural. Esta pressupõe, com astuta ingenuidade, o estado que caracteriza a sociedade mais recente: que ela sabe dobrar muito bem os seus. A liberdade formal de cada um é garantida. Ninguém deve dar conta oficialmente do que pensa. Em troca, todos são encerrados, do começo ao fim, em um sistema de instituições e relações que formam um instrumento hipersensível de controle social. Quem não quiser soçobrar deve não se mostrar muito leve na balança do sistema. De outro modo, perde terreno na vida e termina por afundar. Que em cada carreira, mas sobretudo nas profissões liberais, o conhecimento do ramo esteja geralmente ligado a uma atitude conformista, pode criar a ilusão de que este seja o apenas o resultado de um conhecimento específico. Na realidade, faz parte da planificação irracional desta sociedade que ela, bem ou mal, apenas reproduza a vida de seus fiéis. A escala do teor de vida corresponde exatamente ao elo íntimo das castas e dos sujeitos com o sistema. No gerente se pode confiar, mesmo o pequeno empregado, Dagwood (personagem das história em quadrinhos), disto está seguro, a exemplo do que acontece tanto nas páginas humorísticas quanto na realidade. Quem tem frio ou fome, mesmo se alguma vez teve boas perspectivas, está marcado. Ele é um estranho e esta (se prescindirmos, por vezes dos delitos capitais) é a culpa mais grave. Nos filmes, ele se torna, no melhor dos casos, o original, o objeto de uma sátira perfidamente indulgente; na maioria dos casos, porém, é o vilão. Logo a primeira cena assim o declara para que nem sequer temporariamente surja a suspeita de a sociedade voltar-se contra os homens de boa vontade. De fato, hoje, se realiza uma espécie de Estado do Bem-Estar Social tipo superior. Para defender as próprias posições, mantém-se viva uma economia em que, graças ao extremo desenvolvimento da técnica, as massas do próprio país já são, de início, supérfluas na produção. A posição individual se torna dessa forma precária. No liberalismo, o pobre passava por preguiçoso, hoje ele é logo suspeito. Aquele que não se provê é mandado para os campos de concentração, ou em todo caso ao inferno do trabalho mais humilde e para as favelas. Mas a indústria cultural reflete a assistência positiva e negativa dispensada aos administrados como solidariedade imediata dos homens no mundo dos capazes. Ninguém é esquecido, por todos os lados estão os vizinhos, os assistentes sociais do tipo do Dr. Gil, espie e filósofos a domicílio com o coração do lado direito, que, da miséria socialmente reproduzida, fazem, com a sua intervenção afável de homem para homem, casos particulares e curáveis à medida que a depravação pessoal do sujeito não se oponha. O cuidado com as boas relações entre os dependentes, aconselhada pela ciência administrativa e já praticada por toda fábrica em vista do aumento da produção, reduz até mesmo o último impulso privado sob controle social, enquanto, em aparência, torna imediatas, ou volta a privatizar, as relações entre os homens na produção. Essa espécie de ajuda psíquica lança a sua sombra reconciliadora sobre as trilhas visíveis e sonoras da indústria cultural muito antes de se expandir, totalitariamente, da fábrica à sociedade inteira. Mas os grandes beneméritos e benfeitores da humanidade — cujos empreendimentos científicos o cinema deve apresentar diretamente como atos de piedade, para que lhes carreie um fictício interesse humano — desempenham o papel de condutores do povo, que acabam por decretar a abolição da piedade e prevenir qualquer contágio, após liquidado até o último paralítico.
A insistência sobre a boa vontade é o modo pelo qual a sociedade confessa a dor que produz: todos sabem que, no sistema, não podem mais se ajudar sozinhos, e isso a ideologia há de levar em conta. Em vez de se limitar a cobrir a dor com o véu de uma solidariedade improvisada, a indústria cultural põe toda sua honra comercial em encará-la virilmente e em admiti-la mantendo com dificuldade a sua compostura. O pathos da compostura justifica o mundo que a torna necessária. Esta é a vida, assim dura, mas por isso assim também maravilhosa e sadia. A mentira não recua diante do trágico, a sociedade total não abole, mas registra e planifica a dor de seus membros; assim também procede a cultura de massa com o trágico. Daí os tenazes empréstimos da arte. Ela busca a substância trágica, que o puro divertimento não pode fornecer por si mesmo, mas que lhe ocorre se quer manter-se de alguma forma fiel ao postulado de reproduzir exatamente o fenômeno. O trágico, convertido em momento calculado e aprovado do mundo, torna-se a bênção do mundo. Ele depende da acusação de não se levar muito a sério a verdade, quando, ao invés, ela é praticada com cínico pesar. O trágico torna interessante o tédio da felicidade consagrada e torna o interessante acessível a todos. Oferece ao consumidor que viu culturalmente dias melhores o sucedâneo da profundidade há muito tempo liquidada, e, ao publico comum, a escória cultural de que deve dispor por motivos de prestígio. A todos concede a consolação de que mesmo o forte e autêntico destino humano ainda é possível, e necessária a sua representação sem preconceitos. A realidade compacta e sem lacunas, em cuja reprodução hoje se revolve a ideologia, aparece tanto mais grandiosa, nobre e possante, quanto mais vem mesclada do necessário sofrimento. Ela assume a face do destino. O trágico é reduzido à ameaça de aniquilamento de quem não colabora, enquanto o seu significado contraditório antes consistia na resistência sem esperança à