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Primeira Edição: Boletim da Oposição, no. 1, janeiro de 1931
Fonte: http://www.ler-qi.org/ - Na Contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 – 1933. Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs (orgs.)
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Como conseqüência imediata da crise do café produzido em São Paulo em tão grande escala que o consumo mundial, só de muito longe, pode acompanhar a marcha da produção — baqueou o P. R. P.,(1) o partido dominante da burguesia paulista, a camarilha que, nos 40 anos de "república democrática" no Brasil, controlava o poder, exercendo a sua hegemonia na Federação.
O P. R. P., associado às oligarquias que vinham presidindo a 17 estados, teve de ceder as posições, pelo pronunciamento das forças armadas, intimidadas pelo espantalho da guerra civil, ateada pelas situações dominantes nos três estados da chamada "Aliança Liberal"(2).
O governo federal tornou-se tão absorvente, tão grande é a soma de poder enfeixada nele, que a burguesia de um estado que dele se apodera pode exercer um controle quase completo de todas as forças do Estado.
Tendo o governo federal nas mãos, a burguesia de um estado da União dispõe do instrumento mais aperfeiçoado para a exploração da massa oprimida, conta com maior força armada para impor ao povo a vontade da classe dominante e esmagar as revoltas populares, podendo mais livremente obter das potências imperialistas os empréstimos que aumentam a opressão das massas.
No Rio Grande do Sul, a burguesia já se sentia bastante forte para arrebatar o governo da União das mãos do P. R. P. Em Minas, a oligarquia dominante, com Bernardes à frente, lutava pela hegemonia política que estava sendo exerci da por São Paulo. Quanto ao levante da Paraíba(3) temos nele um índice dos anseios da burguesia local do Nordeste ambicionando uma maior liberdade política.
A "república nova", evangelizada pelos velhos e jovens politiqueiros da "antiga", auxiliados por um pronunciamento típico de oficiais superiores que hipotecavam seu apoio a Washington Luís(4) (enquanto este não os mandou às linhas de fogo), foi feita em nome da unidade nacional em perigo.
A burguesia do Rio Grande do Sul, esquecida das suas tendências separatistas, fez-se, assim, campeã da unidade nacional... sob a sua hegemonia política. E foi apeado do governo federal o partido mais representativo dos interesses da burguesia monopolizadora de São Paulo, uma vez vacilante a sua base econômica, caracterizada pela monocultura capitalista.
Agora, está-se vendo a burguesia gaúcha, baseada na policultura, pecuária e indústrias correlatas, fazendo a campanha pela "unidade da pátria", fazer a sua própria propaganda.
A necessidade em que se vê de assegurar mercados internos para a sua produção, leva-a a proclamar um "nacionalismo econômico", "favorável ao povo" e "pelo barateamento da vida", dizem os novos messias, mas que mal esconde uma torpe solicitude em benefício dos seus próprios interesses de classe.
Assim, a reforma das tarifas, recurso demagógico de que se vem usando, leva às classes médias e proletárias a esperança de barateamento da vida e não contrariará os interesses próprios do sistema de produção do Rio Grande do Sul.
Em São Paulo, a burguesia, afogada nos "stocks" de café e de tecidos, abdica nas mãos de uma ditadura militar todo o controle do Estado, apavorada pelo desenvolvimento da crise econômica, unindo-se numa "santa aliança" cimentada pelo suor do proletário.
Premidos, o fazendeiro e o industrial, pela necessidade de reduzir o custo da produção, irá ela, muito possivelmente, a medidas mais radicais, como sejam a expropriação das fazendas de café hipotecadas ao Banco do Estado e a sua conseqüente repartição em lotes. Com tal medida, a burguesia cafeeira lançará o fardo das explorações não lucrativas sobre os ombros do colono, que pagará a terra que trabalha por preço alto, não se tenha dúvida, para que o Estado pague pontualmente os juros da dívida externa. O capital financeiro internacional ficará satisfeito. A burguesia nacional também. E João Alberto cantará vitória, dizendo-se "socialista" ...
Como remédio à crise financeIra, mais um empréstimo que ligará mais os interesses da burguesia nacional aos da burguesia imperialista. Se os doutores são outros, o remédio não mudou ... Será uma sangria a mais no proletariado e nas massas rurais. A demagogia liberal, o palavrório "revolucionário" ... para a função de anestésico.
