O Proletariado e a Constituinte

Luta de Classe

1 de maio de 1931


Primeira Edição: (Luta de Classe, 1º de Maio de 1931, ano II, n. 7). Na Contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 – 1933. Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs (orgs.)

Fonte: http://www.ler-qi.org/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


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A política da burguesia nacional está dividida em dois blocos. Um bloco, tendo À frente Oswaldo Aranha e seus comparsas militares João Alberto, Miguel Costa & Cia. e numa fração da política mineira, é contra a convocação da Assembléia Constituinte. O outro, composto de democráticos de S. Paulo, alguns políticos mineiros e libertadores gaúchos, é contra a prolongação do governo discricionário, a favor da Constituinte.

O primeiro representa uma parte da burguesia de certos Estados que estavam precisando do governo federal para fazer predominar no país os seus interesses econômicos descarados ou desprotegidos pela política perrepista que defendia principalmente os interesses cafeeiros de São Paulo.

O governo discricionário é defendido, de um lado, por esses elementos da burguesia e, de outro lado, por militares e revoltosos a quem a mazorca triunfante veio dar uma importância política com que nunca sonharam. Essa fração da burguesia tem interesses a serem protegidos e acautelados imediatamente e que o poder ditatorial pode atender, de um modo direto, com uma simples penada, sem debates parlamentares.

O bloco pré-constituinte é formado, principalmente, por libertadores do Rio Grande do Sul e por democráticos de São Paulo, que representam uma fração da burguesia a que não convém a continuação da ditadura, pois os seus interesses podem ser atendidos constitucionalmente e não [ilegível] os da outra fração burguesa que não quer formalidades constitucionais a lhe retardar a ação discricionária.

A fração da burguesia partidária da Constituinte, é formada de gente descontente e despeitada ou apeada do poder – burguesia urbana, comercial e financeira, com seu cortejo de advogados, professores, engenheiros, etc.

Fazendeiros, afogados na superprodução , e industriais que não podem viver sem ligação direta com o Estado burguês, não entram em apreciações sibilinas sobre as vantagens do regime constitucional. O que eles querem é que o governo federal os tire do aperto. Quanto ao mais, dão-se muito bem com o câmbio baixo, etc.

A outra fração da burguesia, porém, já sabe apreciar concretamente as vantagens do regime constitucional, pois ela espera com este a consolidação da “ordem”, o restabelecimento da “normalidade” legal e, conseqüentemente , a volta da “paz aos espíritos”, a restauração da “confiança”, a subida do câmbio, o crédito externo e interno, o reatamento definitivo das transações comerciais, a normalização do movimento na esfera da circulação, enfim.

Apesar da certeza de suas vistas e do firme apego aos mais grosseiros interesses fracionais ou mesmo pontuais, uma coisa une os dois partidos a cada passo: a vista do proletário, esfarrapado e desarmado, mas mesmo assim ameaçador e terrível, pela própria [ilegível] implacável da história.

Pode o proletariado sentir apenas o desejo de que não lhe rebaixem os salários ou de que lhe tirem também o direito de associar-se. Pouco importa: ou ele manifesta esse desejo em massa, organizado, embora pelo mais pacífico e legal – diante dessa visão, de ponta a ponta da burguesia o interesse de classe desperta instantaneamente, na sua expressão mais aguda, refazendo de pronto a frente única burguesa. É esse proletariado, ainda iludido com as garantias mentirosas da ordem burguesa, paga com o seu sangue generoso essa ilusão. E a sua manifestação pacífica e ordeira será recebida como um criminoso atentado à ordem e à propriedade capitalista. Os atentados à ordem e à propriedade são reprimidos a chanfalho [espada velha e ferrugenta], à pata de cavalo e à bala, instrumentos e métodos de violência que o Estado burguês tem o privelégio exclusivo de possuir à sua disposição.

Para que os burgueses durmam tranqüilos, eles querem que os operários vivam isolados uns dos outros, não façam outra coisa senão ir da casa para a oficina e desta para a casa, freqüentem missa aos domingos, não pertençam a nenhuma associação de classe e, muito menos, se preocupem com a política de seu partido de classe, do partido que há de conduzi-los ao poder – o Partido Comunista. É assim que Jorge Street e F. Matarazzo querem os seus assalariados. E, infelizmente, ainda é nessa situação que se encontra a grande maioria do proletariado do Brasil.

Companheiros! A situação econômica e política atual do Brasil é ainda pior do que nos tempos miseráveis de Washington Luís.

Naquela época havia ainda uma certa legalidade e a Constituição, se bem que no fundo só servissem à própria burguesia. Havia jornais contra o governo e deputados oposicionista, tão safados e corrompidos quanto os governistas, mas que muitas vezes protestavam, faziam escândalos contra as habituais perseguições do governo, embora o fizessem com o intuito demagógico de conquistar as simpatias da massa.

Podia-se, naquela época, recorrer ao habeas corpus, para a libertação de companheiros presos e tinha-se, assim, um meio de fazer agitação e protestar contra essas perseguições mesmo dentro dos tribunais, sacudindo pela gola os velhos prostituídos do Supremo Tribunal, valetes de toga da burguesia.

Tínhamos, por fim, no Conselho Municipal do Rio de Janeiro, dois camaradas nossos, dois militantes proletários, que se nem sempre souberam defender com inteligência os nossos interesses, contudo nunca traíram a nossa classe e sempre desmascaram o jogo hipócrita dos demagogos da grande e pequena-burguesia, da espécie de Maurício de Lacerda.