ameaça mítica. O destino trágico transpira no justo castigo, transformação que sempre foi aspirada pela estética burguesa. A moral da cultura de massa é a mesma dos livros para rapazes de ontem, embora "aprofundada". Assim, na reprodução de primeira qualidade, o mau é personificado pela mulher histérica que, mediante um estudo de exatidão pretensamente clínica, procura prejudicar a mais realista rival do bem da sua vida e termina encontrando uma morte bem diversa da teatral. Uma apresentação assim científica tem lugar apenas nos vértices de produção. Mais abaixo, os gastos são menores, e o trágico é domesticado sem se precisar de psicologia social. Assim como toda opereta vienense que se respeite devia ter, no segundo ato, o seu final trágico, deixando para o ato seguinte o esclarecimento dos mal-entendidos, assim também a indústria cultural concede ao trágico um lugar preciso na rotina. Já a notória existência da receita basta para aplacar o temor de que a tragicidade não seja controlada. A descrição da fórmula dramática por aquela dona de casa, entrando e saindo de confusões, define toda a cultura de massa das mulheres em série como mais idiota que a obra mais insignificante. Mesmo o pior êxito, que anteriormente estava investido de melhores intenções, reforça a ordem e falseia o trágico, seja que a amante ilegítima pague com a morte a sua breve felicidade, seja que o triste fim nas imagens faça resplandecer, tanto mais luminosa, a indestrutibilidade da vida real. O cinema trágico se torna definitivamente um instituto de aperfeiçoamento moral. As massas desmoralizadas pela vida sob a pressão do sistema e que se mostram civilizadas somente pelos comportamentos automáticos e forçados, das quais gotejam relutância e furor, devem ser disciplinadas pelo espetáculo da vida inexorável e pela contenção exemplar das vítimas. A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários bem como os costumes bárbaros. A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. O sujeito deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado. As situações cronicamente desesperadas que afligem o espectador na vida cotidiana transformam-se na reprodução, não se sabe como, na garantia de que se pode continuar a viver. Basta dar-se conta da própria inutilidade, subscrever a própria desconfiança, eis que já entramos no jogo. A sociedade é uma sociedade de desesperados e, portanto, a presa dos chefes. Em alguns dos mais significativos romances alemães do período pré-fascista, como Berlin Alexanderplatz e Kleiner Mann, was nun? (E agora, meu amigo?) essa tendência se exprimia com o mesmo vigor que na média dos filmes e na técnica do jazz. No fundo trata-se sempre do auto-escarnecimento do "homenzinho". A possibilidade de se tornar um sujeito econômico, empreendedor e proprietário, é definitivamente afastada. Até a última drogaria, a empresa independente, sob cuja direção e herança fundavam-se a família burguesa e a posição de seu cabeça, caiu numa dependência para a qual não há salvação. Todos se tornam empregados, e na civilização dos empregados cessa a dignidade já duvidosa do pai. O comportamento do sujeito singular quanto a firma, antes ou depois da admissão, como o do chefe diante da massa, do amante diante da mulher cortejada, assume traços tipicamente masoquistas. O comportamento a que cada um é constrangido para, em cada oportunidade, provar que pertence moralmente a essa sociedade, faz pensar nos rapazes que, no rito de admissão à tribo, se movem em círculo, com um sorriso idiota, sob as pancadas do sacerdote. A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos. Isso se encontra na base da síncope do jazz que escarnece dos tropeços e, ao mesmo tempo, os eleva à condição de norma. A voz de eunuco do cantor da rádio, o galante cortejador da herdeira, que cai de terno na piscina, são exemplos para os homens, que de per se devem se ajustar ao que impõe o sistema. Todos podem ser como a sociedade onipotente, todos podem se tornar felizes, conquanto se entreguem sem reservas, e renunciem à sua pretensão de felicidade. O varejo significa não só "qualquer ramo de negócios", como também plano fraudulento, chantagem estabelecida para a exploração de comerciantes".
A sociedade reconhece sua própria força na debilidade deles e lhes cede uma parte. A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro. Assim o trágico é liquidado.
Antigamente, a substância do trágico estava na oposição do indivíduo à sociedade. Ele exaltava "o valor e a liberdade de ânimo diante de um inimigo potente, de uma adversidade superior, de um terrível problema". Hoje, o trágico se dissolveu no nada da falsa identidade entre sociedade e sujeito, cujo horror se vislumbra ainda na aparência fraudulenta do trágico. Mas o milagre da integração, o permanente ato de graça dos patrões em acolher quem cede e engole a própria relutância, tende ao fascismo. Tal "milagre" lampeja na humanidade com que Döblin permite ao seu Biberkopf encontrar uma sistematização, assim como nos filmes de tom social. A capacidade de escorregar e de se arranjar, de sobreviver à própria ruína, pela qual o trágico é superado, é própria da nova geração; seus membros estão em condições de desempenhar qualquer trabalho, porque o processo de trabalho não os sujeita a um ofício determinado. Isso recorda a triste docilidade do sobrevivente, para o qual a guerra nada importava, ou do trabalhador ocasional, que termina por entrar nas ligas e nas organizações paramilitares. A liquidação do trágico confirma a liquidação do indivíduo.
Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção. Ele só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação. Da improvisação regulada do jazz até a personalidade cinematográfica original, que deve ter um topete caído sobre os olhos para ser reconhecida como tal, domina a pseudo-individualidade. O individual se reduz à capacidade que tem o universal de assinalar o acidental com uma marca tão indelével a ponto de torná-lo de imediato identificável. Mesmo o mutismo obstinado ou os modos eleitos pelo indivíduo que se expõe são produzidos em série, como as fechaduras Yale, que se distinguem entre si só por frações de milímetros. A particularidade do Eu é um produto patenteado, que depende da situação social e que é apresentado como natural. Esta se reduz aos bigodes, ao sotaque francês, à voz profunda de mulher vivida, ao estilo Lubitsch, que são quase como impressões digitais estampadas sobre documentos de identidade, entretanto iguais. Coisa em que, diante do poder universal, se transformam a vida e o rosto de todos os indivíduos, da estrela de cinema até o último condenado. A pseudoindividualidade é a premissa do controle e da neutralização do trágico: só pelo fato de os indivíduos não serem efetivamente assim, mas simples encruzilhadas das tendências do universal, é possível recapturá-los integralmente na universalidade. A cultura de massa assim desvela o caráter fictício que a forma do indivíduo sempre teve na época burguesa e o seu erro está apenas em vangloriarse desta turva harmonia do universal com o particular. O princípio da individualidade sempre foi contraditório. Antes de tudo, nunca se chegou a uma verdadeira individualização. A autoconservação nas classes mantém a todos na condição de simples seres genéticos. Todo caráter burguês alemão exprimia, não obstante seus desvios e mesmo nestes, uma só e mesma coisa: a dureza da sociedade da competição. O indivíduo, sobre o qual a sociedade se regia, portava o seu estigma; ele, em sua liberdade aparente, era o produto da engrenagem econômico e social. O poder apelava para as relações de força dominantes ao solicitar a resposta dos que lhe eram sujeitos. Por outro lado, a sociedade burguesa, em seu curso, também desenvolveu o indivíduo. Contra a vontade dos seus governantes, a técnica educou o homem desde criança. Mas todo o processo de individualização nesse sentido se cumpriu em prejuízo da individualidade, em cujo nome se dava, e desta só manteve a decisão de perseguir tão-somente e sempre a sua própria meta. O burguês, para quem a vida se divide em negócios e vida privada , a vida privada em representações e intimidade, a intimidade na repugnante comunidade do matrimônio e na amarga consolação de estar completamente só, separado de si e de todos, virtualmente já é o nazista, ao mesmo tempo entusiasta e injuriante, ou o moderno habitante das metrópoles, que só pode conceber a amizade como ligação social, como a aproximação social de indivíduos intimamente distantes. A indústria cultural pode fazer o que quer da individualidade somente porque nela, e sempre, se reproduziu a íntima fratura da sociedade. Na face dos heróis do cinema e do homem comum, confeccionada segundo os modelos das capas das grandes revistas, desaparece uma aparência em que ninguém mais crê, e a paixão por aqueles modelos vive da satisfação secreta de, finalmente, estarmos dispensados da fadiga da individualização, mesmo que seja pelo esforço — ainda mais trabalhoso — da imitação. Seria, entretanto, inútil esperar que a pessoa, em si contraditória e combalida, não possa durar gerações, que, nesta cisão psicológica, o sistema deva necessariamente se estilhaçar, que a enganosa substituição do individual pelo estereótipo deva tomar-se por si intolerável aos homens. Já o Hamlet, de Shakespeare, percebia a personalidade una como aparência. Nas fisionomias sinteticamente preparadas de hoje, já se mostra esquecido que, em algum tempo, tenha havido um conceito de vida humana. Há vários séculos a sociedade se preparou para Victor Mature e Mickey Rooney. Sua obra de dissolução é, ao mesmo tempo, uma conclusão.