Manter a unidade burguesa do Brasil, manter a centralização do poder político, sob a forma de ditadura militar manifesta ou mascarada, de baioneta calada sobre as massas exploradas e oprimidas, manter essa unidade num país em que o desenvolvimento das forças produtivas, nos diferentes estados, se faz desigualmente, acelerado o processo de desagregação pela invasão do capital financeiro internacional, pretender livrar.a "pátria brasileira" do desmembramento, eis a "missão histórica" dos "generais da revolução", dos Juarez Távora e Miguel Costa, dos João Alberto e Góes Monteiro a serviço da burguesia(5).
A unidade nacional burguesa foi mantida graças à vitória da "Aliança Liberal". Suprimidos do cenário político alguns figurões mais comprometidos, o acordo geral da burguesia está sendo restabelecido à custa de uma opressão maior das classes pobres, reduzidas às mais duras condições de vida.
Esse acordo geral será no Brasil burguês a última forma conciliatória entre a centralização do Estado, processo econômico de desenvolvimento capitalista, e a forma federativa, garantia da unidade política.
A falência financeira do Estado, a redução das reservas de ouro, como efeito da política monetária do governo perrepista, a crise econômica da superprodução agrária e industrial, agravarão o grau de dependência do Estado brasileiro à economia mundial imperialista.
Mal cessaram as fanfarras -retumbantes da vitória, os banqueiros de Wall Street e da City já enviam os seus peritos contadores. O verdadeiro vencedor surge. A burguesia nacional tem de submeter, pois, a sua política à política dos grandes países imperialistas.
Nenhuma fração da burguesia, por mais liberal que seja o seu rótulo, pode efetivar as promessas democráticas. A luta de classes é mais poderosa do que as abstrações do liberalismo político. Na fase imperialista do capitalismo, a democracia burguesa — democracia formal — não passa de mistificação. A burguesia não tem mais interesse direto na realização das reivindicações democráticas. Exemplo vivo disso é a atuação de Mauricio de Lacerda e Luzardo(6), ambos pregoeiros verborrágicos do liberalismo, ídolos de barro da pequena burguesia.
O primeiro, não podendo fazer discursos agora, assina artigos laudatórios e bombásticos, endeusando os generais heróis de bobagem da "revolução".
O outro aceita gulosa e cinicamente o cargo de chefe de polícia, continuando e aperfeiçoando, mesmo, se isso é possível, a repressão brutal do movimento operário no Rio de Janeiro.
A hipocrisia da campanha liberal patenteia-se, assim, na contradição entre as promessas que iludiram as massas e a realidade das prisões, deportações, fuzilamentos.
No próprio dia em que os generais depunham Washington Luís, mandaram espingardear o povo, na defesa do patrimônio do conde Pereira Carneiro, ameaçado com o empastelamento do "Jornal do Brasil" .
No dia seguinte, um comício da Confederação Geral do Trabalho(7) era dissolvido e encarcerados os oradores proletários.
A "liberdade" em São Paulo, "decretada" por João Alberto, acolitado por Miguel Costa, passou no rápido espaço de um mês — de autorização ampla de organização sindical, ao cerceamento do direito de greves; do direito de associação, à censura à imprensa, à oficialização da presença de agentes da polícia nas reuniões sindicais, à repressão sistemática de qualquer tentativa de greve; da "legalização" do Partido Comunista e das declarações oficiosas favoráveis ao reconhecimento da U. R. S. S., à prisão de militantes operários e à vigilância exercida sobre "suspeitos" de comunismo(8).
O proletariado não se iludirá, pois, só ele, como classe verdadeiramente revolucionária e pelo caráter internacional da luta que trava contra a burguesia, pode lutar pela liberdade, pela democracia. Só o proletariado pode combater pelas reivindicações democráticas, pois só ele tem interesse vital na conquista da democracia. Diante do proletariado, como classe, todas as frações da burguesia não têm divergências e, conservadores e liberais, fazem frente única. Quando o proletariado reclama as mais elementares palavras de ordem, procura abafar a sua voz a mão pesada da reação burguesa.