Mas, hoje, nem mesmo certos jornais burgueses se sentem seguros, pois podem ser fechados de um momento para outro, a uma simples ordem do governo.

Quanto a nós, proletários, basta o capricho de um cão de fila policial, de qualquer imundo (não entendível), para sermos jogados no xadrez pelo tempo que a polícia entender.

Esta a situação em que nos encontramos.

[3 palavras ilegíveis] de Outubro foi, [ilegível] marchar-ré no estado [ilegível]. Hoje, a situação [ilegível] e nunca em medida do que ao tempo do Ouro. P. Houve um re-[ilegível] que se abrirão de um governo burguês constitucional para um governo burguÊs discricionário. Estamos, portanto, numa situação idêntica à da Rússia em 1906, por ocasião da dissolução da terceira Duma, Lênin, caracterizando essa situação resumiu-a assim: “A dissolução da Duma é uma volta completa à autocracia”. Diante dessa volta À autocracia, Lênin lançou então a palavra de ordem de Assembléia Constituinte para criar assim um representação popularmente realmente investida de poder, que tivesse como conseqüência a derrubada da autocracia.

A nossa atitude política atual é evidente. Somos pela convocação da Assembléia Constituinte com plenos poderes, que possa conter uma representação direta da massa popular e que venha derrubar o governo discricionário.

Lênin que a frente de seu partido conduziu o proletariado russo ao poder, depois de dezenas de anos de luta, com a autoridade de sua experiência política e revolucionária, disse que “...uma república burguesa com uma Assembléia Constituinte era preferível à mesma república sem Constituinte...”. Isto ele disse na conferência do Partido Comunista russo, em caráter oficial, em nome do Partido, em Abril de 1917. Nessa época, já o czarismo tinha sido derrubado e o governo estava nas mãos de socialistas e democratas, com Kerensky à frente. Ora, esse governo, composto de pequeno burgueses socialistas-reformistas e traidores das massas exploradas, instrumento da grande burguesia e do imperialismo, era no entanto cem mil vezes mais adiantado, incomparavelmente mais democrático e liberal do que o atual governo Getúlio Vargas. Não pode haver mesmo comparação entre os homens e os partidos que faziam parte desse governo provisório russo e os que agora ocupam o governo do Brasil. Kerensky, com toda sua safadeza, Tseretelli, com todo o seu reformismo, eram milhões de vezes mais adiantados, mais liberais, mais ligados à massa, do que os sargentões boçais e atrasado como Izidoro, Miguel Costa, João Alberto & Cia, e os mistificadores ignorantes da espécie de Luzardo e Collor.

Entretanto, Lênin e todo o partido bolchevique exigiam insistentemente a Constituinte. Ainda nessa época, em Abril de 1917, apenas alguns meses antes do proletariado tomar o poder, quando os sovietes de operários e soldados já se espalhavam por toda a parte, o partido revolucionário do proletariado se batia pela constituinte. Lênin dava tal importância a essa reivindicação política, que escreveu, já sob ditadura do proletariado, estas palavras: “Mesmo algumas semanas antes da vitória da república soviética, mesmo depois dessa vitória, a participação num parlamento da democracia burguesa, longe de prejudicar o proletariado revolucionário, auxilia-o a provar às massas retardatárias que esses parlamentos merecem ser dissolvidos, facilita o êxito de sua dissolução, aproxima o momento em que se poderá dizer que o parlamento burguês “fez politicamente seu tempo”.

De fato, na Rússia, os bolcheviques depois de tomarem o poder, convocaram imediatamente a Constituinte, cujas eleições se realizaram a 30 de Novembro, isto é 23 dias depois do triunfo do proletariado. A Constituinte foi convocada “mesmo depois da vitória da república soviética”, precisamente para “provar às massas retardatárias” que a sua existência só podia interessá-las sob o jugo da burguesia, tornando-se um traste inútil com a ditadura do proletariado.

No Brasil, estamos longe ainda de uma fase política semelhante à da Rússia pré-revolucionária. Ainda não temos aqui, infelizmente, nem um proletariado com consciência revolucionária nem um partido político de classe capaz de uma ação ponderável nos acontecimentos políticos e forte bastante para guiar a massa explorada na luta pelo poder. As massas populares ainda não estão nem ao menos numa fase de interesse político mais elevado. Elas vivem ainda inconscientes quanto à própria sorte, não só no terreno puramente econômico como no terreno propriamente político, isso quer dizer que a sua educação política ainda está por se fazer, sendo necessário criar a consciência sistematizada de seus interesses. Nessas condições, a palavra de ordem politicamente mais adequada ao momento, que pode, antes de qualquer outra, chegar até as camadas mais profundas da massa, é a que consubstancia na sua simplicidade os interesses mais imediatos e as aspirações políticas mais rudimentares do pobre: o direito de associar-se, o direito de organizar-se, a liberdade de pensar e de agir. É a Assembléia Constituinte.

Viva a Assembléia Constituinte, na base do voto secreto, direto, para os maiores de 18 anos, sem distinção de sexo ou nacionalidade e extensivo aos soldados e marinheiros!

Abaixo o governo burguês discricionário!


Inclusão: 22/03/2020