A apoteose do tipo médio pertence ao culto do que tem bom preço. As estrelas mais bem pagas parecem imagens de propaganda de ignorados artigos- padrão. Não é por nada que são escolhidas com freqüência entre as fileiras dos modelos comerciais. O gosto dominante tira o seu ideal da publicidade, da beleza de uso. Assim o dito socrático para o qual o belo é o útil, por fim, acha-se ironicamente realizado. O cinema faz publicidade para o monopólio cultural no seu todo; no rádio, os produtos pelos quais existem os bens culturais são elogiados mesmo individualizadamente. Por 50 centavos, vê-se o filme, que custou milhões, por 10 se obtém o chiclete que traz em si toda a riqueza do mundo e que a incrementa com a sua venda. As melhores orquestras do mundo, que não o são absolutamente, são fornecidas grátis a domicílio. Tudo isso é uma paródia do reino da carochinha, como a "comunidade popular" o é da humana. Para todos, alguma coisa é preparada. A exclamação do provinciano que pela primeira vez se dirigia ao velho Metropoltheater de Berlim, "é incrível o que oferecem por tão pouco", já há algum tempo foi retomada pela indústria cultural e elevada à condição de substância da própria produção. Não só esta é sempre acompanhada do triunfo em virtude mesmo de ser possível, como a todos faz iguais, em grande escala, por efeito desse mesmo triunfo. O espetáculo significa mostrar a todos o que se tem e o que se pode. É ainda a velha feira, mas incuravelmente afetada de cultura. Assim como os visitantes das feiras, atraídos pela voz persuasiva dos vendedores, superavam com um corajoso sorriso a desilusão causada pelos barracões, pois que, no fundo, já de antes conheciam o que se lhes apresentava, assim também o freqüentador do cinema se enfileira compreensivo do lado da instituição. Mas com a acessibilidade dos produtos "de luxo" em série e com seu complemento, a confusão universal, tem início uma transformação no caráter de mercadoria da própria arte. Esse caráter nada tem de novo: só o fato de se reconhecer expressamente, e o de que a arte renegue a própria autonomia, enfileirando-se com orgulho entre os bens de consumo, tem o fascínio da novidade. A arte como domínio separado foi possível, desde o início, apenas como burguesa. Mesmo a sua liberdade, como negação da funcionalidade social que se impõe pelo mercado, permanece essencialmente ligada ao pressuposto da economia mercantil. As puras obras de arte, que negam o caráter de mercadoria da sociedade já pelo fato de seguirem a sua própria lei, sempre foram, ao mesmo tempo, também mercadorias: e à medida que, até o século XVII, a proteção dos mecenas defendeu os artistas do mercado, estes eram sujeitos, em troca, aos mecenas e a seus propósitos. A liberdade dos fins da grande obra de arte moderna vive do anonimato do mercado. As exigências deste são tão complexamente mediadas que o artista permanece isento, seja apenas em uma certa medida, da pretensão determinada: pois sua autonomia, simplesmente tolerada, foi acompanhada, durante toda a história burguesa, por um momento de falsidade, que se desenvolveu por último na liquidação social da arte. Beethoven, mortalmente enfermo, que lança longe de si um romance de Walter Scott exclamando: "Este escreve por dinheiro!", e que, ao mesmo tempo, usufrui da venda dos últimos quartetos — suprema recusa do mercado — revela-se um homem de negócios, ainda que teimoso e nada esperto, oferecendo o exemplo mais grandioso da unidade dos opostos (mercado e autonomia) na arte burguesa. Vítimas da ideologia são aqueles que ocultam a contradição, em vez de acolhê-la, como Beethoven, na consciência da própria produção. Em música, ele refez a cólera pelo soldo perdido e deduziu aquele metafísico "Dever ser", que procura superar esteticamente — assumindo-a em si mesmo — a necessidade do mundo, a necessidade de pagar mensalmente o aluguel. O princípio da estética idealista, a finalidade sem fim, é a inversão do esquema a que obedece — socialmente — a arte burguesa: inutilidade para os fins estabelecidos pelo mercado. Por fim, na demanda de divertimento e dissensão, a finalidade devorou o reino da inutilidade. Mas como a instância da utilizabilidade da arte se torna total, começa a se delinear uma variação na íntima estrutura econômica das mercadorias culturais. O útil que os homens se prometem na sociedade de conflito, por meio da obra de arte, é exatamente, em larga medida, a existência do inútil: que, entretanto, é liquidado no ato de ser subjugado por inteiro ao princípio da utilidade. Adequando-se por completo a necessidade, a obra de arte priva por antecipação os homens daquilo que ela deveria procurar: liberá-los do princípio da utilidade. Aquilo que se poderia chamar o valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca, em lugar do prazer estético penetra a idéia de tomar parte e estar em dia; em lugar da compreensão, ganha-se prestígio. O consumidor torna-se a desculpa da indústria de divertimento, a cuias instituições ele não se pode subtrair.
Precisa ter visto Mrs. Minniver, como precisa ter em casa as revistas Life e Time. Tudo é percebido apenas sob o aspecto que pode servir a qualquer outra coisa, por mais vaga que possa ser a idéia dessa outra. Tudo tem valor somente enquanto pode ser trocado, não enquanto é alguma coisa de per si. O valor de uso da arte, o seu ser, é para os consumidores um feitiço, a sua valoração social, que eles tomam pela escala objetiva das obras, torna-se o seu único valor de uso, a única qualidade de que usufruem. Assim o caráter de mercadoria da arte se dissolve no próprio ato de se realizar integralmente. Ela é um tipo de mercadoria, preparado, inserido, assimilado à produção industrial, adquirível e classificavel, mas o gênero de mercadoria arte, que vivia do fato de ser vendida, e de, entretanto, ser invendável, torna-se — hipocritamente — o absolutamente invendável quando o lucro não é mais só a sua intenção, mas o seu princípio exclusivo. A execução de Toscanini no rádio é, de certo modo, invendável.