Não nos intimidam os manejos da ditadura burguesa. O proletariado lutará pelas reivindicações democráticas, batendo-se pelo direito de organizar os seus sindicatos revolucionários de classe e pela legalização do partido de sua vanguarda consciente, o Partido Comunista. Prejudicada a ação deste, por sua direção incapaz e burocratizada, a Liga Comunista, fração de esquerda do Partido, aderente à ala bolchevistaleninista da III Internacional, que é liderada por Trotsky e Rakovsky(9), concita o proletariado à luta pelas liberdades democráticas e pela legalização do seu partido de classe, a fim de se iniciar a organização definitiva do proletariado, para elevá-lo à consciência revolucionária da luta pela implantação da Ditadura Proletária, que efetivará sua completa emancipação política e econômica.
A Liga Comunista lutará sem desfalecimentos por uma linha política revolucionária justa do partido do proletariado, defenderá intransigentemente as resoluções adotadas nos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista(10) e reivindicará o estabelecimento do regime de democracia interna no Partido Comunista, para a discussão dos mais sérios problemas do movimento operário.
A Liga Comunista combaterá, finalmente, pelos seus órgãos ("Boletim da Oposição" e "A Luta de Classe")(11) todos os erros e desvios que vêm ameaçando a estabilidade da ditadura do proletariado na União Soviética e, nacionalmente, a política oportunista e reacionária da burocracia dirigente, que vem entravando o desenvolvimento do processo permanente e internacional da Revolução Proletária.
Pela mais ampla liberdade de organização sindical!
Pelo reconhecimento dos comitês de fábricas e fazendas!
Pelo dia de 8 horas!
Pelo direito de greve!
Pela fixação do salário mínimo!
Pela manutenção dos desempregados pelo Estado!
Pelos contratos coletivos de trabalho, nas fábricas e nas fazendas!
Pela anulação dos impostos e hipotecas sobre a pequena propriedade rural e urbana!
Pelo voto secreto, direto, sem distinção de sexo e nacionalidade, para os maiores de 18 anos e extensivo aos marinheiros e aos soldados!
Pela convocação da assembléia constituinte nas bases expostas!
Pelo reconhecimento da União Soviética!
A Comissão Executiva Provisória da Liga Comunista (Oposição)
Notas de rodapé:
(1) Partido Republicano Paulista. Criado em 1873, existiu até 1937, quando todos os partidos políticos foram extintos por ocasião da implantação do Estado Novo. Juntamente com o Partido Republicano Mineiro foi hegemônico no governo do país até outubro de 1930, defendendo os interesses da burguesia ligados à produção e exportação do café. (retornar ao texto)
(2) A Aliança Liberal foi criada em agosto de 1929 como oposição ao governo de Washington Luís Pereira de Sousa, por iniciativa das lideranças políticas de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, objetivando apoiar a candidatura de Getúlio Dornelles Vargas e João Pessoa (1878-1930) (trazendo consigo o apoio da Paraíba) à presidência. Após a derrota nas eleições de 1.3.1930. muitos de seus membros passaram a advogar a tese da insurreição armada, que. com o assassinato de João Pessoa em 26 de julho, tem seus preparativos acelerados, eclodindo o movimento armado em 3.10.1930. (retornar ao texto)
(3) Referência à revolta desencadeada na cidade de Princesa (hoje Princesa Isabel), no interior da Paraíba, que ficou conhecida como a Revolta de Princesa. Foi encabeçada pela burguesia local, que se insurgiu contra a política tributária praticada pelo governador João Pessoa (1878-1930), a qual prejudicou seus interesses econômicos em detrimento da burguesia comercial da capital do Estado. O movimento durou de 26 de fevereiro a 11 de agosto de 1930. (retornar ao texto)
(4) Washington Luís Pereira de Sousa (1869-1957), político. Presidente brasileiro, governou o país de 1926 a 1930, sendo derrubado pelo movimento armado desse ano, pouco antes de seu sucessor Júlio Prestes de Albuquerque (18821946) tomar posse. Parte para o exílio, retomado em 1947, sem retomar qualquer atividade política. (retornar ao texto)