Escuta-se-lhe de graça, e a cada passagem da sinfonia se junta, por assim dizer, o sublime afago resultante da sinfonia não ser interrompida pela propaganda — "Este concerto é levado a ti pelo serviço publico". A fraude se cumpre indiretamente pelo ganho de os fabricantes de automóveis e de sabão que financiam as estações, e, naturalmente, pelo aumento de negócios da indústria elétrica, produtora dos aparelhos receptores. Em toda parte, o rádio, fruto tardio e mais avançado da cultura de massa, traz conseqüências provisoriamente recusadas ao filme por seu pseudomercado. A estrutura técnica do sistema comercial de radiodifusão o imuniza dos desvios liberais, como os que os industriais do cinema ainda se podem permitir no seu campo. É uma empresa privada que, em antecipação aos outros monopólios, já se mostra de todo soberana.
Chesterfield é apenas o cigarro da nação, mas o rádio é o seu porta-voz.
Incorporando completamente os produtos culturais na esfera das mercadorias, o rádio renuncia a colocar como mercadorias os seus produtos culturais. Ele não cobra do público na América taxa alguma e, assim, assume o aspecto enganador de autoridade desinteressada e imparcial, que parece feita sob medida para o fascismo. Daí o rádio se tornar a boca universal do Führer; e a sua voz, nos altofalantes das estradas, vai além do ulular das sereias anunciadoras de pânico, do qual a propaganda moderna dificilmente pode-se distinguir. Mesmo os nazistas sabiam que o rádio dava forma a sua causa, como a imprensa dera à causa da Reforma. O carisma metafísico do chefe inventado pela sociologia da religião se revelou, enfim, como a simples onipresença dos seus discursos no rádio, diabólica paródia da onipresença do espírito divino, O fato desmedido de o discurso penetrar em toda parte substitui o seu conteúdo, do mesmo modo como a oferta daquela transmissão de Toscanini tomava o lugar do seu conteúdo, a própria sinfonia. Nenhum dos ouvintes está mais em condições de conceber o seu verdadeiro contexto, enquanto o discurso do Führer já por si mesmo é a mentira. Pôr a palavra humana como absoluta, o falso mandamento, é a tendência imanente do rádio. A recomendação torna-se ordem. A apologia das mercadorias sempre iguais sob etiquetas diferentes, o elogio cientificamente fundado do laxativo na voz melosa do anunciante entre a abertura da Traviata e a de Rienzi se tornou insustentável por sua própria grosseria. Por fim, as exigências da produção disfarçado pela aparência de uma possibilidade de escolha, a propaganda específica, pode ir além do aberto comando do chefe. Em uma sociedade de grandes estelionatários fascistas, que se pusessem de acordo sobre a parte do produto destinado a assegurar as necessidades do povo, mostrar-se-ia no fim a anacrônica propaganda em favor do uso de um detergente particular. O Führer mais moderno ordena, sem maiores cerimônias, o sacrifício, assim como a aquisição da mercadoria encalhada.
Já hoje as obras de arte como palavras de ordem política são oportunamente adaptadas pela indústria cultural, levadas a preços reduzidos a um público relutante, e o seu uso se torna acessível a todos como o uso dos parques. Mas a dissolução do seu autêntico caráter de mercadoria não significa que elas sejam custodiadas e salvas na vida de uma sociedade livre, mas sim que desaparece até a última garantia contra a sua degradação em bens culturais. A abolição do privilégio cultural por liquidação e venda a baixo preço não introduz as massas nos domínios já a elas anteriormente fechados, mas contribui, nas condições sociais atuais, a própria ruína da cultura, para o progresso da bárbara inconsistência. Quem no século passado, ou no início deste, gastava para ver um drama ou escutar um concerto, tributava ao espetáculo pelo menos tanto respeito quanto o dinheiro do ingresso. O burguês, que queria extrair alguma coisa por si, podia às vezes procurar relacionar-se com a própria obra. A assim chamada literatura introdutória às obras de Wagner e os comentários ao Fausto testemunham esse fato. Ela ainda não era apenas uma forma de passagem para o verniz biográfico e para as outras práticas nas quais hoje submergem as obras de arte. Mesmo nos primeiros tempos do sistema, o valor de troca não se arrastava atrás do valor de uso como um mero apêndice, porém o tinha desenvolvido como sua premissa, e isso foi socialmente vantajoso para a obra de arte. Esta ainda mantinha o burguês dentro de certos limites, à medida que era cara. Isso acabou. A sua proximidade absoluta, não mais mediada pelo dinheiro, para todos aqueles a quem é exibida, é o cume da alienação e aproxima uma à outra no signo da completa reificação. Na indústria cultural, desaparece tanto a crítica como o respeito: àquela sucede a especialidade mecânica, a este, o culto efêmero da celebridade. Para os consumidores não existe mais nada que seja caro. Estes, entretanto, intuem que quanto mais se lhes regala certa coisa, tanto menor se toma o seu preço. A dupla desconfiança para com a cultura tradicional como ideologia se mistura à desconfiança quanto à cultura industrializada como fraude. Reduzidas a pura homenagem, as obras de arte pervertidas e corrompidas são secretamente empurradas pelos beneficiados para o meio dos trastes, com os quais são assimiladas. Os consumidores podem se alegrar que haja tanta coisa para ver e ouvir. Praticamente pode-se ter de tudo. As telas e os teatros de variedades no cinema, as disputas dos músicos, os cadernos gratuitos, as gratificações e os artigos de presente distribuídos aos ouvintes de determinados programas, não são simples acessórios, mas o prolongamento do que acontece com os próprios produtos culturais. A sinfonia toma-se um prêmio para a audição radiofônica em geral, e se a técnica pudesse fazer aquilo que quer, o filme já seria fornecido a domicílio conforme o exemplo do rádio. Este tende ao sistema comercial. A televisão já mostra o caminho de uma evolução que poderá colocar os irmãos Warner na posição, para eles certamente não desejável, de guardiões e defensores da cultura tradicional. Mas a prática de prêmios já se depositou no comportamento dos consumidores. Enquanto a cultura se apresenta como homenagem, cuja utilidade privada e social permanece, ademais, fora de questão, a sua recepção se torna uma percepção de chances. Os ouvintes se aglomeram com medo de perder alguma coisa. O que seja esta coisa não se sabe, mas, de qualquer forma, há sempre uma probabilidade. Mas o fascismo espera reorganizar os recebedores de dons da indústria cultural no seu séquito regular e forçado. A cultura é uma mercadoria contraditória. É de tal modo sujeita à lei da troca que não é nem mesmo trocável; resolve-se tão cegamente no uso que não é mais possível utilizá-la. Funde-se por isso com a propaganda, que se faz tanto mais onipotente quanto mais parece absurda, onde a concorrência é apenas aparente. Os motivos, no fundo, são econômicos. É evidente que se poderia viver sem a indústria cultural, pois já é enorme a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores. Por si mesma ela pode bem pouco contra esse perigo. A publicidade é o seu elixir da vida. Mas, já que o seu produto reduz continuamente o prazer que promete como mercadoria à própria indústria, por ser simples promessa, finda por coincidir com a propaganda, de que necessita para compensar a sua não fruição. Na sociedade competitiva, a propaganda preenchia a função social de orientar o comprador no mercado, facilitava a escolha e ajudava o fornecedor mais hábil, contudo até agora desconhecido, a fazer com que a sua mercadoria chegasse aos interessados. Ela não só custava, mas também economizava tempo-trabalho. Agora que o livre mercado chega ao fim, entrincheira-se na propaganda o domínio do sistema. Ela reforça o vínculo que liga os consumidores às grandes firmas. Só quem pode rapidamente pagar as taxas exorbitantes cobradas pelas agências de propaganda, e, em primeiro lugar, pelo próprio rádio, ou seja, quem já faz parte do sistema, ou é expressamente admitido, tem condições de entrar como vendedor no pseudo mercado. As despesas com a propaganda, que terminam refluindo para os bolsos dos monopólios, evitam ter, a cada vez, de esmagar a concorrência dos aventureiros indesejáveis; garantem que os padrões de valor permanecem entre si, em círculo fechado, nisto não são completamente diferentes das deliberações dos conselhos econômicos que, no Estado totalitário, controlam a abertura de novas agências ou a gestão das já existentes. A publicidade é hoje um princípio negativo, um aparelho de obstrução, tudo o que não porta o seu selo é economicamente suspeito. A propaganda universal não é em absoluto necessária para dar a conhecer os tipos a que a oferta já está limitada. Só indiretamente ela serve à venda. O abandono de uma prática publicitária corrente por parte de uma única firma é uma perda de prestígio, e, na realidade, uma violação da disciplina que a trinca determinante impõe aos seus. Durante a guerra, continua-se a propagandear mercadorias que não estão mais à venda, somente a fim de expor e de deixar à mostra o poder industrial. Mais importante que a repetição do nome é, portanto, o financiamento dos meios de comunicação ideológica. Em virtude de, sob a pressão do sistema, cada produto empregar a técnica de propaganda, ela entrou triunfalmente na gíria, no "estilo", da indústria cultural. A sua vitória é tão completa que, nos pontos decisivos, não tem sequer mais necessidade de se tornar explícita: os palácios monumentais das firmas gigantescas, publicidade petrificada à luz dos refletores, não tem propaganda, limitam-se, no máximo, a expor, sobre as colunas altas, brilhantes e lapidares, sem mais o acompanhamento de elogios, as iniciais da empresa, enquanto as casas sobreviventes do século XIX — em cuja arquitetura ainda se lê com rubor a utilidade dos bens de consumo, a finalidade da habitação — são besuntadas do chão ao teto de cartazes luminosos; a paisagem não sendo mais que o pano de fundo dos cartazes e dos letreiros. A publicidade torna-se a arte por excelência, como Goebbels, com seu faro, já soubera identificá-la. "L´art pour l'art", propaganda de si mesma, pura exposição do poder social. Já nas grandes revistas semanais americanas Life e Fortune uma rápida olhadela mal