(5) Alude-se aqui à participação e apoio dos tenentistas ao movimento armado de outubro de 1930, à exceção, fundamentalmente, de Luiz Carlos Prestes. Juarez do Nascimento Fernandes Távora (1898-1975), militar, participou da Coluna Prestes. Em outubro de 1930 comanda as forças militares do Norte e Nordeste. É designado delegado militar junto à interventoria do Norte e Nordeste, recebendo o apelido de "vice-rei do Norte". Em 1932 é nomeado ministro da Agricultura, permanecendo na função até 1934, quando retoma suas funções militares. Sobre Miguel Costa. João Alberto Lins de Barros (18971955), militar. Integrante da Coluna Prestes. Apoiou a Aliança Libera! e seu movimento de outubro de 1930. Nomeado interventor em São Paulo, exerce o cargo até julho de 1931. Exerce a chefia da polícia do Distrito Federal em 1932 e 1933. Ê eleito pelo PSD de Pernambuco para a Constituinte de 1933-34. Pedro Aurélio de Góes Monteiro (1889-1956), militar. Dirige a repressão governamental à rebelião militar de 1924 em São Paulo. Passa mais tarde a apoiar a Aliança Liberal. Foi um dos líderes do movimento armado de outubro de 1930, após o qual é designado comandante da 2ª. Região Militar, em São Paulo. Em 1934 é ministro da Guerra. Foi um dos dirigentes do golpe que implantou o Estado Novo em 1937. (retornar ao texto)
(6) Sobre Mauricio de Lacerda, João Batista Luzardo (1892-1982), médico e político. Deputado oposicionista na Primeira República, apóia a Aliança Liberal, sendo designado, após outubro de 1930, chefe de polícia do Distrito Federal, destacando-se por suas perseguições ao movimento operário. Iniciou a organização de um serviço de "repressão ao comunismo" baseado no modelo norte-americano. (retornar ao texto)
(7) Central sindical impulsionada pelo PCB e fundada em abril de 1929, tendo como secretário-geral Minervino de Oliveira, que mais tarde foi candidato à presidência do Brasil, pelo BOC, em 1.3.1930, e Mário Grazzini e Roberto Morena como seus dirigentes. De fraca implantação no movimento sindical, é sucedida pela Confederação Sindical Unitária do Brasil, criada em abril de 1935. (retornar ao texto)
(8) Referência a uma série de medidas tomadas durante a interventoria de João Alberto em São Paulo. João Alberto autoriza o funcionamento do PCB em São Paulo, sob responsabilidade de seu irmão Luiz de Barros (1903-1967), Plínio Gomes de Mello (1900) e Josias Carneiro Leão. A iniciativa é prontamente rechaçada pela direção do PCB e critica da pela Oposição de Esquerda. A respeito do assunto é interessante consultar o folheto lançado pela Liga Comunista do Brasil em 1931, intitulado "A Oposição de Esquerda e as calúnias da burocracia". (retornar ao texto)
(9) Trotsky (pseudônimo de Lev Davidovitch Bronstein) (1879-1940). Presidente do Soviete de Petersburgo em 1905. Tomou parte ativa na organização da insurreição de outubro de 1917, lutando ao lado de Lenine. Organizador do Exército Vermelho, comissário do Povo para a Guerra e a Marinha, presidente do Conselho Militar Revolucionário até a morte de Lenine. Foi, depois disso, em fins da década de 20, excluído do Partido Comunista da URSS, deportado e expulso do país. A partir de seu exílio dedica-se a organizar a Oposição Internacional de Esquerda, visando a restabelecer a orientação da linha mantida pela Internacional Comunista nos seus primeiros quatro congressos internacionais, até que a política capitulacionista do PC alemão contribui para a ascensão de Hitler. Em face da nova situação gerada pelas derrotas na China e na Alemanha, Trotsky passa a defender a necessidade da criação de uma nova Internacional, que é finalmente fundada em 1938: a IV Internacional. A mando de Stalin, é assassinado no México em 1940. Khristian G. Rakovsky (1873-1941), revolucionário internacionalista europeu de antes da I Guerra Mundial e amigo de Trotsky, foi chefe do serviço político do Exército Vermelho e do governo ucraniano, depois embaixador, antes de ser deportado em 1928. Capitula em 1934, mas acaba sendo condenado nos "Processos de Moscou", em 1938. (retornar ao texto)
(10) A defesa dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, realizados de 1919 a 1922, para a Oposição de Esquerda, tinha o sentido da retomada da tradição e da política bolcheviques em vida de Lenine, tal como estão formuladas em suas resoluções e decisões. (retornar ao texto)
(11) Boletim da Oposição, órgão teórico da Liga Comunista, teve seu primeiro número lançado em janeiro de 1931 e o último de que se tem conhecimento, o de número 4, é de maio de 1932. (retornar ao texto)