consegue distinguir figuras e textos publicitários da parte redacional. Saída da redação é o relato ilustrado, entusiástico e não pago, sobre os hábitos de vida e sobre a higiene pessoal do astro, coisa que lhe traz novas fãs, enquanto as páginas publicitárias se baseiam em fotografias e em dados tão objetivos e realistas a ponto de representarem o próprio ideal da informação, a que a parte redacional só faz aspirar. Cada filme é a apresentação do filme seguinte, que promete reunir outra vez mais a mesma dupla sob o mesmo céu exótico: quem chega atrasado fica sem saber se assiste ao "em breve neste cinema" ou ao filme propriamente dito. O caráter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e guiada dos seus produtos, industrializada não só no estúdio cinematográfico, mas virtualmente, ainda na compilação das biografias baratas, nas pesquisas romanceadas e nas canções, adapta-se a priori à propaganda. Já que o momento particular tornou-se separável e fungível, descartado mesmo tecnicamente de qualquer nexo significativo, ele se pode prestar a finalidades externas à obra. O efeito, o achado, o enredo isolado e repetível, ligou-se para sempre com a exposição de produtos para fins publicitários, e hoje cada motivo de sucesso o plug da sua melodia. Técnica e economicamente, propaganda e indústria cultural mostram-se fundidas. Numa e noutra a mesma coisa aparece em lugares inumeráveis, e a repetição mecânica do mesmo produto cultural já é a repetição do mesmo lema da propaganda. Numa e noutra, sob o imperativo da eficiência, a técnica se toma psicotécnica, técnica do manejo dos homens.
Numa e noutra valem as formas do surpreendente e todavia familiar, do leve e contudo incisivo, do especializado e entretanto simples; trata-se sempre de subjugar o consumidor, representado como distraído ou relutante.
Pela linguagem em que se exprime, contribui ele próprio para fortalecer o caráter publicitário da cultura. Quanto mais a linguagem se resolve em comunicação, quanto mais as palavras se tornam, de portadoras substanciais de significado, em puros signos privados de qualidade, quanto mais pura e transparente é a transmissão do objeto intencionado, tanto mais se tornam opacos e impenetráveis. A desmistificação da linguagem, como elemento de todo processo de esclarecimento, inverte-se em magia. Reciprocamente distintos e indissolúveis, palavra e conteúdo eram unidos entre si. Conceitos como melancolia, história e, inclusive, "a vida" eram conhecidos nos termos que os representavam e custodiavam. A sua forma os constituía e, ao mesmo tempo, os reproduzia. A nítida separação que declara casual o teor da palavra e arbitrária a coordenação como objeto, liquida a confusão supersticiosa entre palavra e coisa.
Aquilo que em uma sucessão estabelecida de letras transcende a correlação ao evento é banido como obscuro e como metafísica verbal. Com isso, porém, a palavra que deve tão só designar (bezeichnen) e não significar (bedeuten) nada torna-se de tal modo fixada à coisa que se enrijece em fórmula. Isso toca simultaneamente à língua e ao objeto. Em vez de conduzir o objeto à vivência, a palavra purgada o expõe como caso de um momento abstrato, e todo o resto, excluído da expressão (que não mais existe) por uma exigência de clareza desapiedada, perece mesmo na realidade. O ponta esquerda no futebol, o camisa negra, o jovem hitlerista etc. não são nada mais além de que designam.
Se a palavra, antes da sua racionalização, tinha promovido, junto com o desejo, mesmo a mentira, a palavra racionalizada tornou-se uma camisa-de-força para o desejo mais ainda que para a mentira. A cegueira e o mutismo dos dados a que o positivismo reduz o mundo atingem mesmo a linguagem que se limita ao registro daqueles dados. Assim os próprios termos se tomam impenetráveis, adquirem um poder de choque, uma força de adesão e de repulsão que os torna parecidos com seu extremo oposto, as fórmulas mágicas. Eles operam como uma espécie de truques, seja que o nome da estrela é inventado no estúdio cinematográfico, segundo a experiência dos dados estatísticos, seja que o Estado de Bem-Estar seja caluniado por meio de termos com força de tabu, como "burocratas" ou "intelectuais", seja que a infâmia se torna invulnerável pelo nome da Pátria. O próprio nome que mais se liga à magia hoje sofre uma transformação química. Transforma-se em etiqueta arbitrária e manipulável, cuja eficácia pode ser calculada, mas mesmo por isso dotado de uma força e de uma vontade própria como a dos nomes arcaicos. Os nomes de batismo, resíduos arcaicos, foram elevados à altura dos tempos, sendo estilizados como siglas publicitárias — nos astros mesmo os apelidos têm essa função — ou sendo padronizados coletivamente. Soa como antiquado, ao invés, o nome burguês, o nome de família, que, em lugar de ser uma etiqueta, individualizava o seu portador em relação à sua própria origem. Isso suscita em muitos estadunidenses americanos um estranho embaraço. Para mascarar a incômoda distância entre indivíduos particulares, chamam-se entre si Bob e Harry, como membros substituíveis de times. Esse hábito reduz as relações entre os homens à fraternidade do público desportivo, que protege da verdadeira fraternidade. A significação, que é a única função da palavra admitida pela semântica, realiza-se plenamente no sinal. A sua natureza de sinal se reforça com a rapidez com que os modelos lingüísticos são postos em circulação do alto. Se os cantos populares, certa ou erradamente, foram considerados patrimônio cultural "arruinado" pela casta dominante, os seus elementos, em todo caso, assumiam a sua forma popular só depois de um longo e complicado processo de experiência. A difusão das canções populares, ao contrário, acontece culminantemente. A expressão estadunidense fad, para significar modas que se afirmam de forma epidêmica — ou seja, promovidas por potências econômicas altamente concentradas —, designava o fenômeno bem antes que os diretores da propaganda totalitária jogassem fora as linhas gerais da cultura. Se hoje os fascistas alemães lançam pelos alto-falantes a palavra "intolerável", amanhã todo o povo dirá também "intolerável". Segundo o mesmo esquema, as nações contra as quais era empreendida a guerra relâmpago alemã a acolheram na sua gíria. A repetição universal dos termos adotados pelas várias determinações torna estas últimas de qualquer modo familiares, como nos tempos do mercado livre, o nome de um produto em todas as bocas promovia a sua vendagem. A repetição cega e a rápida expansão de palavras estabelecidas une a publicidade à palavra de ordem totalitária. A camada de experiência que fazia das palavras as palavras dos homens que as pronunciavam está inteiramente achatada, e mediante a rápida assimilação, a língua assume uma frieza que, até então, só caracterizava as colunas publicitárias e as páginas de anúncio dos jornais.
Infinitas pessoas usam palavras e expressões que ou nem mesmo mais compreendem, ou que só empregam segundo o seu valor de comportamento de posição, como símbolos protetores que se fixam tanto mais tenazmente aos seus objetos quanto menos ainda se está em grau de compreender o seu significado lingüístico. O ministro da instrução popular fala de forças dinâmicas, sem saber o que à expressão significa, e as canções que cantam sem cessar as fantasias e rapsódias devem a sua popularidade justamente à magia do incompreensível, experimentada como a agitação de uma vida mais alta. Outros estereótipos, como mnemonicos, ainda são em certa medida entendidos, mas fogem à experiência que deveriam cumulá-las. Afloram como bordões na linguagem falada. Na rádio alemã de Flesch e Hitler tais estereótipos podem ser captados no afetado alto alemão (Hoch-Deutsch) do anunciante, que diz à nação Auf Wiederhi ren ou Hier spricht die Hitleliugend e, por fim, der Führer com uma cadência que de repente se torna sotaque natural de milhões. Nessas expressões corta-se mesmo o último vínculo entre a experiência sedimentada e a língua, que exercia ainda uma benéfica influência, no século XIX, pelo dialeto. O redator cuja flexibilidade de convicções permitiu tornar-se deutscher Schrifileiter vê, em troca, sob a pena, as palavras alemãs enrijecerem-se em palavras estrangeiras. Em cada palavra pode-se perceber até que ponto foi desfigurada pela "comunidade popular" fascista. É verdade que, em seguida, essa linguagem se tornou universal e totalitária. Não é mais possível advertir nas palavras a violência que elas sofreram. O locutor da rádio não necessita mais falar afetado; pois não seria sequer possível que o seu sotaque não se distinguisse pelo caráter de entonação do grupo de ouvintes que lhe foi assegurado. Mas, em troca, o modo de se exprimir e de gesticular dos ouvintes e dos espectadores, chegando até a nuanças que nenhum método experimental está em condições de captar, está mais do que nunca infiltrado pelo esquema da indústria cultural. Esta hoje herdou a função civilizatória da democracia da fronteira e da livre iniciativa, que de resto nunca manifestou uma sensibilidade muito refinada para com as diferenças espirituais. Todos são livres para dançar e se divertir, como, desde a neutralização histórica da religião, são livres para ingressar em uma das inumeráveis seitas. A liberdade na escolha das ideologias, contudo, que sempre reflete a pressão econômica, revela-se em todos os setores como liberdade do sempre igual. O modo como uma moça aceita e executa o seu encontro obrigatório, o tom da voz ao telefone e na situação mais familiar, a escolha das palavras na conversação, e toda a vida íntima ordenada segundo os conceitos da psicanálise vulgarizada, documenta a tentativa de fazer de si um aparelho adaptado ao sucesso, correspondendo, até nos movimentos instintivos, ao modelo oferecido pela indústria cultural. As reações mais secretas dos homens são assim tão perfeitamente reificadas diante de seus próprios olhos que a idéia do que lhes é específico e peculiar apenas sobrevive sob a forma mais abstrata: personak não significa praticamente — para eles — outra coisa senão dentes brancos e liberdade de suor e de emoções. Isso é o triunfo da propaganda na indústria cultural, a mimese compulsória dos consumidores às mercadorias culturais cujo sentido eles ao mesmo tempo decifram.
Inclusão | 06/06/2018 |